– Acabei de ouvir. Cara, tô chocado! – diz o Afonso
para os amigos assim que se aproximou da rodinha, manifestando seu espanto
antes mesmo de puxar a cadeira para se sentar – É verdade o que estão dizendo
por ai?
– Parece que sim! Eu também não tinha acreditado, mas
ele mesmo me contou – confirma o Paulão.
– Jura? Incrível! Quem diria... O último solteiro da
turma casando.
– E não é qualquer solteiro – acrescenta o Paulão –
Estamos falando do Tigrão, uma lenda viva no bairro, o lobo solitário que
aterrorizou gerações de pais, namorados, maridos e irmãos...
– É mesmo... – concorda o Afonso – O guerreiro da
night, o samurai das baladas!
– Ele, justo ele, que teve todas as mulheres que
quis... loiras, morenas, casadas, solteiras... Vocês têm noção? Não tem mulher
no bairro que ele não tenha lambiscado!
Silêncio... constrangimento...
– Menos as nossas, claro! – Tentando corrigir a
afirmação.
– Claro! As nossas não! – afiançam, sem muita
convicção, os amigos – Mas as outras... passou a régua!
– Pois é, mas agora... casando!
– Quem diria...
– E quem é a eleita?
– Não sei. Nem desconfio.
– Ninguém sabe! Parece que foi amor à primeira vista,
algo fulminante!
– Aposto que é uma deusa!
– Só pode ser...
– Ele disse que ia trazê-la aqui hoje para nos
apresentar.
– Não é ele vindo ali?
– É sim, e tem alguém com ele.
– Deve ser ela. Disfarça... Disfarça!
...
Bem que eles tentaram, mas nem todo o talento artístico
do mundo seria suficiente para disfarçar a perplexidade que se instalou na mesa
assim que o Tigrão se aproximou. Mãozinhas dadas com a noiva, dedos
romanticamente entrelaçados, todos ficaram boquiabertos com o que viram. A musa
do boêmio mais experiente do boteco, o solteiro mais convicto do bairro, o
baladeiro mais festejado da noite, era simplesmente... Como dizer? Sem-graça!
Não, mais que isso, era feinha mesmo!
O Tigrão estava tão embevecido com a sua companhia que
aparentemente nem notou a perplexidade da turma. E se notou, não tomou
conhecimento. Até porque estava muito entretido com os permanentes cuidados que
tinha em relação à sua escolhida. Não contente em se adiantar e puxar a cadeira
para que ela se sentasse, varreu o assento com a ponta dos dedos para se
certificar de que estaria suficientemente limpo para acolher as nádegas de sua
futura esposa. A verdade é que o Tigrão estava visivelmente orgulhoso da sua
conquista, tanto assim que ostentava o anel de compromisso como a maior das
honrarias. O brilho era garantido com as baforadas que dava sobre ele de tempos
em tempos, para em seguida lustrá-lo na manga da camisa. Isso tudo às vistas da
turma boquiaberta. Pudera! Ele, que sempre fora o representante-mor do clube
dos machões, agora aparentava total submissão àquele espécime feminino tão sem
sal. Era uma cena insólita vê-lo admirando-a como se fosse uma orquídea rara
recém-descoberta. Tratava-a como joia valiosa que temia perder. Assim,
procurava interpretar cada gesto dela que lhe permitisse antecipar-se a algum
desejo ou vontade não revelada. “Quer beber alguma coisa, amorzinho?”, “Quer
que eu peça para baixarem o som?”, “Não está muito frio? Quer que eu mande
fechar aquela janela?”
Evidentemente na primeira oportunidade de ficarem a sós
com o outrora destruidor de corações, que aconteceu quando ela foi ao toalete,
a turma não se conteve e praticamente o sabatinou quanto ao que parecia ser um
total desatino. Queriam que ele explicasse o que já decretaram como
inexplicável.
– Tigrão, abre o jogo! Ela está grávida...
– ...de gêmeos! – completou quem estava ao seu lado – É
isso?
– Não, na verdade nós nem transamos ainda.
Embaraço total! O Tigrão numa relação semiplatônica.
– Uhm... Já sei! – tenta o Nonô – os irmãos dela são do
comando vermelho e intimaram você... Casa com ela ou vai parar no microondas?
– Não, não... Os irmãos dela não são de briga. Pra
falar a verdade, acho até que eles não são muito chegados!
Torpor coletivo! Todos meditando... De repente, um
estalo!
– Já sei, diz aí, espertinho, confessa pra nós! O pai
dela é abonado...
estupidamente rico, milionário! O dote dela dá pra pagar
rodadas no boteco até o final dos seus dias. É isso, não é?
– Olha, na verdade o pai dela é funcionário público! Eu
até tive de emprestar uma grana pra ele dia desses...
...
– Tigrão, por que raios então você concordou em casar
com ela?
– Concordei, não! Eu que pedi! Ela ainda não respondeu,
disse que vai pensar!
...
– Desistimos, Tigrão! Afinal de contas, o que você viu
nela?
– Como, o que eu vi? Vocês não perceberam? Não viram? –
Seus olhos brilhavam de emoção enquanto falava.
– Não vimos o quê, Tigrão?
– Pô! Esperem até vê-la sorrir, pessoal...
– Ãh? Sorriso? Ela mal abriu a boca a noite toda!
– Isso mesmo! Justamente... é preciso estar atento. O
sorriso é discreto, quase uma hipótese. Enigmático, misterioso, intrigante!
Parece um quadro!
– E deixou escapar um suspiro de admiração – É
simplesmente... perfeito!
– Monalisa! – sussurrou o Afonso.
– Hein? – cochichou de volta o Nonô.
– Mo-na-li-sa! O quadro... Da Vinci... – disse com os
olhos brilhando admiração.
Depois que o casal se foi a conversa não podia ser
outra...
– Nunca achei nada demais naquele quadro!
– Fala sério, depois de tudo o que ele já viveu, depois
de todas as mulheres que já teve, de toda a experiência adquirida, ele se
apaixonou por um sorriso?!
– Pois é... Pois é... – suspiram – é o preço da
evolução! Ele atingiu... O “estado da arte”!
Jean Marcel-
Escritor, professor universitário, palestrante. É pai de dois
adolescentes. Um leitor voraz. Eclético, escreve contos, crônicas,
romances e infanto-juvenil. Possui o blog brisaliteraria.com
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