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Girafas, guardanapos e um pouco de prosa poética [Elsa Villon]

Girafas, guardanapos e um pouco de prosa poética

Por Elsa Villon

Ele se chama Pedro. Ele se chama Gabriel. Mas foi como Antônio e por meio de sua arte em guardanapos que ficou conhecido. Ou melhor, que seu trabalho foi conhecido (e reconhecido). Autor do tumblr Eu me chamo Antônio, em quase 4 meses já conseguiu muitos admiradores. E claro, admiradoras. A sinceridade e a simplicidade dão o toque para transformar “rabiscos que qualquer imbecil faria” em algo genuíno. A retórica, simples sem ser simplória, só reafirma o conteúdo ilustrado. E a maneira inusitada de aliar tecnologia a tudo a isso já lhe renderam alguns frutos.

Sem odes a seu nome ou imagem, todos os mais de 16 mil likes conquistados com sua página no Facebook – em suposto anonimato, ou antonimato. “Eu nunca brinquei de esconde-esconde com ninguém (nem quando era criança, quanto mais agora). Também não sou o Mister M, não preciso de uma máscara para fazer o que eu faço”, pontuou o artista, atitude essa que demonstra seu real intuito: disseminar seu trabalho, não sua pessoa.

Nascido em N´Djamena, capital do país africano Chade, viveu lá até os 5 anos de idade, quando conheceu o solo tupiniquim. Regressou ao continente ainda jovem, dessa vez para Cabo Verde até voltar ao nosso país tropical. Sem fusca ou violão, é o único irmão de 3 irmãs, duas delas respectivamente na França e Bélgica e com o pai na Suíça. Antônio pode não ser brasileiro de nascença, mas domina perfeitamente um idioma universal – o dos corações partidos.

Confiram abaixo um pouco da vida desse redator publicitário que nos faz crer que essa profissão parece comercial, mas no fundo, também sofre por amor.

- Li em uma outra entrevista, para a Revista Mambembe, dizendo que você é bem tímido. Isso é verdade?

Sim. Mas é uma timidez adaptável. Depois que eu conheço a pessoa, ou a situação, começo a me sentir mais à vontade. Falar em público, apresentar trabalhos, aparecer no famoso “primeiro encontro”, tudo isso, me assusta um pouco. Um susto superável, claro. Mas não é algo que me deixa à vontade. Gosto de observar, ficar quietinho na minha, ouvindo, ouvindo, ouvindo. Minha timidez não é anti- social. É a timidez de quem gosta de observar o mundo, apenas. A timidez de quem precisa criar para se comunicar...

- No caso, essa timidez é uma das causas do anonimato, ou antonimato – como conversamos?

Não. Na verdade o anonimato não é bem um anonimato. É mais uma forma de valorizar o que realmente interessa: o conteúdo. Eu não escondo meu nome. Muitos já sabem quem eu sou, muitos já viram meu rosto. Eu só não mostro minha foto na fanpage porque não há necessidade. Ali é o espaço da minha arte, não o meu espaço. Ali, as pessoas devem gostar do Eu Me Chamo Antônio pelas palavras, pelos guardanapos, nada além disso.

O mais importante para o artista deve ser a sua arte. O artista é simplesmente um meio, uma forma humana que nasceu para dar vida à criação. Se eu sou moreno, alto, bonito, feio, homem, mulher, baixo, gordo, magro, se uso barba, se tenho 3 graus de miopia em cada olho, isso importa? Espero que não. Agora, se o que eu escrevo tem a capacidade de emocionar, de arrancar um sorriso, de fazer uma lágrima escorrer, ou causar qualquer outra reação no receptor da mensagem, isso sim deve importar. A arte precisa criar diálogos, retóricas, interações, intervenções... Senão deixa de ser arte e passa a ser monotonia.

- Você comentou também que pretende “se revelar” em breve? Pode contar algum plano ou qualquer detalhe estraga a surpresa (ou o fim dela)?

Acho que está bom como está, por enquanto.Tudo tem seu tempo para ser revelado ou escondido, para ser lembrado ou esquecido. Sou ansioso, mas não tenho pressa. As coisas estão seguindo um caminho tão bonito do jeito que estão. Não faz sentido colocar atalhos, né? Diariamente tenho recebido mensagens pedindo para que eu poste uma foto minha na página (do Facebook). Outras dizendo que já sabem quem eu sou, que me acharam (oi???). Acho graça. Eu nunca brinquei de esconde-esconde com ninguém (nem quando era criança, quanto mais agora).

Também não sou o Mister M, não preciso de uma máscara para fazer o que eu faço. Tampouco sou um foragido da justiça, pago meus impostos bonitinho. Devo um dinheiro aqui e outro ali ao banco, como todo sujeito que respira nos tempos modernos. O problema é que muita gente não entende que, ali, eu só valorizo o que deve ser valorizado: o conteúdo, não a embalagem. Mas, respondendo à sua pergunta mais objetivamente, estou em contato com 2 amigas para fazer uma gravação bem bonita sobre o projeto Eu Me Chamo Antônio.

Agora, se eu vou ou não aparecer neste vídeo, isso será decidido durante a construção do roteiro. (O que posso dizer é que estou correndo diariamente para tentar ficar elegante caso apareça no vídeo. Tá difícil, viu?).

- Acompanhando seu tumblr, vi que suas publicações começaram em outubro. Os guardanapos começaram nessa época ou foi antes e só então decidiu publicá-los?

Eu sempre rabisquei em tudo o que via, em tudo o que eu tinha em mãos, em tudo o que cabia no bolso: cadernos velhos, contas vencidas, envelopes abertos... Mas foi em outubro que eu tive o “estalo”. As frases sempre existiram. Todo mundo tem um mundo de frases mudas que esperam uma oportunidade de serem ouvidas, escritas. Eu tenho um monte delas em incontáveis cadernos espalhados pelo meu quarto, na memória do meu celular... Nós somos os deuses dos nossos ideais, das nossas ideias. A diferença é que algumas pessoas as exteriorizam (essas, chamadas de artistas) e outras as silenciam. Mas foi só no finalzinho do ano passado que eu comecei a exteriorizar essas palavras especificamente em guardanapos.

O guardanapo é o palco da minha poesia, é a plataforma que encontrei para me esvaziar. Uma plataforma carismática, democrática. Todo mundo pode pegar uma caneta preta e escrever em um guardanapo branco. Todo mundo pode se chamar Antônio. Eu não inventei a caneta preta. Eu não inventei o guardanapo branco. Eu não inventei os filtros da fotografia digital. O que eu inventei foi a forma delicada de juntar tudo isso em um mundo único, meu.

- Houve um grande “estalo” para começar a produzi-los ou era algo involuntário que acabou ganhando maior dimensão?

Estalo é uma palavra que eu gosto. Quem cria não tem início, meio e fim. Tem justamente estalo, continuação e infinitos recomeços. O processo criativo é um eterno recomeçar, com muita tentativa, muito erro e, claro, alguns poucos acertos que fazem tudo valer à pena. Eu comecei a postar conforme ia criando e outras pessoas foram gostando, curtindo, compartilhando. Sinceramente, eu nunca pensei que fosse ganhar essa dimensão.

- Você nasceu escritor e só desenvolveu ou era aquela criança que não gostava muito de poesia, de ler, se alinhava mais no desenho e acabou casando as duas artes depois de grande?

Eu não me considero escritor. Sou um cara que se esvazia colocando frases curtas em pequenos guardanapos cheios de sentimentos. A grandeza de toda obra está na interpretação de quem admira, contempla. A arte por si só não é nada, não vale nada. Mas a vida do leitor, a vida do ouvinte, a vida do
receptor deste diálogo poético é que dá vida à obra.

Poesia? Hmmm... Acho que nunca gostei de poesia, poesia. Sabe? Versos metrificados, rimas estudadas,
sílabas matematicamente contabilizadas, palavras rebuscadas que quase ninguém entende. Quando começam a encher de técnica e teoria, a poesia deixa de ser poesia e passa a ser texto acadêmico. Isso sempre me incomodou. A palavra precisa ser simples, acessível (Sim, dá pra ser simples e denso!). Ler com o dicionário do lado, não é leitura, é trabalho. A poesia precisa ser igual à novela: entrar na vida das pessoas depois de um dia cansativo; ela não pode te cansar mais do que a rotina. Por isso tem tanta gente fugindo da poesia...

Sobre meus rabiscos: quem vê pode pensar “qualquer imbecil poderia fazer esses traços”. É verdade! Mas eu gosto de rabiscar essa minha imbecilidade. Ela é minha. Uma das poucas coisas realmente nossas são a inteligência e a imbecilidade. Eu nunca me esqueço o conselho de um amigo, que quando me encontra sempre diz: “Preserve sempre um pouquinho de ignorância”. Acho que a ignorância do meu desenho e a simplicidade da minha palavra dialogam muito bem juntos.

- Por que o nome “Antônio”?

Antônio é meu nome. Aliás, uma parte do meu nome. Não tem nenhum mistério, trocadilho, duplo sentido, segundas intenções... Muito menos consultei os astros ou um numerologista. Eu me chamo Antônio. Poderia me chamar Pedro. Poderia me chamar Gabriel. Mas escolhi me chamar Antônio. Eu me chamo Antônio.

- Circulam trechos desprovidos de guardanapos e ilustrações e reza a lenda, são um romance em andamento. Confere?

Sim. Não está mais adiantado porque não tenho tido muito tempo. A escrita é uma terapia, uma fuga letrada. Eu tenho meu trabalho normal, das 9h às 18h. Mas tenho muita coisa pronta na minha cabeça. Uma história bonita (não necessariamente feliz). Que eu gosto de pensar enquanto caminho aos sábados pelo meu bairro ouvindo o solo de Stairway to Heaven, Cartola, Chuck Berry e rap. Gosto muito de rap. Todo poeta deveria ouvir rap, sem preconceito. Facilita na rima, no ritmo, no encaixe das palavras.

- E se fosse um roteiro, definiria a obra em qual momento: introdução, climax ou desfecho?

O romance se chama “O romance inacabado”. O “momento” dele será sempre o ápice antes da conclusão. O fim assusta. Eu não gosto de acabar as coisas. Tudo em mim tem um pouco de inacabado, de inconcluso. Preserve sempre um pouco de inacabado em tudo o que você faz. O inacabado é a forma mais poética e sincera de eternizar um amor, uma obra, um momento, qualquer coisa que faça sentido pra você.

- Com o sucesso dos guardanapos, acha que há uma atenção especial por conta de editoras para quem sabe, publicar e socializar sua obra?

Meu sonho sempre foi ter um livro impresso com uma capa bem bonita e páginas cor marfim. Mas também tenho consciência de que isso é um sonho e que existem tantas realidades a serem vividas antes de viver o sonho. Por agora, vou vivendo um guardanapo de cada vez. E temos que entender a nova necessidade do leitor. Os leitores estão trocando as folhas pelas telas. Me dá uma dorzinha no coração pensar nisso, confesso. Até que ponto essa necessidade é criada pelas empresas ou pelo desejo real do leitor não é um debate que cabe nesta entrevista, mas o fato é que quem quiser sobreviver ou se destacar nesse meio tem que entender que tudo está mudando. Estamos vivenciando a mudança, nós somos a mudança. É bem possível que ainda nesse primeiro semestre, tenha uma linda surpresa, uma surpresa tecnologicamente bonita. Mas eu não crio mais expectativas, não me iludo mais.

Escrevi outro dia no guardanapo que meu mantra para 2013 é “Não me iludo, não me iluda”. É bem isso: vou vivendo sem ilusão as consequências dos meus dias, as incompreensões dos meus amores... Tem me feito mais feliz. Tenho dormido melhor, acordado mais leve. Amadureci muito depois de ver o quanto a gente se prende em algumas infantilidades, caprichos, carências totalmente inúteis. Não há necessidade. Temos articulações para andar sem depender de ninguém. Somos articulados para nos comunicar com o mundo sem precisar da voz de outra pessoa, né?

- Você atualmente trabalha com redação publicitária. Essa é sua formação ou faz parte dessas pessoas sagazes que conseguem ter sacadas boas sem o chamado “ensino formal direcionado”?

Na verdade sou formado em Propaganda, mas não trabalho especificamente em agência. Assim que sai da faculdade, me formei pela ESPM/RJ, meu sonho era criar títulos para as Havaianas e trabalhar nas maiores agências do país. Acabei pegando outro rumo. A faculdade me deu grandes amigos, uma ótima base e muita, muita, muita referência. Mas a "sagacidade", a "sacada", em outras palavras, o raciocínio criativo é o resultado de muita leitura, tentativa e erro; enfim: muita prática! É preciso praticar incansavelmente até o cérebro se conscientizar naturalmente que o inconsciente precisa entrar em ação.

- Você se sente um frasista, como aqueles do início da publicidade?

Olavo Bilac e tantos outros poetas tiveram sua veia criativa voltada para a publicidade na época. Acho que, de certa forma, sim. Meus guardanapos podem ser títulos, manchetes de ideias que podem ser desenvolvidas em textos maiores um dia. O que eu faço não deixa de ser publicidade. Cada guardanapo é um layout de uma ideia, que "vende" a delicadeza, a simplicidade do cotidiano. A minha sorte é que eu sou o meu cliente: não preciso pedir pra aumentar o logo, diminuir o título, trocar a imagem. O meu azar é que eu sou o meu cliente: faço tudo de graça (risos).

- Você não nasceu nesse continente, certo? Pode contar um pouco disso? Se tem irmãos, um pouco da infância.

Tenho 3 irmãs. Nasci em N´Djamena, capital do Chade, na África. Morei até meus 5 anos. Depois, fiquei 1 ano aqui no Brasil. E voltei para a África, em Cabo Verde, onde morei até meus 12 anos – quando regressei ao Brasil. Hoje, tenho uma irmã em Paris, uma outra na Bélgica e meu pai, que mora na Suíça. Estou acostumado com distância, saudade. Isso talvez se reflete de alguma forma nos meus textos. Não tem como fugir do que fomos e somos feitos, né? Somos sempre a soma de tudo o que já vivenciamos.

Isso enriquece inconscientemente as nossas ideias, o nosso banco de referências. Quando sento para começar a escrever, um mundo se abre; e esse mundo nada mais é do que uma mistura de todos os mundos que eu já presenciei. Tenho certeza que nas minhas palavras tem um pouco da solidão do deserto do Chade, um tiquinho da saudade sonora das ilhas de Cabo Verde, um bocado da criatividade do Brasil e uma dose da neutralidade Suíça.

- Depois de um tempo, por que sentiu necessidade de inserir fotos e imagens, além dos guardanapos?

Aconteceu naturalmente. Sempre tento procurar um pano, uma fotografia, um livro antigo para servir de fundo para a frase no guardanapo. É uma tentativa de surpreender, oferecer algo inédito. Acho que você precisa sempre testar coisas novas. Sem perder a essência, claro. Mesmo quando tudo parece estar diferente do que você se propôs a fazer no começo, quando há sinceridade, você consegue sempre enxergar alguma semelhança em toda sua obra. Voltando ao assunto da propaganda: uma das primeiras
coisas que se aprende na faculdade é ter conceito. Pra mim, conceito é seguir sinceramente uma ideia que parece ser a certa. E é o que estou fazendo: estou seguindo o que eu acredito ser algo que faça sentido e que tenha sentimento verdadeiro.

Confira abaixo um pingue-pongue com guardanapos exclusivos feitos para o Pastilhas Coloridas:

O silêncio...


 A distância...


 Os amores impossíveis...


 A escrita...


 A tristeza...


 A infância...


 O cotidiano...


 A arte...


 Um nó no peito...


 2013...


Fonte:
http://www.pastilhascoloridas.com/2013/01/girafas-guardanapos-e-um-pouco-de-prosa.html#more

Elsa Villon é colaboradora do Pastilhas Coloridas, jornalista e fotógrafa viciada em café, cinéfila, adora Beatles e cheiro de pão saindo do forno. Twitter: @elsavillon

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