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Paula Modersohn-Becker,
"Reclining mother and child"
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Por um instante, comigo
Num instante, eu me lembro
de mim. Grávida, sem companheiro, sem retaguarda. A barriga aumentando junto
com as dúvidas. Se vai nascer normal; se vai ser mulher pra sofrer que nem
todas as fêmeas das minhas raízes; se o dinheiro, que já não dá, vai conseguir
se multiplicar na divisão por dois. Os complexos crescendo junto com o feto. A
celulite exposta, as estrias brancas, os seios imensos e doloridos dos
primeiros meses, a bunda caída do final. E a certeza humilhante de não ter com
quem falar sobre o primeiro chute, sobre as cólicas, sobre a vontade aumentada
de fazer sexo, sobre a dor nas pernas obrigando a reduzir os saltos. Ninguém
para mostrar as camisinhas de pagão, a chupeta branca, neutra, as calças, as
fraldas, os cueiros, a banheira de plástico. Tudo comprado aos pares ou um
pouco mais, para caber no orçamento. Nem pai, nem mãe a quem pedir colo,
conselho. Ambos mortos. A única irmã morando em Dunquerque. Tão distante quanto
antes de Dunquerque. Nenhum namorado, nenhum amor. Só um reprodutor apressado. Trinta e cinco
anos e uma vida na barriga. Trinta e cinco anos, uma vida na barriga e outra
carregada no próprio lombo. O medo de um aborto, de um parto prematuro, da
perda, clichê da humanidade. E as pessoas cobrando esse aborto, chamando de
decisão irresponsável levar adiante, dizendo que é fardo. Que fardo? Alguém de
quem cuidar nas noites esvaziadas de tudo. Alguém para fazer barulho no
silêncio insuportável. Alguém com todas as possibilidades ainda intocadas. Sem
ranço, fracasso, impotência, angústia, desistência, solidão, desespero. Que
fardo?
Agora, esse esbarrão. Olhos
que se engalfinham com os meus. Um pedido de desculpas tão intenso que
extrapola o fato banal. Um rosto que copia o passado.
A barriga imensa, os
tornozelos inchados, o nariz alargado. A angústia estourando como ressaca nos
olhos. Dúvidas iguais. O medo de ter que ser tudo, de querer ser tudo. Sozinha.
Eu sei. Reconheço a mim mesma quando me encontro por aí.
Tenho vontade de abraçar
essa história nossa. De dizer a ela que a incerteza rasga o afeto; de dizer que
dói para sempre seguir sendo o eu e o nós; de dizer que, ainda assim, vale a
pena. Mas o momento passa e eu recuo da inconfidência. A vida fará as honras
melhor do que eu. A vida não recua.
Cinthia Kriemler
- Formada em Comunicação Social/Relações Públicas pela Universidade de
Brasília. Especialista em Estratégias de Comunicação, Mobilização e
Marketing Social. Começou a escrever em 2007 (para o público), na
oficina Desafio dos Escritores, de Marco Antunes. Autora do livro de
contos “Para enfim me deitar na minha alma”, projeto aprovado pelo Fundo
de Apoio à Cultura do Distrito Federal — FAC, e do livro de crônicas
“Do todo que me cerca”. Participa de duas coletâneas de poesia e de uma
de contos. Membro do Sindicato dos Escritores do Distrito Federal e da
Rede de Escritoras Brasileiras — REBRA. Carioca. Mora em Brasília há
mais de 40 anos. Uma filha e dois cachorros. Todos muito amados.
8 comentários
Mais um belo e tocante texto. Parabens, Cinthia!
Obrigada, meu amigo! Muito honrada com seu comentário!
Que texto lindo e ao mesmo tempo triste. Parabéns amiga. Amei! Bjsss
Lembrei da minha gravidez aos 20 anos. Duas coisas que ouvi e me marcaram :
- Voce não conhece pílula?
- Agora voce vai sofrer!
Absurdos.
Seu texto é lindo!
Obrigada pelo comentário, Simone! Bjks
Débora, que depoimento! Pelo que vejo, você é das guerreiras! Parabéns! Beijo
Belíssimo, belíssimo como de hábito. E especialmente emocionante para mim, porque me fez lembrar de minha mãe em sua gravidez solitária.
Cinthia, como comentar isso?! Ah, vou dizer o que já previa: valeu a pena esperar. Abraço imenso! (Gina Girão)
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