O RUÍDO DAS COISAS AO CAIR
A literatura colombiana está invadindo o Brasil. Faz algum tempo. Cerca de quarenta anos. Há quem diga que o fenômeno teve a sua origem quando Gabriel García Márquez (Cem anos de solidão) ganhou o Prêmio Nobel de Literatura, em 1982. Quem conhece a literatura sul−americana discorda, lembrando que − antes que o realismo mágico se transformasse em boom literário − os livros de Álvaro Mutis (A neve do Almirante) faziam algum sucesso nas livrarias brasileiras.
De qualquer forma, em oposição aos viejos, a literatura colombiana contemporânea está se mostrando bastante diversificada. Ao lado do estilo irreverente de Efraim Medina Reyes, que manda o comportamento politicamente correto para o espaço em textos instigantes como Técnicas de masturbação entre Batman e Robin ou Era uma vez o amor mas tive que matá−lo, é possível encontrar o realismo agressivo de Fernando Vallejo − que não poupa nada ou ninguém em A virgem dos sicários e Despenhadeiro. Um dos melhores retratos do Brasil, durante o período em que os governos militares estavam no poder, está em Impávido colosso, de Daniel Samper Pizano. Santiago Gamboa realiza um estudo quase anatômico do imigrante latino (que vai para a Europa estudar ou fugir dos governos autoritários) no divertidíssimo A síndrome de Ulisses. Os temas políticos também estão presentes na prosa límpida de Laura Restrepo (Heróis demais).
Publicado no Brasil, no início de 2013, o romance O ruído das coisas ao cair, de Juan Gabriel Vásquez, acrescenta novo agrupamento de situações e personagens a essa biblioteca babélica. O romance ganhador do Prêmio Alfaguara de 2011 está centralizado no narcotráfico. E talvez esse seja o seu maior defeito. Embora pareça ser uma narrativa isenta, dessas que somente desejam expor um conjunto de fatos, há alguns momentos de visível conservadorismo. Faltam explicações sobre como as questões macroscópicas se movimentam ao redor do tráfico. Há lacunas visíveis quando são abordados assuntos como a corrupção estatal e os interesses político.
Sobrou apenas um relato ingênuo, em primeira pessoa, voltado para um passado que ele mesmo fabrica, pois Lembrar cansa, isso é coisa que não nos ensinam, a memória é uma atividade exaustiva, drena as energias e desgasta os músculos. Ou seja, o narrador escolhe cuidadosamente a violência que deseja descrever. Fingindo buscar a explicação que não deseja fornecer, descarta toda e qualquer complicação que seja capaz de tumultuar a linearidade do relato.
A história do piloto de aviões Ricardo Laverde fornece substância à vida medíocre do professor universitário Antonio Yammara, o narrador. Enquanto o primeiro decide transgredir as regras sociais, ignorando as diferenças que separam o certo do errado, o segundo representa o poder normativo − o seu relato defenderá essa tese em 246 páginas.
Ricardo e Antonio se conhecem em um salão de bilhar, um daqueles lugares aonde vão em busca de alguma estabilidade as pessoas cuja vida, por qualquer razão, esteja instável. Eles jogam carambola, uma modalidade que exige grande habilidade − em cada tacada, para marcar pontos, o jogador precisa que a bola branca toque nas outras duas bolas. A amizade entre eles se desenvolve cheia de reticências, como se fosse fruto de algumas péssimas tacadas. Em dado momento, por questões particulares, eles se afastam um do outro. Ficam um bom tempo sem ter contato. A parte mais significativa do relato inicia quando eles se reencontram.
A experiência, isso que chamamos experiência, não é o inventário de nossas dores, mas a simpatia aprendida pelas dores alheias – diz o narrador, em algum ponto do texto, abrindo as portas para o que há de mais nocivo na comiseração. Ao descrever, da maneira mais superficial que lhe foi possível, a história amorosa de Ricardo Valverde e Elaine (Elena) Fritts, interrompida por vinte anos de cadeia e a queda de um avião de passageiros, Antonio Yammara aproveita a oportunidade para assumir o proscênio de uma história que nunca foi a sua. Nessa confusão, a própria incapacidade de gerir uma família se mistura com a história colombiana: estava ainda a salvo: a salvo da peste de meu país, de sua atribulada história recente: a salvo de tudo aquilo que me acossava como a tantos de minha geração (e também de outras, sim, mas principalmente da minha, a geração que nasceu com os aviões, com os vôos cheios de sacos e sacos de maconha, a geração que nasceu com a guerra contra as drogas e conheceu depois as conseqüências).
Antonio Yammara, o narrador, como se estivesse gerenciando um cassino, distribui cartas marcadas. Segundo a sabedoria popular, em qualquer tipo de aposta somente a casa ganha – perde o leitor que se deixa encantar pelo canto da sereia ou pelas trapaças de um narrador pouco confiável.
Raul J.M. Arruda Filho, 53 anos, Doutor em Teoria da Literatura (UFSC, 2008), publicou três livros de poesia (“Um Abraço pra quem Fica”, “Cigarro Apagado no Fundo da Taça” e “Referências”). Leitor de tempo integral, escritor ocasional, segue a proposta por um dos personagens do John Steinbeck: “Devoro histórias como se fossem uvas”.
Todos os direitos autorais reservados ao autor.
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