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Praça da Sé e o Comércio de Ilusões [Elisabeth Lorena Alves]



Praça da Sé e o Comércio de Ilusões
Aproveitando-me do lançamento do Livro “As Pílulas do Santo Cristo”, do escrito “Elói Alves do Nascimento”, em São Paulo, evento muito badalado pelo que vi no Facebook, vou escrever sobre algo que os paulistanos conhecem bem: O comércio de ilusões que acontece em um espaço público conhecidíssimo, a Praça da Sé.
A Praça da Sé, para os brasileiros que ainda não sabem, é o marco Zero de São Paulo. Em 1954, no aniversário 400 anos da cidade, foi reformado o primeiro prédio, que tinha, já, 366 anos... a Igreja da Matriz.
Abaixo da Praça existe o ramal central do Metrô de São Paulo, a Estação da Sé, que liga São Paulo a todos as regiões sazonais pelos seus trilhos.
Uma das construções mais famosas é a Catedral da Sé - ou Catedral Metropolitana – com arquitetura gótica e bizantina, é a maior Igreja de São Paulo e figura entre um das maiores do mundo e tem, também, o maior órgão da América do Sul, com mais de 10 mil tubos.
A Praça, em si, e suas imediações são referências muito importantes no que se refere à Cultura e Arquitetura Brasileira. Estão reunidos ali diversos edifícios que são importantes para nossa História, tais como o Palácio da Justiça, Palacete São Paulo, a Igreja Nossa Senhora da Boa Morte, a Igreja de São Gonçalo, a Capela do Menino Jesus e Santa Luzia, a Igreja da Ordem Terceira do Carmo, além do SESC do Carmo.

Igreja da Sé
 A Praça da Sé é um patrimônio histórico que deveria ser melhor cuidada pela Administração Pública, mas infelizmente a praça é totalmente esquecida e não se torna um lugar seguro para se transitar a noite. Há uma porção de bandidos, mendigos e arruaceiros, mas isto não vem ao caso agora.
Claro que os fatos que passo a narrar são de conhecimento do público em geral e existe, sim, um grande combate da Polícia aos verdadeiros crimes que ocorrem na Praça da Sé, mas no Brasil estelionato é um crime que não dá cadeia. Que nos diga os loroteiros de plantão que governam o nosso país do Oiapoque ao Chuí!
Na Praça da Sé vende-se de tudo! Fala-se de tudo! Tem todo tipo de gente dando datas para o fim do mundo, gente lendo a mão, adivinhando o futuro na borra de café, lendo a sorte na sombra e até fazendo leitura da aura. Existem vendedores de sonhos, de cura, de joias e tudo o mais. Uma das figuras mais antigas é o Homem da Cobra, comum em várias praças brasileiras. Este é alguém que fica com uma cobra gigante pendurada no pescoço e vendendo remédio aos gritos. Ele usa a técnica do monólogo contínuo, fala (se atropela) sem parar ao menos para respirar, e neste falatório todo não dá tempo para as pessoas questionarem a eficácia do elixir. Ele enumera todas as doenças que as garrafadas curam, de A a Z, de quebranto ao câncer, é uma coletânea de enfermidades e Ele fala de um fôlego só e a gente quase não percebe que ele reiniciou a conversa toda novamente.
Quando você ouvir um paulistano dizer que qualquer fulano fala mais que o homem da cobra, pode saber que esta pessoa tem a capacidade falar por horas.
Tem palhaços vendendo caneta mágica, tem humoristas fazendo 'stand up', tem prostitutas, trombadinhas e homens-placas que trocam ouro e prata.
A Praça da Sé era um local de encontro dos moradores do Brás e do Bexiga. Conta a história que era ali que Adoniran Barbosa e Geraldo Filme, compunham muitas de suas músicas, onde Germano Batista batucava na tampa de latas de graxa. Os engraxates que de dia trabalhavam cuidando dos sapatos dos pedestres e escriturários da região juntavam-se a noite para fazer apresentações musicais e batucadas e eram aplaudidos pelos passantes noturnos e os amigos que apareciam ali para vê-los em suas atividades musicais.
Praça da Sé - 1940
 São personagens da Praça os artistas diversos, atores e atrizes em início ou declínio de carreira que fazem seus números para os passantes, muitos olham e não os veem, outros passam tentando reconhecer o rosto cansado e desiludido de alguma produção televisiva. Os loucos que gritam suas crendices mais incomuns e que encontram outros loucos para ouvirem e balançarem a cabeça em sinal de concordância.
Ali também encontramos os 'mangueadores', seres que usam de seu talento para convencer as pessoas da sua necessidade de voltar para sua cidade natal ou de comprar remédios para um parente eternamente doente ou, ainda, de conseguir dinheiro para enterrar a mãe, tendo nas mãos um atestado de óbito mais falso que uma nota de 3 reais, conseguido ali mesmo na Praça. Estes mangueadores ganham muito dinheiro 'engabelando otários' com suas histórias bem firmadas e sempre repetidas. Ganham tanto dinheiro, mas a maioria nada constrói, pois acreditam que nunca serão pegos e poderão fazer isto eternamente.
Ali encontramos sósias de famosos a fazer seus shows solitários. Michael Jackson ainda não morreu, faz seus shows diários, enquanto observa se entre os passantes pode existir alguém que reconheça seu talento. Existem, também, famílias inteiras a fazer apresentações musicais, tendo como chefe de grupo meninos que deveriam estar na escola. Os diversos sósias de Castanha e Caju, ou seria Caju e Castanha? Bom...  repentistas, pagodeiros, bilheteiros e loroteiros são figuras marcantes desta Praça tão nossa! Hoje os governos municipais fecham a água do chafariz enorme que há na Praça, onde era comum encontrarmos os mendigos e moradores de rua a se banhar em pleno sol quente e lavar suas roupas, sem sabão.
Falar da Praça da Sé me faz lembrar dos momentos que vivi por ali, quando dava aula para a EDUCAFRO, pelo CIJ-Guaianases. Íamos todos os professores e alunos para as reuniões com o frei e, depois íamos as lanchonetes da Sé para lanchar, enquanto discutíamos os livros que comprávamos todos os sábados na Livraria da UNIESP bem ali na Praça. Era uma algazarra geral, despedíamos dos alunos e seguíamos para a Livraria para comprar mais livros e discutirmos feito maritacas pelos corredores da mesma, enquanto decidíamos quais títulos levaríamos.
Sim, ainda são personagens desta Praça os alunos que deixam o Colégio São Paulo e ficam pelas escadarias da Catedral a dividir o tempo entre namorar e estudar, enquanto esperam diminuir a quantidade de gente nos pontos de ônibus nas duas estações - Sé e Clóvis. Os amigos também se juntam nesta mesma escadaria para rir e brincar, enquanto revê o material para a prova e, outros ainda arriscam a comer ali mesmo, lanches diversos vendidos pela região. Esta atitude para qualquer outro brasileiro deve ser estranha, mas enfrentar trem, ônibus e metrô em horário de pico em São Paulo é para quem esta indo de uma atividade imediata até outra, afinal, é horrível sentir-se uma sardinha em lata de óleo dentro das conduções paulistas sempre cheias.

A propósito, quer ter seu amor de volta e sem ganhar na loteria? Procure a dona dos Búzios na Praça da Sé, com seu turbante descorado e com aquela maquiagem barata, ela jura que trás de volta seu amado – ou sua amada – em exatos 3 dias, claro, se você acreditar e fizer tudo o que ela te mandar, sem ter nenhum resquício de dúvida, insiste ela.
Se quer ficar rico, que tal comprar um banho de arruda, mel, alho e rosas amarelas que o Rei das Garrafadas vende logo adiante. Imagina só o cheiro desta mistura! Ou se quer ter uma pele de seda, que tal comprar um creme hidratante especial, uma receita de família, adquirida pela vó da minha vó,  uma índia que tinha parentes na Grécia? O creme, que custa a bagatela de R$ 250,00 reais não pode ser usado de dia, nem pode ser compartilhado com nenhuma outra mulher, pois senão vocês poderão compartilhar algo mais no futuro, o mesmo homem!
Seu filho esta com dificuldades para passar de ano? Conheço uma mãe que sofreu por anos pagando aulas de reforços para seus filhos e eles nunca conseguiam passar de ano, mas depois que eles conheceram a Garrafada XYZ e tomaram seu conteúdo fétido, feito com ovos de pata, leite condensado e groselha, com um ingrediente secreto – e deve ser o causador do cheiro mais que duvidoso – eles se tornaram os primeiros alunos de sua escola. Esta história é real e pode ser conferida se você tiver paciência de esperar o vendedor dizer o nome de todas as doenças reais e imaginárias que as suas garrafadas curam.
Ainda ali na ponta da Praça, indo em direção Sétimo Cartório tem o engraxate que cuidou dos sapatos do Papa João, ou seria do Papa Bento, agora não sei, mas o que sei bem é que ele recebeu uma benção papal e quem engraxa seu sapato lá, também é abençoado! Assim dizem, com fé, seus antigos clientes.
No canto direito da Praça está sempre sentada a contar histórias antigas, de seu tempo de menina de programa, uma senhora com idade e traços indefinidos. Conta de que na juventude conheceu Getúlio Vargas e tiveram uma história de amor, que foi interrompida pela morte prematura do presidente e os políticos de então, temendo os segredos que ela conhecia, expulsaram-na de sua casa, que era financiada pelo amante importante, mas que não lhe pertencia. Temendo por sua vida ela pegou carona e veio parar em São Paulo, onde a sua fama e notoriedade impediram-na de continuar na vida e ela teve que se transformar em uma pacata empregada doméstica, perdendo ali sua fama, beleza e o pouco das joias que conseguira juntar. Hoje vive a vender sua história por alguns míseros centavos de real.
Não posso me esquecer do neurótico de guerra, que sofreu tanto nos campos da Itália e acabou com a 'mente matada' de tantas desgraças assistidas, por ver tantas famílias destruídas,  meninas novas que, por terem perdido seus pais e irmãos para a guerra, se prostituiam, servindo aos soldados que mataram seus entes queridos, para poder ganhar um pedaço seco de pão...
Tem o show do filho de um artista morto anos atrás, que canta suas canções ao som de uma guitarra e seu 'play back'. Conta sua história triste, mas de superação que já lhe garantiu vender 1 milhão de cópias de seu CD de gravadora própria.
Há também o violeiro que fez aquela novela de “gente do interior” e que, hoje, esquecido pela mídia, vê no Marco Zero Paulista, o palco apropriado para dividir suas notas tristes e seu pesar pela decadência de sua outrora carreira que parecia promissora, mas que 'degringolou' por causa da inveja alheia e de assessores corruptos que lhe roubaram tudo o que ele conseguiu com a fama passageira.
Diretas Já
Tem também aquela pobre viúva que viu se filho sair para o trabalho em uma Noite de Natal e recebeu apenas uma placa da Polícia onde constava que ele se tornou um herói, pois entrou em um edifício em chamas para salvar uma família inteira, enquanto todos os vizinhos da fábrica que ele trabalhava como vigilante, assistiam impassivos sem nada fazer, esperando a chegada do Corpo de Bombeiros. Seu filho salvara 6 dos 8 sobreviventes, mas seu corpo tombou com uma criança nos braços. Os bombeiros informaram que, ele,  ao ver que uma barra enorme de madeira vinha descendo sobre a cabeça da criancinha, se jogara para proteger a menor e morrera em consequência do acidente, momentos antes do Corpo de Bombeiro chegar. Eles demoraram por causa de um trote que informou um incêndio para os lados da Praça da República. E agora aquela mãe, com uma placa encardida pelo tempo conta sua história, enquanto só aqueles que a ouvem, colocam moedas no chapéu velho e esfumaçado de seu filho. Mais um herói esquecido.
 Para mim uma das maiores ilusões da Praça da Sé é mesmo as 'Diretas Já', onde conseguimos o direito de votar e escolhemos que deveríamos continuar fazendo as piores escolhas. As pessoas se uniram para lutar contra a Ditadura e entraram na Democracia, tomando para si a responsabilidade de fazer suas escolhas políticas e hoje vemos que a diferença entre a Ditadura e a Democracia é uma só: Dinheiro. Os militares morreram dependendo de seus soldos e os políticos atuais nos matam enriquecendo não só com nossos impostos, mas com todo o dinheiro que conseguem 'afanar' de forma vergonhosa, guardando em meias, cuecas e claro, nas mãos e cofres de seus comparsas – desculpe – companheiros. 
São destas histórias que vive a nossa Praça da Sé, de pequenos pedaços de vida alheia que formam a sua própria vida, a vida de um patrimônio morto e sem história própria que se completa absorvendo as histórias daqueles que a cercam.
Praça da Sé - 1904



Elisabeth Lorena  Alves - Alguém que não gosta de ficar parada, mas que estaciona frente a um bom livro e sonha com as palavras. Posta no Elisabeth Lorena Alves ( www.eliselorena.blogspot.com.br)
 




7 comentários

ELÓI ALVES disse...

excelente, querida Beth; bom pra paulistano rsrsr sabe que os juízes uma vez iam proibir cultos na pça por atrapalhar os julmamentos no palacio da justiça? mas tem que calar muita gente, não? rsrs parabéns

Elisabeth Lorena Alves disse...

Realmente, ia ter que calar muita gente!
Faltaram aí ainda os artistas hippies com seus artesanatos de arame, com pulseiras e colares coloridos, os políticos desconhecidos prometendo soluções mágicas...
Valeu a leitura e o comentário, Eloi

Jane Eyre Uchôa disse...

Interessante este comércio de ilusões, conheço alguns por aqui e outros que estão na mídia e na política a vender sistemas falidos ou que nunca existiram a não ser na sua imaginação.
Mas olhando de uma forma sociológica, apesar de não ser minha praia o homem precisa de abstração, veja só as religiões como arrastam milhares de pessoas que acreditam precisar do grupo. O ser humano precisa acreditar em algo e de preferência algo fascinante, fantasioso, milagroso ou que simplesmente resolva sua aflição momentaneamente. Seria bom ter um lugar que comprassemos ilusões? venderia? seria promissor? Sim, a resposta é sim para tudo isso pois todos os dias a TV nos vende ilusões desde a moça bonita de pele limpa sem uma marca de acne da adolescência até a promessa dos esquerdistas de mudar o país sem dar valor a educação, esta última é a pior ilusão que além de iludir traz prejuízos. Muitos assistem desenhos e filmes para abastecer sua fantasia, outros preferem ver ao vivo relatos viciados de pessoas que fabricam e vendem suas histórias para outros que precisam comprá-las. Todos temos nosso potinho de ilusão em casa, por que o ser humano é feito dele,acredita em um Deus sem vê-lo, acredita que o amanhã será melhor sem saber se estará vivo, acredita que pode crescer na vida ou sucumbir de vez, acredita que a vida é uma ilusão, por que a morte não ilude, ela vem e leva acabando a festa. Muito esclarecedor seu texto, quando voltarmos a São Paulo vamos dar uma voltinha lá para ver isso mais de pertinho quem sabe trazemos um pote de ilusão para Manaus. bjs

Elisabeth Lorena Alves disse...

kkkkkkkkkkkkkkkkk Jane, quem sabe traremos de lá um potinho de ilusão!
A Praça da Sé é um Universo de histórias, mas para ser sincera, as vezes que passei por ali foram todas por necessidade, cresci com certo receio desta Praça e depois de adulta não me apeguei a este lugar.
Vivitava com frequência por causa dos livros, na região da Sé existem diversos sebos e livrarias especiais e sempre fui lá por este motivo.
Existe também vendedores de ervas, de todo o tipo de erva e que cura tudo.
Tomara que quando formos lá, os Policiais estejam tomando café de ''olhos fechados'' para os historiadores d eplantão e então você vai ouir várias histórias e quem sabe inspirar-se para escrevr um destes teus maravilhosos textos...

Elisabeth Lorena Alves disse...

Obrigada querida Onã Silva pela leitura e gentil comentário. A Praça da Sé é multi mesmo.Cheia de histórias, cheia de alegrias e tristezas, amores e dores,sonhos e pesadelos, lutas,derrotas e vitórias.Por ali passa todas as raas e nãções.

Samuel Leal disse...

Nossa que texto maravilhoso, você tem um enorme taleto para escrever, só coisas doidas rs, e interessante. Como se engana as pessoas com facilidade hoje em dia, aqui no Rio existe a mesma coisa, mais acho que não como ai na Praça da Sé kk, parabéns pelo texto.

Elisabeth Lorena Alves disse...

Obrigada Samuel pela leitura. Realmente tem muita coisa doida por este nosso Brasil a fora. Quandoa gente sai por ai disposto a prestar atenção nas coisas, acaba vendo o que nunca imaginou existir. As Ilusões da Praça da Sé são comuns a todos os centros urbanos e por este motivo reconheces também no Rio de Janeiro. Por falar em Rio, amo muito este Estado e tenho amigos por ai, aos quais devo novas visitas...
Abraços!