Do catálogo: Operação Shylock (Philip Roth)
Por Leandro Sarmatz
No próximo dia 19 Philip Roth comemora oitenta anos. Recentemente o escritor declarou que abandonara a literatura. Uma lástima. Ainda que perfeitamente compreensível: com oito décadas pesando nas costas, a pauleira (física, mental, emocional) que é escrever um livro deve mesmo desencorajar até um escritor de cojones como Roth. É da vida. Ele deixa para trás uma obra bastante viva e que ainda tem muito a dizer aos leitores.
É o caso de Operação Shylock, que saiu por aqui em 1994. É um romance cômico, sim, mas também uma reflexão — à americana, sem filosofices e papo arcano — sobre as implicações da existência do Estado de Israel na vida judaica da diáspora. Vale quase tanto quanto um ensaio de Hannah Arendt (uma glória, diga-se), mas tem todo aquele tempero característico do autor de Newark: sátira, sexo, literatura.
Um pilantra fingindo ser o próprio Roth desembarca em Israel para militar em favor de uma causa que, bem, não pode mesmo ser lá muito simpática a muitos judeus: retornar ao antigo solo europeu, abandonando a ideia de um estado judaico. Sim, pense em multidões de sabras desembarcando na terra de seus pais ou avós, em lugares como Lodz, Vilna, Berlim. Como se não houvesse ocorrido a Noite dos Cristais, Hitler, o Holocausto. Ou mesmo antes, abjeções como os pogroms. Um despautério completo, claro, mas que abre toda uma porta para Roth conduzir a narrativa de um modo que somente ele consegue: controle absoluto, sim, mas também muita convulsão.
Roth himself parte então para Israel com o objetivo de desmascarar o seu William Wilson (apud Edgar Allan Poe). Logo resvala numa trama em que toma contato com palestinos, um grupo que se autodenomina “antissemitas anônimos” e o próprio Mossad, o serviço secreto israelense. O que se lê é vintage Roth: muitas vozes, notas apócrifas (verdade ou mentira?), supostas gravações, anedotas. Tudo isso sem que a narrativa deixe de prender o leitor nessa espécie bastante bizarra de thriller político.
De certo modo a doideira que foi Operação Shylock liberou forças criativas dentro de Roth. Pois é ao longo da década de 90 que aparecem alguns de seus romances mais poderosos, como Teatro de Sabbath (a melhor resposta que um autor na maturidade poderia dar a Complexo de Portnoy), Pastoral americana e A marca humana. Romances que têm um ponto de vista brilhante sobre o nosso tempo, sobre a (então) pax americana, nossas ladeiras interiores. Happy Birthday, Mr. Roth.
Fonte:
Leandro Sarmatz é editor da Companhia das Letras e no tempo livre está tentando — sem muito sucesso, diga-se — organizar sua biblioteca. Uma vez por mês ele escreve sobre livros que foram fundamentais para sua trajetória como leitor.
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