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Olhos Emprestados [Santiago Santos]

Olhos Emprestados

por Santiago Santos 

Eu tinha 11 anos quando perdi os olhos.

Foi na praça Alencastro, no centro de Cuiabá, esperando o ônibus. Um grupo tocava flauta e violão lá no meio. Papai disse que eram hippies, mas eu achei que eram do circo, porque um homem tava vestido de palhaço. Uma mulher bem gorda me chamou quando papai foi comprar pipoca. Puxou de dentro do carrinho de mercado um espelho. Falou que eu tinha olhos muitos bonitos e perguntou se eu podia emprestá-los. Inocentemente, disse que sim. Vi meu rosto por uns três segundos antes de não ver mais nada.

Fiquei parado um tempo até meu pai me pegar pelo ombro e começar a gritar. Ele enfiou o dedo nos buracos pra saber se tava ficando louco, e não tava. Foi difícil me acostumar à cegueira e nem chorar eu conseguia, por motivos óbvios. Aprendi a ouvir as coisas de verdade, a fazer tudo com calma, a pedir ajuda. Meu pai se culpou pelo que aconteceu, justo no minuto em que virou as costas.

Esperando o ônibus na praça Alencastro ouvi a voz daquela mulher de novo. Dois anos haviam se passado. Ela me agradeceu pois conseguiu fazer o que precisava e queria devolver os olhos. Pisquei e enxerguei. Só que tavam diferentes. Eu conseguia avançar e voltar no tempo, como num videocassete, via tudo mesmo sem poder interagir. Papai pediu pra guardar segredo, falou que a gente ia ficar rico fazendo aposta.

Na escola, todo mundo perguntou como eu consegui os olhos de volta. Obediente, disse que não sabia. Diante da insistência, inventei que era coisa de Deus. Quando o negócio sossegou o Marquinhos me pediu um lápis.

Falei não. Nunca mais empresto nada.

*retirado do projeto Flash Fiction BR - www.facebook.com/flashfictionbr


Santiago Santos é escritor e jornalista. Já publicou contos em revistas independentes e blogs. Atualmente mantém o projeto Flash Fiction BR, onde publica um miniconto inédito todo dia útil (www.facebook.com/flashfictionbr).


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