Anônimos e belos! A poesia detrás das janelas. (Publicação VI - Edson Bueno de Camargo) [Ivana Schäfer]
A poesia detrás das janelas revela o encanto dos poemas de Edson Bueno de Camargo e mergulha na sensibilidade, na criatividade, nos versos ritmados, cantados e sentidos, repletos de uma suavidade que contrasta a intensidade poética.
A poesia é apenas um jorro desta ferida narcísica que carregamos desde a invenção da lírica e do humano, e cremos que será curada apenas com a pena de morte auto-imposta.
Publicou: “De Lembranças & Fórmulas Mágicas” Edições Tigre Azul/ FAC Mauá -2007; ”O Mapa do Abismo e Outros Poemas” Edições Tigre Azul/ FAC Mauá -2006, “Poemas do Século Passado-1982-2000” edição de autor - Mauá - 2002; “Cortinas” (edição artesanal), com poesias suas e de Cecília A. Bedeschi - Mauá - 1981; foi publicado esparsamente em algumas antologias poéticas, jornais e revistas literárias, no papel e na Internet.
Recebeu entre outras, as premiações: 1º lugar nacional - 4º CONCURSO LITERÁRIO DE SUZANO – Categoria Poesia - 2008; 1º lugar do PRÊMIO OFF-FLIP DE LITERATURA – 2006 – categoria Poesia; 2º Classificado- X PRÊMIO ESCRIBA DE POESIA – 2008; 2º lugar com o poema “serpentário” e Menção Honrosa com o poema “esquisito” - 3º CONCURSO NACIONAL DE POESIA - COLATINA 2007 PRÊMIO “FILOGÔNIO BARBOSA”.
o espelho
fragmento que sou
desta realidade/imagem
o espelho
rejeita a efígie
eu quase quasímodo
quirguiz
de uma estepe árida
esta manhã
rompi com a chuva
libertei meus pecados/pedaços
de suas obrigações
(fugiram, nem olharam para trás)
esta manhã ainda
marchei para a guerra
como que não houvesse
qualquer direção
para a paz
teci o tecido mortalha
com o linho branco
da luz da imensidão
de uma lua amarela
tingi meu olhar
carreguei em meus braços
meu eu
morto no mar
as palavras da morte
escrevi em meu peito
sobre meu coração
recobrou o olho
e este tinha fome
a fome insaciável dos olhos
e o olho cobrou a fome
desde os tempos imemoriais da fome
o quanto dar de comer ao olho
se este não se sacia
quanto de velhas fotografias
tanto de livros amarelos
jornais dobrados até se tornarem quebradiços
cartas de amor não correspondido
e flores e frutos secos guardados em gavetas
quanto de moedas antigas
de quinquilharias
a fome voraz de papéis velhos
e dedos envelhecidos
óculos para miopia
de tantos e todos tempos e temperos
que calaram em renascimentos
e aí se destilou o dia
com a luz coada
de olhares furtivos pela janela
e seus vidros ensebados e turvos
cor que se esmaecia
sei porque
chove aqui neste lugar
sempre
há um cemitério de coisas
que se dobram
como uma harpa quebrada
plissados cinzas no cimento
cansei de esperar a morte
ela nunca vem quando esperamos
vou caminhar
pelas alamedas de meu medo
beber o vinho do tempo de guerra
a destruição do mundo
começará por minha cidade
(ainda tão pobre)
enquanto cães ruidosos
mastigam a noite
e rasgam o véu da lua e seus seios
onde se vê duas velhas ciosas
a costurar um boneco de pano
ao qual
com todas as reverências
chamaremos de messias
com seus olhos de sementes
de árvores mortas
e cabelos humanos
e trapos roubados de defuntos
seus braços e abraços
que se chamam dor
ah! as línguas de agulha cega
dentes de serra e pentes de plumas
a destruição do mundo
começará em minha rua
em frente de minha casa
que dorme
e as cortinas em chamas
cantam uma ária rouca
e seus dedos puídos pela trama da roca
soltam os fios do destino
à própria sorte
e espiarei pela fresta da janela
enquanto tomo um café de outros trópicos
e minha íris destilará leite
como uma máquina em suas regras
"vieram de longe
com o almanaque numa das mãos
na outra
algas subaquáticas
traziam um murmúrio
de porões na garganta
e lâmpadas enferrujadas na alma
um lamento de malas perdidas no porto
ao pegar o comboio dos pássaros
são construtores de pirâmides
de bolhas de sabão
todos eles
prestes a fábrica das delicadezas
onde a criança atenta de árvores
decifra as placas
e sua letras amarelas semiapagadas
a estrada lhes era carinhosa
como o faz a poeira em dias preguiçosos
vieram
e ainda carregam no bolso de trás
a tempestade
e ainda um navio
por baixo da palma esquerda
alguns traziam sob o braço
um baú de lamentos
(lembranças da velha terra)
bigodes amarelos
de nicotina e cachimbos de carvalho
no entanto
tinham grande disposição
de calçar as pedras triangulares
das abóbodas da nova casa
aí estava o motivo para
naquelas madrugadas que tropeçavam
no segundo ponteiro
os fantasmas ouvirem
assustados
uivo de malas perdidas
conchas a se quebrarem
e rastros sobre placas caídas
em fogo"
(Edson Bueno de Camargo & Paulo Sposati Ortiz)
as trincas no chão
segredam geomântica(mente)
que os armários da sala
caminham à noite nos corredores
nossos fantasmas governam a casa
e a casa enterrada nos alicerces desta
morrer é só um dos mistérios do nascimento
e quando somos crianças e velhos
as paredes entre os mundos são mais finas
acredito que nossos antepassados
nos sussurram aos ouvidos antes de nascermos
Os onze poemas, acima, foram uma escolha minha e se alguém tem algum poema deste poeta e não está na lista, nos mande e terei o prazer de acrescentar. Espero que tenham gostado desta linda viagem nos versos do poeta Edson Bueno de Camargo.
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