Faça o teste do "e daí?"
Nosso dia a dia foi tomado por leituras inúteis. Há um
método simples para evitá-las
Já disse isso aqui algumas vezes, mas não custa
repetir: lemos muito menos livros do que poderíamos porque desperdiçamos uma
enorme quantidade de tempo lendo bobagens na internet. Deixar de gastar tempo
com textos inúteis é maneira mais eficiente de abrir espaço para os úteis.
Nosso tempo de leitura é limitado. Meia hora dedicada a acompanhar a vida
amorosa de Cristiano Ronaldo é meia hora a menos de A montanha mágica, A Guerra
dos tronos ou até mesmo O diário de um banana. Troco as fofocas do cotidiano
por qualquer um dos três.
O desinteresse por fofocas não é suficiente para
garantir que fugiremos das leituras inúteis. O pior tipo de bobagem é a bobagem
supostamente relevante. Você começa a ler achando que vai se informar e, quando
percebe, já perdeu uma hora de seu tempo sem aprender nada.
Um exemplo recente de inutilidade disfarçada de relevância
foi a ampla, exaustiva cobertura que todos os portais fizeram das Marchas da
Família no último fim de semana. Um amigo meu acompanhou dezenas de notícias a
respeito. Li uma ou outra, até me dar conta do óbvio: havia mais notícias a
respeito das marchas do que manifestantes nas ruas. O protesto caiu no vazio.
Quinhentos gatos pingados não derrubam uma democracia. O número é irrisório do
ponto de vista noticioso. Procurando bem, num país com 200 milhões de
habitantes, é possível encontrar quinhentos simpatizantes para qualquer causa
¬– da extinção voluntária da humanidade à contratação de Carlinhos Brown para
compor um novo hino nacional.
Apenas o noticiário impediu que a manifestação fosse
esquecida imediatamente. Se o protesto foi um desperdício de tempo para os
próprios manifestantes, por que desperdiçar o tempo do leitor?
Nas faculdades de jornalismo (elas ainda existem), os
alunos aprendem que uma notícia deve responder a seis perguntas: o que, quem,
como, onde, quando e por que. A elas, alguns professores mais rigorosos
acrescentavam uma sétima: e daí? O que aquela notícia traz de relevante para a
vida de quem lê? Era impressionante a quantidade de sugestões de reportagens
que desmoronavam quando submetidas a esse teste.
São raríssimos os sites de notícias e blogs que aplicam
essa lição. Isso para não falar na imensidão de bobagens que tomam as redes sociais.
Publicamos primeiro e pensamos depois. Pior: lemos tudo indiscriminadamente sem
fazer a pergunta fundamental: e daí?
Antes a tarefa de perguntar "e daí" era de
quem publicava algo. Isso mudou. Diante de uma infinidade de textos que não
trazem absolutamente nenhuma consequência para quem lê, cabe ao leitor a tarefa
de filtrá-los.
Experimente aplicar o teste do "e daí?" às
suas leituras digitais. Observe como a maioria delas fracassa vergonhosamente.
Meia dúzia de manifestantes querem a volta da ditadura. E daí? A vice Miss
Bumbum perdeu as chaves do carro em Ipanema. E daí? O primo de um amigo comprou
um filhote de gato. E daí?
Quanto mais rigorosos forem seus filtros, mais tempo
sobrará para ler o que importa. São horas de leitura que você pode ganhar sem
perder quase nada. No máximo, você se sentirá um pouco desinformado. Talvez
você não fique por dentro dos delírios autoritários de meia dúzia de pessoas.
Talvez a vice Miss Bumbum passe na sua frente e você não a reconheça. Talvez -
horror dos horrores - o Cristiano Ronaldo se case amanhã e você não veja sequer
uma foto. Tudo bem. E daí?
Danilo
Venticinque -Editor de livros de ÉPOCA
Conta com a
revolução dos e-books para economizar espaço na estante e colocar as leituras
em dia. Escreve às terças-feiras sobre os poucos lançamentos que consegue ler,
entre os muitos que compra por impulso
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@daniloxxv
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Um comentário
Excelente texto, Danilo, excelente!
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