Lupicínio Rodrigues, romântico e boêmio. O Centenário de quem está eternamente em nossas cantações [ Silas Correa Leite]
O Centenário de Quem Está Eternamente em Nossas Cantações.
(Felicidade, Lupicínio Rodrigues)
A dor-de-cotovelo então evocada, já tinha sido sincopada na velha bossa nova, de Vinicius a Tom Jobim, depois pareou entre o brega chique e o cancioneiro popular, debutando também na velha Jovem Guarda com as canções que o Rei fez pra nós, caiu marota e exagerada em duplas berrantes de modas caipiras melosas com dor de corno, mas, datada originária e com original pureza em seu auge criacional nas cantações plangentes de sangue, suor e cerveja de Lupicínio Rodrigues, o mestre no gênero, na sua realista poética de amarguras e desencantos, tipificando tristes ramos de solidão, abandono, entrevamentos e loucura no gênero, em belíssimas obras com harmonia, melodia, ritmo e grandiosas letras fartas de alto quilate e profícuo gabarito de quem lia almas e cenas de relacionamentos a ferro e fogo... a batom e promessas...
Quando escutei pela primeira vez a também gaúcha pimentinha Elis Regina interpretar com enlevo a MPB “Cadeira Vazia” de Lupicínio Rodrigues, babei, quebrei a cara, quase levitei, fiquei pasmo, depois, chorei largado. Onde já ouviu aquilo? Eu estava ouvindo “A Música” em sua portentosa melhor expressão máxima. Essa e outras composições na voz de Jamelão com a Orquestra Tabajara de áureos tempos, passando por Maysa, Paulinho da Viola, Dalva de Oliveira, Nelson Gonçalves, Cyro Monteiro, e, ainda, aqui e ali, um Fábio Junior qualquer da vida, e as belas letras encorpadas de Lupicínio Rodrigues o eternizaram como um dos maiores compositores brasileiros de todos os tempos, e, certamente, o melhor e maior compositor de músicas ao estilo dor-de-cotovelo que o caboclo brasileiro tanto adora e entoa com lágrimas nos olhos vermelhos e coração batendo forte no tronco do peito.
O tempo passou, a história varreu torvelinhos de relações complicadas para todos os gostos, revisando de Shakespeare a Nelson Rodrigues, mas fica o homem, o mito, o ser humano Lupicínio Rodrigues. Que nesse ano da graça de 2014 tem o seu centenário comemorado. E quando você, lá pelas tintas das altas madrugadas televisivas afora, de repente clarificado vê Lupicínio Rodrigues num ensaio qualquer da TV Cultura de SP, cantando, (ao seu jeitinho malemolente) e interpretando suas próprias composição com o seu ramalhete de ternura e afeto sincero, peculiar, sua presença discreta, seu lado tímido, seu recolhimento encabulado nos globos oculares fundos, sua voz fina e milimetricamente colocada nas cantações que saem a caráter numa contemplação ensimesmada da via amorosa ali em arrebentações musicais entre tins e tons, você então o lê/ouve/sente/lê nas entrelinhas sonoras o baita compositor que foi Lupicínio, o grandioso artista, um dos melhores da MPB de todos os tempo, na riqueza de nossa musica qualificada que está entre as melhores do mundo, no nível de jazz e blues da rica américa do norte com suas estrelas de sangue.
Centenas de cantores de naipe do Brasil e do exterior gravaram Lupicínio Rodrigues, de Caetano Veloso a Jair Rodrigues, de Altemar Dutra a Maria Bethânia ou mesmo Vicente Celestino. E correm a meia boca os causos, lendas e invenções do arco da velha sobre o mito que Lupicínio Rodrigues se tornou pela excelência da carreira de sucesso que fez e ainda esplende mesmo depois que foi se aprumar em forrobodós de outros pagos celestes...
Fica então sabendo de como ele, seresteiro de marca maior, incorrigível, tomava todas e mais algumas, depois, passado etilicamente, madrugada estrelada e fria nos recantos da capital gaúcha de Porto Alegre onde nasceu a 19/08 1914, e então os amigos fuzarqueiros o punham na sua condução de noitadas uma charrete da cor do céu O cavalo, já manjando e acostumado com a diária via etílica, troteava seguindo sozinho seu curso, em sentido ao lar do artista, puxando o veiculo que levava seu dono sonhando com festins e bebemorações. Aurora fria, o animal treinado em percursos de gandaias por atacado, ficava batendo com s patas dianteiras em frente a casa em que seu dono morava. Até que a acostumada patroa loura por ele também loucamente adorada, abrisse a porta e viesse recolher seu boêmio, seu homem, notívago viciado dos desfrutes da farra e sapecado na jornada das estrelas.
Entre as dez melhores musicas brasileiras de todos os tempos, eu colocaria, não necessariamente nessa ordem, O Índio de Caetano Veloso, Se eu Quiser falar com Deus de Gilberto Gil, Cadeira Vazia de Lupicínio, e ainda algumas outras como Morro Velho (Milton), Construção (Chico Buarque), No Tempo dos Quintais (Sivuca) Suíte dos Pescadores (Caymmi) Aguas de Março (Jobim), Disparada (Geraldo Vandré) e Vingança ou mesmo Se Acaso Você Chegasse, ambas também do Lupicínio. Que tal Porto Alegre criar um Memorial de Lupicínio Rodrigues, a Casa do Lupicínio, ou mesmo o MULRAB-Museu Lupicínio Rodrigues de Arte e Boemias? A história da MPB agradece.
Lupicínio faleceu no inferno astral de seus 60 anos de idade, em 27/08/1974, e nesse ano de 2014 comemoraria seu centenário de vida e brilho. Nós, sonhadores, poetas, namorados, filhotes etílicos de luas e ruas, de bares, esquinas e quebradas do mundaréu; nós, românticos, apaixonados, em nome dele e em memoria dele o louvamos, e o reafirmamos presente desde o estandarte do amor e flor, desde o mosaico de amor e dor, solenemente respeitando suas cantações ricas em falar de paixões e traições, de abandono e dezelo etílico, mais a solidão-cangalha, a paixão impossível, o pacto de morte, a felicidade, tudo o que ainda nos mostre o que o mestre Lupicínio vale pela obra musical que criou, tão bem cantando com o coração, coma alma, com a mente brilhante, com sua magnifica visão poética de trovador e seresteiro, arauto da noite, boêmio, companheiro, compositor que louvou desde os 'don-juans' pecadores às maravilhosas mulheres loucas e seus anseios, de apaixonados com causas, essas namorados vorazes e seus rufiões, seres açodados pelo rompante do amor desenfreado, e que, muitas vezes, perdida a esperança de ser feliz, desesperadamente iam mesmo ao inferno à procura de luz...
A benção, Lupicínio.
O fígado faz mal à bebida, mas, como baristas também tomaremos umas e outras, e mais algumas, em tua saudade e reverência, em tua homenagem e filtro de saudade, em tua evocação e graciosa lembrança. Tim-Tim, Lupicínio, estás eternamente em nossos corações apaixonados, mesmo com tantos percalços dantescos de nossas relações amorosas em labutas de aprimoramentos afins, mas, fique luz, o show tem que continuar. E assim levaremos sempre você para onde a alvissareira boemia brasileira estiver.
Um comentário
Muito muito muito bom!
Digno de Silas...
Abraços,
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