Olhos Emprestados [Santiago Santos]
Eu tinha 11 anos quando perdi os olhos.
Foi na praça Alencastro, no centro de Cuiabá, esperando o ônibus. Um grupo tocava flauta e violão lá no meio. Papai disse que eram hippies, mas eu achei que eram do circo, porque um homem tava vestido de palhaço. Uma mulher bem gorda me chamou quando papai foi comprar pipoca. Puxou de dentro do carrinho de mercado um espelho. Falou que eu tinha olhos muitos bonitos e perguntou se eu podia emprestá-los. Inocentemente, disse que sim. Vi meu rosto por uns três segundos antes de não ver mais nada.
Fiquei parado um tempo até meu pai me pegar pelo ombro e começar a gritar. Ele enfiou o dedo nos buracos pra saber se tava ficando louco, e não tava. Foi difícil me acostumar à cegueira e nem chorar eu conseguia, por motivos óbvios. Aprendi a ouvir as coisas de verdade, a fazer tudo com calma, a pedir ajuda. Meu pai se culpou pelo que aconteceu, justo no minuto em que virou as costas.
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