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Benjamin, o cara que falava da internet antes mesmo
dela existir. |
Literatura viral: a poesia brasileira nas redes sociais
Artigo publicado no site HomoLiteratus
por Lucas Reis Gonçalves
“Hoje todo mundo é poeta”, costuma dizer um amigo meu
quando mostro pra ele o último poema que, até então, escrevi. E eu sempre
concordo e completo: hoje todo mundo é poeta; todo mundo é crítico; todo mundo
é fotógrafo; todo mundo é jornalista; todo mundo é tudo o tempo todo em todo o
mundo. E tudo isso aos olhos de todo mundo, ou quase.
Não é novidade – nem pra mim, nem pro meu amigo, nem
pro Benjamin, nem pra ninguém – que nós sofremos um processo de democratização
cultural surpreendentemente complexo e, ao mesmo tempo, superficial. Nesse
mundo cibernético onde a gente vive e do qual muitos já somos dependentes, as
informações se (des)organizam em combinações interessantíssimas: num minuto
estou lendo os 10 Melhores Poemas de Carlos Drummond de Andrade e, no seguinte,
vendo a foto – em novo ângulo – da minha prima e as amigas dela no banheiro da
festa Tal, que custou Tanto, com o DJ Tal. E essa é a democracia tão curiosa da
rede social. É nessa nuvem virtual que eu, tu, o teu vizinho, a tua mulher, a
tua sogra, o teu chefe, o papa e até os diferentes deuses dos diferentes povos
podem se manifestar. E o mais intrigante: todos têm o seu público. Inclusive o
cara que diz que não quer ter público acaba tendo o público que fecha com o
cara que diz que não quer ter público. É assim: quem sai na chuva dessa nuvem
virtual, é para se molhar – e de verdade.
Guardanapo da página do facebook Eu me chamo Antônio.
A bola da vez são os meios. As nossas redes de
comunicação antes eram baseadas, na sua maioria, em pequenos grupos dependentes
de mídias sacralizadas, como o livro, a televisão, o filme, etc. Agora temos
alternativas muito mais rápidas e frutíferas. E a culpada disso tudo é a
internet. Toda essa abertura ao material consolidado até esse momento, ao
material que está vindo e ao que ainda está por vir, somada à liberdade de
troca das informações entre os indivíduos, coloca o cara que fala e o cara que
ouve, o cara que escreve e o cara que lê em um mesmo plano de atuação com
muitos outros caras que também falam, ouvem, escrevem e leem. É quase uma
comunicação pura. Quase.
Mas é nesse ponto, no da escrita e da leitura em um
novo âmbito de comunicação, que me detenho. Como se eu pudesse separar, sem dó,
uma coisa da outra, eu começo pela escrita. Porque é ela, a escrita, um dos
resultados mais recorrentes dessa geração enlouquecidamente produtora de
conteúdo. E aí volto a falar: todos nós somos seres enlouquecidamente
produtores de conteúdos. Eu nunca escrevi tanto, minha mãe nunca escreveu
tanto, provavelmente a tua também nunca escreveu tanto e tão bonito quanto à última
legenda daquela foto com passarinhos sobrevoando um Quixote que ela nunca
conheceu, mas que é superbonita e vale a pena mostrar pra todas as amigas. E
todos continuam escrevendo muito, e muitos deles, como diz meu amigo, são
poetas. Alguns, poetas consolidados que querem se manter consolidados; outros,
poetas que querem ser.
Poema da página do facebook Um milhão.
O Twitter, o Facebook, o Tumblr, o Instagram e outras
plataformas similares funcionam como uma grande praça pública para cada um
desses poetas. Insatisfeitos com a ingratidão do mercado, eles abandonam o
livro impresso e partem para a criação voltada diretamente pra essas redes
sociais. Uns buscam a promoção da sua escrita por conta própria, como o
Fabrício Carpinejar e seus tuites “amorosos”; alguns vestem a roupa de um
personagem fictício, como o Pedro Gabriel e o Eu me chamo Antônio; e outros – a
grande maioria – participam de diferentes coletivos poéticos, um tipo de febre
literária do Facebook. Esse é o caso de páginas do tipo Um milhão,
Ex-estranhos, 946-Poesia e Filosofão – todas essas com a tendência quase
involuntária de divulgar umas as outras. De parceria em parceria, se tornam
coletâneas e best-sellers de poetas clássicos e iniciantes nessa nova estrutura
editorial.
Poema da página do facebook Ex-estranhos.
Todos esses exemplos foram projetos que “funcionaram”
nessa nova mídia literária. Bem ou mal, acabaram se tornando páginas lidas,
curtidas e muito compartilhadas dentro e fora das redes sociais. É nessa hora
que vemos (ou não) a resposta desse conteúdo todo: a leitura. Quanto a ela,
feliz ou infelizmente, não há medida. É puramente baseada em números
estatísticos quantitativos – o que não qualifica em nada uma determinada
literatura. Mas isso não quer dizer que não renda frutos. Os textos de
guardanapo do Eu me chamo Antônio, por exemplo, foram reunidos e publicados
em livro impresso pela editora
Intrínseca – coisa que tem sido muito comum ultimamente: o fato de grandes
editoras procurarem nas mídias virtuais o material para a próxima publicação.
Poema da página do facebook Filosofão.
De qualquer forma, tá na cara que não faltam canais de
circulação para a poesia nas redes sociais. Às vezes temos até mais canais que
o próprio material. E aí, de novo, todo esse papo faz a gente lembrar o lado
perverso da coisa. O nosso camarada Benjamin, quando se referia à banalização
da obra de arte na era da reprodutibilidade técnica, já alertava: ela perde a
sua aura, o seu valor único do aqui e agora e passa a ser um produto fabricado
por uma massa e consumido por outra. E a poesia, por fim, deixa de lado o seu
valor ritual, espiritual pra virar, automaticamente, prática política. Agora,
se isso é ruim? Eu sei lá. Só sei que
Lucas
Reis Gonçalves é poeta e articulador cultural.
Novo-hamburguense, atualmente mora em Caracas - Venezuela e trabalha no
Instituto Cultural Brasil Venezuela como professor. Em 2012 foi finalista do
Prêmio AGEs de Literatura com o seu primeiro livro, Se soubesse o que dizer,
diria em prosa (Paco Editorial, 2011), e, através dele, criou, juntamente com o
músico Dado Vargas, um novo projeto de declamação poética: Eletropoeteria.
Lucas nasceu em 1990 e atualmente escreve a página Textículos Quotidianos (no
Facebook) e para sites de literatura (públicos e independentes). Integrou,
recentemente, a Nova Coletânea de Poesia Gaúcha Contemporânea.
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