Na locadora
– Uhm... Uma linda mulher!
– Não te dei essa intimidade! – ela respondeu, dez por
cento indignada, noventa por cento envaidecida.
– Não, desculpa – improvisando um sorriso encabulado –
estou falando da Julia Roberts, ou melhor, do filme da Julia Roberts. Não
estava me referindo a você. Quer dizer, você também é muito bonita – o Orlando
estava se enrolando cada vez mais – é que o filme que desistiu de pegar e
devolveu à estante... deveria assistir, é muito bom.
Agora foi ela que ficou visivelmente constrangida ao
perceber o equívoco. Secretamente tinha gostado do elogio.
– Você acha? Fiquei em dúvida.
– Ah, tenho certeza que você vai gostar, é sobre uma
prostituta.
– Putz!
– Não, mas não por isso. Não foi o que quis dizer. Meu
Deus, o que estou falando? É que o filme tem uma história bonita, é isso... Ela
é garota de programa e se apaixona por um cliente milionário e no final eles
ficam juntos apesar das diferenças. Tipo... o amor supera tudo!
– Não vou pegar não.
– Não gostou da história?
– Gostei, mas agora já sei o final!
– Nossa! Desculpe! – percebendo a gafe – era um filme
de amor com um final feliz! Que tal então uma história sem fim?
– Não, detesto filmes que deixam o final indefinido.
Toda história deve ter um fim. Um the end e não reticências para pensar.
Prefiro filmes com fim, mas lembre-se, gosto de saber do fim só no fim.
Entendeu?
– Entendi! Mas você que não entendeu. Estou sugerindo o
filme A história sem fim, do Zeffirelli, muito bom. É romântico também, uma
história de amor, mas sem garotas de programa. – tentando ainda se desculpar.
– Uhm, Não seria Amor sem fim? Uma história sem fim é
de aventura. Já vi e odiei!
– Isso... Amor sem fim! Nossa, eu vivo trocando o nome
dos filmes.
– já vi que você
gosta de um romance...
O Orlando corou com a pergunta – bem, e quem não gosta?
Só que ainda não achei a mulher certa. Sabe como é...
– Não... – soltando uma gostosa gargalhada – estou me
referindo ao "gênero" romance, você sabe, filme estilo felizes para
sempre... vulgo "água com açúcar!".
– Ah, tá... claro, não, quer dizer, bem... mais ou
menos, prefiro policial ou suspense. Mas às vezes assisto...
– Uhm... Por que será que os homens nunca confessam que
são sensíveis? Dizem preferir "sangue e suor"!
– Esse eu não vi. É com quem?
– Não, tô dizendo que gostam de filmes com sangue, ou
seja, violência; e suor... muita correria, ação!
– Mas é verdade – olhando-a nos olhos – gosto de fortes
emoções.
– Eu também – disse ela, ajeitando o cabelo – também
curto fortes emoções.
– fez um pausa, depois acrescentou: – Sabe do que as
mulheres gostam?
– "Do que as mulheres gostam?" Assisti, com o
Mel Gibson.
– Não, tô perguntando se você sabe do que as mulheres
gostam de assistir? Que filmes...
– Ah, fácil... Comédia romântica, amor na guerra, amor
sem guerra... Acertei?
– Pois é, a maioria das mulheres sim, mas eu não! Veja
só: eu gosto mesmo é de filmes de ação, tipo Bruce Willis, Schwarzenegger,
Sylvester Stallone,
Chuck Norris...
– Chuck Norris? Não acredito! É mesmo? Jura?
– Anrã!
– Eu estava procurando alguém como você!
... silêncio.
– Estava? Como eu? – seus olhos brilharam. Ajeitou o
decote e "encolheu" a hipótese de barriguinha corrigindo sua postura.
– Você estava à procura... de alguém como...
– Estava, não é engraçado? Você, uma garota, procurando
um filme de ação e eu, um homem, procurando o filme "alguém como
você", um romance. Percebeu? Não deveria ser o contrário?
– Ahnnn... Entendi, o filme...
– Pois é... Não achou engraçado?
– Muito...
– Você, um filme de ação... Eu, um romance... tá
trocado... Captou?
– Já entendi!
– Enquanto conversavam, caminhavam pelos corredores da
locadora, ora um indicando um filme para o outro, ora comentando algum cartaz
de lançamento.
– Gostou de Titanic?
– Não vi – ele responde constrangido, como quem cometeu
um pecado.
– Sério? Superprodução.
– Não vai rir? Eu enjôo no mar.
– Até em filme?
– Pois é, para assistir Mar em fúria tive de tomar dois
Dramin!
– Que coisa, hein?
– Nem fala, quando li O velho e o mar fiquei duas
semanas mareado...
– Então vou contar um segredo meu também... Chorei um
fim de semana inteiro quando vi o filme do Bambi. Sabe aquela cena quando a mãe
dele morre? Fiquei arrasada. Chorei muito. Quase desidratei!
– Ah, normal. Qual a criança que não chorou nesse
filme?
– Mas eu vi no mês passado!
Riram juntos. Os dois estavam hipnotizados com a
conversa. O papo rolando por entre as sessões de comédias, dramas, suspenses...
Cada um puxando filmes e fazendo suas críticas. Ao passarem pela estante dos
filmes pornográficos apressaram o passo sem nem olhar para o lado, não queriam
estragar o clima. Talvez até apimentasse a conversa, mas nenhum dos dois quis
arriscar. Lentamente foram um pouco mais adiante, parando em frente aos
lançamentos. E aí, silenciaram. O assunto aparentemente esgotara.
– No que está pensando?
– Pensei numa proposta indecente!
– Já vi, com a Demi Moore.
– Não... Não o filme. Eu estava pensando em te convidar
para assistirmos um DVD juntos... O que acha? Eu e você!
– Anrã, seria por acaso "Entrando numa fria"?
– risos
– Não, "Atração fatal" – fazendo cara de
conquistador – Topa?
... pensando.
Ele novamente: – "Uma linda mulher"...
– Uhm, já sei, com a Julia Roberts...
– Não, você!
– Meu Deus... – com um frio na barriga e olhando para
cima – "Os deuses devem estar loucos!"... Mas topo! Na sua casa ou na
minha?
...
Ao passarem pelo
balcão, o atendente, que a tudo observava, não pode deixar de murmurar: "A
vida é bela"!
Jean Marcel-
Escritor, professor universitário, palestrante. É pai de dois
adolescentes. Um leitor voraz. Eclético, escreve contos, crônicas,
romances e infanto-juvenil. Possui o blog brisaliteraria.com
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