Marketing ainda é uma palavra maldita na literatura
nacional
Músicos profissionais divulgam seus concertos. Atores,
famosos ou não, não perdem uma oportunidade de falar sobre seus filmes e peças
de teatro. Diga que um escritor deveria se esforçar mais para divulgar seu
trabalho, porém, e as reações serão imprevisíveis. Alguns reconhecerão que a
sugestão é óbvia. Outros reagirão com impaciência e cinismo: buscar novos
leitores é um trabalho menor diante de sua nobre missão literária. E muitos
responderão com indignação. Como se você estivesse sugerindo que eles vendessem
urânio enriquecido, armas contrabandeadas ou crianças órfãs – e não seus
próprios livros.
O mercado editorial brasileiro amadureceu muito na
última década, mas marketing ainda é uma palavra maldita para muitos autores.
Percebi isso ao ler algumas reações à coluna da semana passada, sobre a
importância que novos escritores deveriam dar à divulgação de seus livros. O
texto de hoje é uma tentativa de explicar os motivos para essa resistência.
Há quem pense que divulgar livros é um dever apenas dos
autores de gêneros literários supostamente menores. Se você é escritor de
livros infanto-juvenis, romances policiais ou literatura fantástica, deve
correr para os braços do público. Do contrário, não há mal nenhum em ignorá-lo.
É uma postura preconceituosa e pessimista, que só faz mal à literatura. Como
ter certeza de que não há jovens leitores de ficção "adulta" na
internet, prontos para descobrir novos talentos do gênero? Ao desistir de
divulgar seus livros para essa audiência, muitos escritores talentosos perdem
leitores e relevância. Arriscar pode valer a pena. A gaúcha Leticia
Wierzchowski, de A casa das sete mulheres, apostou em vídeos e em textos
inéditos para divulgar seu romance Sal no Facebook. Conquistou fãs jovens que
nunca tinham ouvido falar de seus livros anteriores. No ano passado, a
americana Jennifer Egan, vencedora do prêmio Pulitzer, fez sucesso no Twitter
ao publicar um conto inédito em pedaços de 140 caracteres. Depois disso, ficou
difícil sustentar a tese de que não há espaço para a alta literatura na
internet. Pouquíssimos escritores brasileiros contemporâneos escrevem tão bem
quanto Jennifer Egan, mas a maioria ainda não leva a sério as redes sociais.
Outro lugar-comum é acreditar que cabe à editora
despertar a atenção dos leitores. Ao escritor restaria o trabalho de escrever
sem ser incomodado. A divisão de tarefas é aparentemente razoável, mas há uma
falha. É muito mais fácil divulgar um livro quando o autor se dispõe a
colaborar com a editora. Os casos de Leticia Wierzchowski e Jennifer Egan
mostram que, com boa vontade e criatividade, é possível ir muito além da
participação protocolar em noites de autógrafos e eventos literários. Entre
duas obras de qualidade semelhante, aquela cujo autor desdenha do marketing
estará em desvantagem. Entre dois autores estreantes, isso pode fazer a
diferença entre ser ou não ser publicado.
É raro, mas ainda é possível entrar no mercado
editorial e até ganhar dinheiro com a literatura sem fazer força para atingir o
grande público. Há bons escritores que vencem concursos, ganham convites para
participar de eventos e dão aulas em oficinas de escrita apesar de vender
pouco. O mérito literário e o sucesso comercial não podem ser confundidos, mas
um tampouco exclui o outro. É difícil justificar a atitude daqueles que nem
mesmo tentam cativar o público e formar mais leitores, como se a leitura por
não-iniciados diminuísse sua obra. Os escritores brasileiros deveriam perder a
vergonha de fazer sucesso. Num país em que as pessoas dedicam em média apenas
seis minutos por dia aos livros, cada exemplar vendido merece ser comemorado.
Uma variante mais radical do escritor que não faz
questão de vender é aquele que sequer se esforça para ser publicado. Em vez
disso, conforta-se com a ilusão da fama póstuma. A história da literatura
alimenta essa esperança. Emily Dickinson, Franz Kafka e Henry David Thoreau
eram praticamente desconhecidos em vida. Hoje, são autores consagrados. Apostar
nesse destino, porém, é desafiar as estatísticas. Para cada gênio descoberto
após a morte, há milhões de escritores anônimos que permanecem anônimos para toda
a eternidade. É extremamente improvável que você seja o próximo Kafka. Na
dúvida, é melhor tentar ser lido em vida.
Danilo
Venticinque -Editor de livros de ÉPOCA
Conta com a
revolução dos e-books para economizar espaço na estante e colocar as leituras
em dia. Escreve às terças-feiras sobre os poucos lançamentos que consegue ler,
entre os muitos que compra por impulso
Twitter:
@daniloxxv
Assinar:
Postar comentários
(
Atom
)
Nenhum comentário
Postar um comentário