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AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA(23)

AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA(23)



LOURDES TEODORO (1946) nascida em Formosa, Goiás, reside em Brasília desde 1959. Escreve e publica desde a adolescência e já  foi Incluída em antologias poéticas no Brasil, na Europa e nos Estados Unidos. É doutora em Literatura Comparada pela Universidade de Paris, Sorbonne, e autora de quatro livros de poemas: Água Marinha ou Tempo Sem Palavra(1978) e Canções do Mais Belo Pecado(1996) são dois deles.

à sombra dos embondeiros do recife V

toma da máscara

a forma exata,

veste tua real aparência,

medita.

deixa cair

a suposta essência,

sê trigo e coquelicot:

aceita a passagem gratuita

                   da brisa

dorme, que sonharei contigo.


à sombra dos embondeiros do recife VI

         carta sem destinatário.

não sou trezentos,

         tampouco tenho em mim todos os sonhos do mundo;

custa-me ajeitar os ombros,

         com todo esse peso das mãos de uma criança,

querendo eternamente ser em mim.

dancei na praça:

os meninos de rua

soltaram o corpo comigo,

súbito, sem loló ou crack,

viraram folha, docemente ao vento!


paisagem litorânea

os arranha-céus subiram aos morros,

                                para ver o mar

e os negros

                mudaram-se

                                para a avenida  Copacabana.

as usinas e as fábricas

               lançaram-se dos penhascos,

a ponte se dissolveu na bruma

                                e jangadas povoaram

                                a baía, inocentemente.


O corpo, o nada.

                                 a joão cabral de melo neto.

o segredo do tempo

 - a pedra -

a coragem do tempo

- a pedra -

a riqueza do tempo

-a pedra -

a frieza do tempo

- a pedra -

a erupção do tempo

- a pedra -

a construção do tempo

- a pedra -

o silêncio do corpo

- a pedra -

o peso sobre o nada

- a pedra.


ARRIETE VILELA(1949) poeta, cronista e contista alagoana. Professora aposentada da Universidade Federal de Alagoas, onde trabalhou com a autoria feminina na Literatura Brasileira, foi eleita para a Academia Alagoana de Letras em 1996. Sua obra recebeu inúmeros prêmios, pela importância de sua obra, como o da União Brasileira de Escritores do Rio de Janeiro, em 2002.

NÃO DEVIAS

Não devias enamorar-te assim
das minhas palavras: são fios
que tecem a renda com que adorno
as entardecidas beiradas dos meus dias
e tecem, igualmente, a rede com que caço
borboletas que, à tua semelhança, voejam
solitárias ao redor do meu mistério.

Não, não te devias exibir assim
à beira do poço: és pássaro de pequenas asas,
e basta um descuidado sopro da minha poesia
para fazer-te ver o céu menor do que uma lágrima.

Não devias jogar-me à passagem
– e assim, à vista de todos –
belas metáforas: esmago-as com amorosos gestos,
para que gotejem em mim o sumo das folhas
da pitangueira com seu cheiro de infância
reencontrada na tua ausência.

Poupa-te, anjo de flores que só duram um dia.
Passa à margem do que sou,
protege esses teus olhos de mares transparentes
e não queiras entender o meu silêncio, a minha recusa
nem os sutis precipícios sobre os quais vivo
e escrevo.

Protege o teu coração
e não atices a colmeia que espreita,
para além da cerca viva de papoulas,
a dor nos descuidos da alegria amorosa.


POEMA 25

O Poema não devia esfolar a Palavra

que há dentro de mim,

pois se destrançam, assim, os fios de sisal

que prendem memória e realidade.


O Poema devia aliviar essa fascinante

e atormentada relação com o que sou,

com o que não sou,

numa dualidade quase fluida,

quase erótica.


O Poema não devia deserdar-me

do sonho comum,

das pessoas com seus olhos de isca

e de fastio.


O Poema devia esvaziar-me da Palavra

e de suas resistências,

para que eu seja apenas devaneio

à-toa.


POEMA 1

Quantos adeuses devo dizer-te?

Não sei.

Mas te deixo um presente:
os textos fundadores
(ou fraudadores?)
de mim e de ti.

Talvez queiras mudar-lhes
as entrelinhas...

POEMA 2

Sou cria
revelada
da palavra
que intercepto
em mim

e cumpro o destino
de ser cardo
e não avidamente
flor.

XENIA ANTUNES(1949) nascida no Rio de Janeiro, a poeta mora em Brasília desde os anos 60. Escreve poesias, contos, crônicas e artigos. Tem dois livros publicados: Parto Normal e Exercícios de Amor e de Ódio (1980). É também artista plástica e fotógrafa. Integrou a chamada geração do mimeógrafo e participou de inúmeras antologias.Segundo o poeta e crítico Antonio Miranda,o poema Maria dos Prazeres é um clássico da cultura de Brasília.


A respeito do enjôo matinal nada a fazer.

Decididamente, café e pasta de dentes

nunca tiveram nada a ver entre si.

Mas pior é o espelhinho

aquele que fica logo acima da pia do banheiro

esse agente da CIA incorporado à náusea cotidiana.

Não se vê nele nada além da fotografia

que ilustra a cédula de identidade.

E ele te cospe crimes, antecedentes criminais

e ainda te diz a idade do criminoso.


É preciso que vistas um vestido amarelo,

ordenes teus pelos e batas a porta,

rápida,

atrás.


MARIA A DOS PRAZERES

Cada vez que me possuem

cada vez fico mais pura

mais casta

mais virgem


Cada vez que fico nua

cada vez sou mais louvada

beijada

aleluia


Cada vez que eu me entrego

cada vez eu sou mais santa

mais salve

rainha


Cada vez que estou parindo

cada vez sou mais mater

mais ave

maria.


MÃOS

São mãos nos meus cabelos, nos meus olhos, na minha boca são mãos treinadas em percorrer a carne viva

mãos que procuram a parte escondida

são mãos acostumadas, salientes,

que me desenham flores no corpo todo

que me ativam a glândula

são mãos que mentem o gesto

escondem de mim o resto

e, depois das mãos

os pés acima de tudo.

Ai, estão me machucando!


EXERCÍCIO DE ÓDIO

é porta de igreja

é só pra olhar

põe o dedo na chaga não

olhe e se contenta em olhar

deixa o sangue brotar

deixa o dinheiro na lona

deixa o miserável na zona

deixa e deixa o membro sofrer

deixa e deixa o bicho comer

é porta do inferno

é fogo na brasa

é ferida magoada

é jejum madrugada

é frio

é fome

é porta fechada

pra tua passagem

deixa andar

deixa azar

desgraçar

não vá confirmar

o dia

a pontaria

a afronta não conta

o perdão já não há

é só pra olhar

sem espanto

que teus olhos ainda vão ver tanto!


CYANA LEAHY-DIOS (1950) poeta soteropolitana é niteroiense por opção. Escreve ensaios, ficção e poesia. Autora de dezenas de artigos, capítulos de livros e textos apresentados em congressos nacionais e internacionais. Publicou Biombo(1989), livro de estréia na poesia. Seguiram-se Íntima Paisagem (1997), O Livro das Horas do Meio(1999), Seminovos em Bom Estado(2003) e (Re)Confesso Poesia(2009). Conquistou prêmios literários no Brasil e na Inglaterra.

Da gata

Era uma vez a gata.

Prenha gata.

Sozinha no fim-de-semana

deu à luz quatro gatinhos.

Sem trauma, sem parteira, sem curativo.

Agora cinco gatos vagueiam pelo palácio

Saudáveis. Negros. Independentes como nunca fui


aula de pintura

enquanto enrubesço

me ensina a pintar com o corpo

me ensina a perder os medos

e a poder sujar as pontas dos dedos

as unhas e as palmas das mãos

nas tintas de todas as cores

enquanto enrubesço em vinho tinto

sê meu mestre

amor


cena sertaneja

Serpentes negras foscas invadem

ameaçando o sertão

incompreensíveis na paisagem

avançam canaviais adentro

rebolando sinuosas no ventre

miserável. A fome

se instala às margens de

mãos e rostos enegrecidos


Sol, fuligem e muita dor

sugam canas impróprias

não mais caules em fruto

apenas seca matéria-prima

rostos e mãos carregam armas

afiadas (para o trabalho) e cegas

(na parelha com a justiça)


A serpente asfáltica

plana e lisa ressalta na paisagem

(estrada do coronel

asfalto do coronel)

fazendas canaviais usina.

Por enquanto a Miséria estende o braço

e implora por mais um dia


Casamento

Eu faço a festa:

faço, cozo, sonho a seresta

enquanto você dorme.

Preparo, congelo, apronto

enfeito ajeito me sujeito

você já se banha.

Me arrumo, me enfeito,

só não me perfumo,

e afino os instrumentos.

Recebo, sorrio, sirvo,

também bebo, também como,

e controlo sua performance.

Madrugada, todos idos,

Você, bêbado, dorme

e eu desfaço a festa...


Rubens Jardim, 67 anos, jornalista e poeta. Foi redator chefe Gazeta da Lapa e trabalhou no Diário Popular, Editora Abril e Gazeta Mercantil. Participou de várias antologias e é autor de três livros de poemas: ULTIMATUM (1966), ESPELHO RISCADO (1978)e CANTARES DA PAIXÃO (2008). Promoveu e organizou o ANO JORGE DE LIMA em 1973, em comemoração aos 80 anos do nascimento do poeta, evento que contou com o apoio de Carlos Drummond de Andrade, Menotti del Picchia, Cassiano Ricardo, Raduan Nassar e outras figuras importantes da literatura do Brasil. Organizou e publicou JORGE, 8O ANOS - uma espécie de iniciação à parte menos conhecida e divulgada da obra do poeta alagoano. Integrou o movimento CATEQUESE POÉTICA, iniciado por Lindolf Bell em 1964, cujo lema era: o lugar do poeta é onde possa inquietar. O lugar do poema são todos os lugares... Participou da I Bienal Internacional de Poesia de Brasília (2008) com poemas visuais no Museu Nacional e na Biblioteca Nacional. Fez também leituras no café Balaio, Rayuela Bistrô e Barca Brasília. E participou da Mini Feira do Livro, com o lançamento de Carta ao Homem do Sertão, livro-homenagem ao centenário de Guimarães Rosa. Teve poemas publicados na plaquete Fora da Estante, (2012), coleção Poesia Viva, do Centro Cultural São Paulo. Páginas na Internet: Site: Rubens Jardim e Facebook: Rubens Jardim

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