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Todo carnaval tem seu fim [Ana Paula Veiga.]

Todo carnaval tem seu fim


“Mas é carnaval, não me diga mais quem é você
Amanhã tudo volta ao normal
Deixa a festa acabar, deixa o barco correr, deixa o dia raiar
Que hoje eu sou da maneira que você me quer
O que você pedir eu lhe dou
Seja você quem for, seja o que Deus quiser”


Noite dos Mascarados (Chico Buarque)


A música relata a história de duas pessoas completamente diferentes que "se permitem" durante o carnaval: a maior festa popular brasileira. Uma data muito esperada e que, para muitos, faz com que o ano só comece depois desses quatro dias de folia, tamanha importância cultural. A festa tem origem grega, representada por um verdadeiro bacanal de comilanças, bebedeiras e orgias. Porém, carnaval é uma palavra latina que há muito deixou sua significação para trás: afastou-se dos enredos de cunho artístico e cultural, transformando-se numa apologia ao sexo e aos prazeres desmedidos. Corpos se colocam à vista, há um inconsciente coletivo de que é uma festa da alegria despreocupada. É o tempo de fazer o que quiserem e sairem impunes. E há uma autorização social pra isso, para as pessoas se desinibirem. É ai que os adultos viram crianças em festas sem hora para acabar: crianças grandes que brincam, bebem e se fantasiam.

Aliás, as fantasias ilustram a projeção da personalidade dos foliões como se outras pessoas fossem. Não digo com isso que o cara que se veste de mulher, por exemplo, inconscientemente tem uma vontade sublimada de ser,  digamos, mais feminino no resto do ano. Assim como quem se fantasia de pirata não, necessariamente, quer ser um pirata. Na verdade, ilustra que a pessoa não quer ser ela. Quer brincar sem ter o ônus dos seus conceitos, escolhas ou o peso da sua personalidade.

Talvez por isso, pelo clima de o-que-você-vê-não-vale-pro-resto-do-ano, camisinhas e pílulas do dia seguinte são distribuídas para os carnavalescos, admitindo-se a banalização sexual nessa época do ano. Acredito que todos os métodos contraceptivos deveriam ser distribuidos gratuitamente, assim como deveríamos ter acesso a educação e saúde sexual. Mas só no carnaval que temos o direito (ou o dever) de exercermos a nossa sexualidade. E no resto, devemos deixá-la escondida ou sentir vergonha por continuarmos sendo seres sexuais? Nossa sexualidade não fica guardada numa caixinha para ser usada somente durante quarto dias e fim.

Entendo que o carnaval é o símbolo da transgressão, é a alegria contagiante do povo, quase entorpecente. Todos se misturam sem preconceitos, com a finalidade maior da diversão. Um prazer extravagante, um estado de espírito que supera uma lua cheia (Sim, o carnaval é calculado através da primeira lua cheia da primavera). É uma festa com dia pra começar e hora pra terminar. Diferente da nossa sexualidade, presente sempre e que exatamente por isso deve ser protegida. 

Mas vamos também ter cuidado com o preconceito, atribuindo ao carnaval o que não é real. Vamos aos fatos: o que vem primeiro? O ovo ou a galinha? Não sei. Mesmo que você me diga que há muita promiscuidade no carnaval, preciso te lembrar que isso já acontece todo resto do ano, em diversos lugares. Não é porque o carnaval é conhecido por suas oportunidades que no restante,  as pessoas não se relacionam sexualmente.  Vou além: sei que é uma festa institucionalizada para botar tudo ‘pra fora’. Só que hoje em dia, as coisas já estão sendo colocadas ‘para fora’ em outras épocas. É, a coisa tá preta pro carnaval, que acaba perdendo a originalidade já que tem que ser mais transgressor do que já foi um dia. E está cada vez mais difícil transgredir. 

É preciso questionar o meios de divulgação que fazem desses dias a festa da sexualidade, e do resto do ano, dias cheio de recatos e puritanismos. Sexo pode acontecer todos os dias, mesmo que o carnaval já tenha chegado ao fim. Existem mais de 300 dias e noites para usar as camisinhas que se ganhou. Então, vamos apurar nosso senso crítico e tomar cuidado com os falsos moralismos. E, por favor, sejam conscientes, responsáveis e aproveitem o carnaval!


Ana Paula Veiga. Dedica a atividade profissional às questões da sexualidade. Trabalha em consultório particular no Rio de Janeiro com casais, terapia de grupo e individual, além de realizar orientação psicológica mediada pelo computador. É colunista sobre sexualidade para alguns sites, para o jornal Correio Carioca e tem diversas entrevistas publicadas em revistas e sites especializados. Email para contato: consultoriodepsicologia@gmail.com  Site: http://www.wix.com/ana_paula_veiga/atendimento

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