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A vida como ela é nas redes sociais [Fabiana Moraes]

Colagem por Janio Santos
A vida como ela é nas redes sociais

por Fabiana Moraes 


Duas mil, oitocentas e quinze curtidas em uma foto, no aplicativo Instagram, que mostra as coxas meio magrinhas da atriz Morena tomando sol deitada na areia da praia. A legenda é quase franciscana: “boa tarde”. Abaixo, os comentários: “que feiooo heim?? Nem vou perder meu tempo vendo essa minissérie... se queimou muito. Deus tudo vê!!”. Depois: “Kkkkkkkkk, que povo sem o que fazer. Tá linda, arrasa!” Entre as 1.364 manifestações de texto virtuais (até as 9h da manhã do dia 22/10), há aquelas extremamente virulentas (“você é muito periguete! destruidora de lares” e, “argh, vagabunda!”), enquanto outras são autênticos exemplares da organização Tradição, Família e Propriedade (TFP): “O Papa esteve recentemente no Brasil e valorizou o casamento”. Ainda vemos mensagens de alguma feliz compleição política em meio ao mar de comentários que julgam como “errada” a jovem que estaria namorando um ator recentemente separado (“Mas que bando de mulher machista, hein?”).

Corta para outra imagem, também no Instagram, agora exibida no perfil de outra atriz, a Loura, cujo casamento era anunciado como acabado após ele, o Homem, enamorar-se daquela que mostrava-se relaxando na praia. Na última postagem da que foi “deixada”, uma ilustração significativa: uma mulher tristonha com um grande coração ao centro do peito. Ao redor dela, lemos: “forte como aço meu abraço porque sou toda coração e pulso.” Como a Morena, ela optou por outra legenda quase franciscana (não fosse a exclamação) : “boa noite!”. Foram 9.597 curtidas e comentários, em sua maioria não-destrutivos: “Fique bem”, “força”, “estou orando por você” (TFP), “tenha paciência e fé em Deus que tudo vai acontecer conforme as leis de Deus, você fez sua parte, boa esposa, mãe, profissional” (TFP). Mas a ela também foi dirigida uma boa carga de veneno virtual. Um dos melhores exemplos – inclusive na categoria “pessoa não tinha muito o que fazer” é este: “Achei uma atitude muito babaca da sua parte apagar as fotos com seu EX marido do Instagram! Não se apaga o passado! Essa atitude foi baixa (…)”. A mesma pessoa segue comentando: “E aprenda que filho não segura marido! Seu “casamento” com o XXX já estava falido quando você apareceu grávida.”

Enquanto observamos uma multidão discutindo e trocando ofensas publicamente – formada, em sua maioria, por pessoas que nunca falaram face a face umas com as outras –, somos informados por prestigiado site de notícias que “Morena é vizinha de condomínio de Loura e Homem”. Mais comentários. Mais exemplos de indivíduos-já-não-tão-anônimos que conhecem o cotidiano dos habituais moradores de nossas televisões e computadores.

Há aqui, percebam, algo de novo nessa relação clássica no mundo contemporâneo, o famoso e o fã (ou detrator): ambos avançaram uma casa no jogo sempre difícil do aparecer. O primeiro, ao passar a gerenciar ele mesmo (através das redes sociais) uma imagem que já é dotada de alta visibilidade, tornou-se, talvez desavisadamente, mais vulnerável. Suas intimidades não encontram mais apenas a tranquilidade exibida nos semanários de celebridades, quando surgem sorridentes ao lado da família e segurando um copo de suco de laranja. Os comentários agressivos que acompanham as imagens postadas em suas páginas pessoais são exemplos mais latentes disso. É claro que vários destes perfis também já passaram a ser controlados por assessores e empresas, algo que, por um lado, impede maiores exposições e desastres de imagem enquanto, por outro, torna o famoso menos autônomo de sua própria vida. Afinal, ele também não tem direito de postar a foto de seu prato de espaguete?

Já os indivíduos-já-não-tão-anônimos recebem esse título singular por mostrarem-se, através de manifestações negativas ou positivas, nesse ambiente de maior visibilidade criado pelo famoso para ser, antes de tudo, algo de teor pessoal (íntimo, nunca). Desconhecidos tornam-se relativamente conhecidos ao compartilhar, assim, a atenção que outros primeiramente dispensam ao altamente visível, à celebridade, ao artista. O espaço do aparecer torna-se em ambiente de batalha – e vale pensar que essa batalha também tem relação com a própria noção de Ser, em um momento no qual ser visto em escalas cada vez maiores e mais amplas, equivale, para muitos, a estar mais vivo. 

JÁ-NÃO-TÃO-FAMOSOS 

Mas nem tudo se resume, é claro, ao nosso olhar sobre o “outro”: é preciso pensar que estes Já-Não-Tão-Famosos também são, repare, nós mesmos. Tal classificação encontra base no nosso dia a dia, parte dele exposto nos computadores, celulares e tablets de alguém. Como as atrizes Morena e Loura, exibimos as imagens de nossas férias, amores, caminho do trabalho, corrida no parque, farras, mesas de bares, #almocinhodeliciacomasamigas. Não há nada de errado com isso – nossos avós e pais possivelmente já infernizaram ou deliciaram as visitas presentes no sofá com álbuns de casamentos, aniversários, férias. Se é de ferro e fogo que é feito nosso cotidiano, porque não exibir o seu lado mais doce? Aquele dia no qual a família ou os amigos estiveram todos reunidos, algo tão difícil de acontecer. O primeiro aniversário do filho, do sobrinho, os 60 anos do pai, a merecida cerveja após dias e dias de árduo trabalho. A questão é que agora – e talvez aí é que resida o problema – esse álbum saiu da intimidade do sofá para ganhar a rua, e “rua” talvez seja o melhor sinônimo de internet.

Uma vez ali, nossa vida vai sendo narrada por um número de pessoas que pretensamente nós imaginamos controlar, mas não é bem assim. Peço licença para falar em primeira pessoa e contar experiência própria. Feliz com a casa que tenho prazer em cuidar, fotografei a sala e contei como não desejava um espaço muito colorido há dois anos, quando nela cheguei. A imagem mostrava algo completamente diferente: um sofá azul, um móvel vermelho, um estandarte repleto de lantejoulas. A foto foi compartilhada no meu Instagram, que é conectado ao Facebook e ao Twitter. Nas três redes, constam pessoas que eu “aceitei” e que me “aceitaram”. Dias depois, alguém com quem convivo mas de quem não sou “amiga” de rede social, se aproxima e pergunta:

“Aquela casa é sua?” “Que casa?” “Eu vi uma foto que você postou de uma sala colorida, alguém do meu Facebook curtiu e aí apareceu para mim.” Fiquei meio sem reação, e, engraçado, me senti exposta. Não tinha pensado que alguém além das minhas mil e tantas amizades (amizades de verdade, amizades virtuais) fosse entrar na intimidade do meu sofá azul. É claro que foi um pensamento ingênuo, para ser elegante comigo mesma: a partir do momento em que decidimos entrar em qualquer rede social, assinamos um contrato com o impensável, com aquilo o que parece só acontecer com os outros (lembro de um comentário quase aleatório a respeito de uma rede de TV realizado por um amigo meu. Jogou no Facebook e foi cuidar da vida. Quando voltou, viu que sua fala havia sido compartilhada milhares de vezes).

Outra particularidade deste ambiente totalmente aberto e apenas imaginariamente fechado em “círculos” é que, ao nos lançarmos ao olhar do outro, muitas vezes usamos como apoio justamente as imagens controladas e tecnicizadas das celebridades: buscamos o sorriso perfeito, a pose perfeita, o ambiente perfeito. É um comportamento que faz parte da pedagogia do nosso cotidiano, em que (somos diariamente informados) precisamos ser como as pessoas que posam como incríveis enquanto corremos para terminar um trabalho – ou arranjar um –, enquanto percebemos que não vamos conseguir chegar na reunião de pais, terminamos um namoro, estamos de ressaca, quando vamos tomar um banho no mar (e não fazemos parte do “projeto barriga sarada”). Há, obviamente, a plateia que também nos julga da mesma maneira como julga as celebridades.

É justamente aí que voltamos ao Instagram das atrizes. No dia 24, quando este texto foi finalizado, uma nova incursão no perfil de ambas mostrava que a Morena contava com 21.463 curtidas e 2.798 comentários em sua fotozinha do relax na praia, enquanto o perfil da Loura mostrava 10.308 curtidas e 648 comentários, respectivamente, na foto da ilustração. Xingamentos e declarações de amor continuavam a ser enviados – outros, mostrando imensa intimidade com o capitalismo selvagem, aproveitavam o bafafá público para vender produtos infantis através de seus perfis (a exemplo da @LojaMissBaby).

Nenhuma das duas atrizes se manifestou a respeito da briga. Ainda assim, as informações sobre a vida privada do trio eram várias, com análises sobre o passado de cada um, atos recentes, aparições, atuações. Ambas permaneciam em silêncio enquanto suas intimidades eram debatidas por milhares de desconhecidos, um fenômeno que de certa maneira aproxima a todos, famosos e já-não-tão-anônimos.

Naquela arena/mesa de bar, era claro: os últimos experimentavam um pouco da atenção dispensada antes de tudo para os primeiros, enquanto estes, ao terem a vida escrutinada, ao serem depredados, beijados e criticados, experimentam – de maneira escancarada e sem produção da revista Caras– um pouco do cotidiano ordinário dos últimos. Circular dos ambientes de alta visibilidade, de fato, transforma alguns em donos de um poderoso capital social. Mas, ao compartilharmos todos o mediano, que no final caracteriza as redes sociais, nos tornamos, de alguma maneira, todos na mesma carne – que ri, apanha, que sofre e que goza. 

Fabiana Moraes
Jornalista que às vezes fotografa o almoço e põe na internet.

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