Edir Pina [Poeta Brasileira]
As rosas murchas, tristes, esvaídas
que agora se desfazem sobre a mesa,
ainda ontem davam-me a certeza
do terno amor que unia as nossas vidas
e nossas almas, hoje ressentidas,
sem gestos de carinho, de nobreza,
perdidas da poesia e da pureza,
do encanto e da paixão também perdidas.
Sem ti as minhas noites são saudosas,
e tudo dentro em mim soluça e chora
um pranto de tristeza desmedida...
Disperso pela alcova o olor das rosas
em tudo está presente, dentro e fora
da minha alma triste e emurchecida.
Se eu sou voraz pantera, tão felina,
Senhora desse encanto e tanta graça,
Que o corpo teu inteiro assim enlaça,
Que tanto te seduz e te alucina...
Se eu tenho o faro bom e a garra fina,
Tu és a minha tenra e dócil caça,
Que a mim s’entrega inteira, beija e abraça,
Por sobre a fina relva da campina.
Se assim me farto porque a ti devoro,
E uivo qual pantera em pleno cio,
Voraz felina que depois descansa...
Se solto esse meu uivo tão sonoro,
Que ecoa dentro em ti horas a fio,
Por certo me tornaste a caça mansa.
que deita n’alma minha mil raízes,
fico a lembrar de dias mais felizes,
de nossa vida alegre e venturosa.
Eu era jovem – qual botão de rosa –
De olhar vivaz, do modo que tu dizes,
Sem ter no rosto vincos, cicatrizes,
Essa tristura densa e tão seivosa.
Envoltos em mil rendas de ternura,
Dançamos uma valsa, que era bela,
Mais bela que o clarão da cheia lua.
À luz de teu olhar - aí, que ventura –
A tremular, qual chama de uma vela,
No doce enlace desse amor fui tua!
Que exala desse corpo teu molhado,
E nos teus lábios tenros tens guardado
O beijo que desejo, se te beiro.
Tens cheiro de caju, ó, meu amado!
E o gosto que só tem o amor primeiro,
E causas dentro em mim calor, braseiro,
D’um jeito que jamais eu hei sonhado.
S’ existe alguém nos sonhos meus, és tu!
Eu amo o teu olhar, que me fascina
E que m’envolve em nuvens de desejos.
Eu quero o teu amor, sem quaisquer pejos,
Sorver dos lábios teus a cajuína,
Roubar-te o doce cheiro de caju.
de sussurrantes águas, segredando amores,
brincando sobre as relvas ou beijando as flores,
lambendo os jacarés, aos montes, pelas beiras.
Ao longe, dos ninhais, se ouviam mil rumores,
Dos pássaros, das garças, brancas e faceiras,
O gado, a mugir, na sombra das mangueiras,
E a flutuar canoas, com seus pescadores.
Ah! Tempos de fartura! Cheiros de jasmim!
De índios e caboclos, tempos bem diversos,
de redes nas varandas, roças ribeirinhas.
Tempos que longe vão, mas vivem dentro em mim,
Na entranha de minh’alma, onde gesto os versos,
Na intimidade morna das saudades minhas.
A chuva cai! Sussurra nas vidraças!
E dança tristes valsas contra os ventos,
Quais lágrimas de dor, de desalentos,
Que caem dos meus olhos quando passas.
Os pingos caem, quais os vãos lamentos,
Dispersam-se no ar feito as fumaças,
Quais vinhos se evaporam em finas taças,
Nos dias que sem ti são mui cinzentos.
Batendo nas vidraças rolam as águas
Das chuvas de verão, tão passageiras,
Que correm lassas pela terra afora.
Quisera que passassem as minhas mágoas,
Feito essas chuvas que passam ligeiras,
Que brincam na vidraça e vão s’embora.
Estar contigo nesse enlace bem quisera,
A mapear teu corpo, cada curva, senda,
Colar na tua pele feito verde hera,
Ou como os arabescos na mais fina renda.
Seria muito bom! Inesperada prenda!
De todas a melhor, depois de tanta espera,
Tua seria sem pudor, sem reprimenda,
Com todo meu amor, da forma mais sincera.
Vivendo as mil delícias desse amor febril,
Vibrando o coração feliz, enamorado,
Sorvendo o beijo teu qual vinho inebriante.
Seria meu viver qual campo verdejante,
Que exala doce cheiro quando está molhado,
A semear o pranto em forma de poesia,
Eu levo dentro em mim a dor da nostalgia,
Cantada em tantos versos, tantos mitos, lendas!
Caí, ó, nostalgia, nos teus véus e rendas,
Nas fendas das saudades, da melancolia
Daquele mui distante e tão ditoso dia
Que recebi dos Deuses tão sublimes prendas!
Das prendas que, na vida, recebi dos céus
De todas, a melhor, foi conhecer o amor
Que hoje vive em mim em forma de saudade...
E se distante vai a minha mocidade
Replena de paixões, de sonhos, de fulgor,
Agora eu tenho a ti, os teus sedosos véus!
Na boca o beijo que ninguém beijara
Ficara ali perdido pelos cantos,
Em meio a mil desejos, risos, prantos
Que escorreram sobre a pela clara.
No insaciado corpo mil desejos
Queimara como as lavas de um vulcão,
Retidos entre sonhos de paixão,
Por entre os véus d’olhar de tantos pejos.
Perdeu-se, só, no tempo, nos seus mantos,
Em meio a mil desejos, seus fulgores.
Nos vãos dos sonhos que, em vão, sonhara...
E assim a sua vida se passara,
Passaram seus encantos, seus verdores,
E até os seus pudores, que eram tantos!
E foi assim que tudo teve início:
e o espaço, pela cruz, foi consagrado,
em nome da amizade, benefício,
o brinde que, ofertado, trouxe o vício...
O território logo conquistado!
Com sangue se lavou toda essa terra!
E proclamada foi a “Santa Guerra”,
que logo se espalhou pelos espaços...
Oh! América indígena! Que sorte!
O espelho se quebrou de sul a norte,
Restando pelo chão seus estilhaços
Falar do pantanal mato-grossense,
É misturar-se a íntimos espaços,
Perder-se no silêncio e no suspense
Dos lagos, das baías, de seus braços!
No espaço belos pássaros revoam
Deixando seus ninhais no alvorecer,
E os mais singelos cantos sempre entoam,
Fazendo toda a vida renascer!
Sorver as águas calmas, murmurantes.
Rever os tarumeiros, nas floradas,
Mirar os tuiuiús tão majestosos!
Provar de seus pescados abundantes,
Das garças, ver os vôos encantados...
Perder-se nos seus braços tão dengosos!
vim cantar por precisão,
falar da nossa nação,
de gente que sofre e chora
nas mãos de quem ri e explora:
índio, negro, quilombola,
idosos que pedem esmola,
crianças prostituídas
nos bares, nas avenidas,
onde muitos cheiram cola.
Cortei matas e cerrados
Vi coisas que nem se crê,
E não se vê na tevê,
Pois todos ficam calados,
P’ra proteger os errados,
Que tiram do pobre o pão,
Seu pedacinho de chão,
seu roçado, porco e gado,
beira de rio cevado,
e gritar não pode não.
Vi criançinha faminta,
E seus pais desesperados,
Os velhos tão mal tratados,
Por gente de boa pinta,
Que se diz muito distinta,
Mas que não vale um tostão,
Por não ver co’o coração
A humildade dessa gente,
que vai ficando indigente,
sem terra, sem lar, sem pão.
Vi trator passar por cima
De lares de tanta gente,
Vi tanta coisa indecente,
Rio abaixo e rio acima
Que quase me desanima,
Mas logo olho no espelho,
brandindo na mão um relho,
jurando enquanto me fito,
soltando no ar meu grito:
Ninguém me dobra o joelho!
Eu não vou parar a luta,
nem abandonar meu dom,
de cantar em alto tom,
a lida e a dor, vida bruta,
de quem a terra disputa,
durante a noite e de dia,
sem ter na vida alegria,
que chorando a terra ara,
co'o sol ardendo na cara,
de tanto que ele alumia.
O que eu vi, ó, meus senhores
no meu repente não cabe,
mas antes que ele s'acabe,
vou dizer, sem ter pudores,
com todos os tons e cores:
Que vergonha, ó, meu Brasil,
que sob o teu céu d'anil
tanta injustiça se veja,
enquanto bebem cerveja
aqueles que tramam o ardil.
Voltei de longe, distante,
Pro Mato Grosso querido,
E muito tenho aprendido,
E ensinado ao visitante,
Que passa e segue adiante.
De sua história aprendi,
No papel, com o que ouvi
Das gentes de antigamente,
Colhendo muito semente,
E que agora planto aqui.
Oh! Gente! Só um instante,
Eu muito tenho aprendido
E muito tenho insistido,
Pois quero passar adiante,
Porque vi coisa chocante
Com índio, com quilombola,
Que não pedem uma esmola,
Só querem o que é direito
E que negar não tem jeito,
Pois nem tudo se patrola.
Dos índios ouvi demais
Palavra triste: chacina!
Que direito não se ensina,
Como acontece, jamais...
Aqui teve e foi demais,
Nem sei como o povo agüenta
Reduzido só a cinqüenta:
Ikpeng e Tapirapé,
Cinta Larga, Javaé,
Sofreram triste tormenta!
Citar todos que se sabe,
Que vil chacina, sofreram,
Dos milhares que morreram,
Nesse repente nem cabe!
Morte na ponta de sabre,
De tocaia e muito tiro,
Sem tempo de dar suspiro,
Com aldeia toda queimada,
Com roupa contaminada,
Ou com veneno certeiro!
Essa história é recorrente,
É coisa da mais comum,
Mas não se prendeu nenhum
Até a data presente...
Mas existe, minha gente,
Alguns povos renascidos,
Com seus filhos já crescidos.
Das cinzas eles voltaram,
Do sangue que derramaram,
Naqueles tempos já idos!
Tem tanto negro sem terra,
Tem tanta terra sem gente,
Que já sofreu na corrente,
E já enfrentou tanta guerra,
Que tanta história encerra...
Morreu de banzo e degredo,
Isso não é mais segredo,
Foi sangrado com chibata,
No cativeiro e na mata,
Que nem cabe neste enredo!
Dos outros, ama de leite,
Sem alimentar seu filhinho,
Sem dar-lhe amor e carinho,
Sem ninguém que a respeite!
E o patrão, só por deleite,
Tinha tanta concubina,
Moça bonita, menina...
Seu amado na corrente,
Um pobre sobrevivente,
Da morte na guilhotina.
Afro-descendentes clamam
Por seus direitos, por chão,
Pra fazer sua plantação,
Viver também junto aos seus,
Ao pranto dizer adeus...
Fazer farinha e melado,
Com seu filhinho do lado,
Com dinheiro no embornal,
Com seu saber ancestral,
Sem, por patrão,ser mandado!
Eu vim aqui bem contente,
Toda cheia de esperança,
Que com força, com pujança,
Brote em ti esta semente,
Que plantei, neste repente,
Dentro de seu coração,
Com carinho, com emoção.
Que cresça bastante forte!
Não cantei só por esporte,
Só canto por precisão.
Minha gente eu vou m’embora
Agradeço ter me ouvido,
Bastante tenho sofrido,
Meu senhor, minha senhora,
Muito já falei, embora
Tenha muito pra contar,
Prometo que vou voltar,
Pra contar mais da história,
Que eu trago em minha memória,
No meu pobre versejar!
Eu clamo por Mato Grosso,
seus cerrados e seus rios,
pantanal que é um colosso,
seus recantos mais sombrios...
Da coruja, eu canto os pios,
das garças seu alvoroço,
os tuiuiús nos baixios!
Eu canto tudo que é nosso,
por meses, anos a fios...
Do jeito melhor que posso.
Canto suas matas densas
sua formosura infinda,
bem mais belas do que pensas,
ou nem conheces ainda!
A natureza nos brinda
com emoções tão intensas...
Poesia que nunca finda
em suas terras extensas,
cachoeiras tão imensas
Sua lua cheia, linda!
O Cuiabá que coleia
por entre campos, cerrados,
brincando então serpenteia,
nas planícies, alagados...
E quão belo é na cheia!
Espelhos d'água, banhados,
que o sol a pino clareia,
seus recantos encantados,
negrinho d'água cerceia
pescadores abusados!
Tristezas canto também
que conheci nesses lados,
tanta gente que é refém
dos mais ricos, abonados!
Os frágeis dizem amém,
na sarjeta, abandonados,
sem contar com mais ninguém
pra lutar por seus bocados,
sem ter no bolso vintém,
vivem tristes, tão calados!
Tem pouca gente com terra,
de latifúndios, senhores,
tanta ganância se encerra
nesses poucos vis atores!
E tanta gente que erra
ou anda nos corredores,
por entre o gado, que berra!
Ninguém ouve seus clamores
sua dor ninguém descerra...
São tantos seus dissabores!
Povos indígenas tantos,
de línguas tão diferentes,
cada qual com os seus cantos,
seus deuses, sagrados entes...
Dispersos em seus recantos,
da vida, plantam sementes,
dos ancestrais sacrossantos
com seus cantos tão candentes!
Mas só lhes causam espantos,
as ganâncias dessas gentes.
E negras comunidades
chamadas por quilombolas,
nos campos e nas cidades,
que não aceitam esmolas!
Lutam contra atrocidades,
por terras e por escolas!
Pelas suas divindades...
Lutando contra pistolas,
por direitos, liberdades...
Contra mil grilhões e argolas.
Tem também os ribeirinhos
- gente humilde, mas honesta -
que honram todos vizinhos,
senhores de tanta festa!
Suas vidas têm espinhos,
como quem conhece atesta,
peixes só em bocadinhos,
e quase nada lhes resta...
No entorno tanto mesquinho,
tudo tira, nada empresta!
E suas gentes de outrora,
índios, negros e cafuzos,
pouco espaço têm agora
e sofrem grandes abusos,
de quem só tira e explora,
por caminhos bem obtusos...
Que a terra toda deflora
para os mais diversos usos...
daqueles que são exclusos!
Eu já disse por que vim,
já registrei meus clamores,
Eu não disse tudo, enfim,
de suas gentes e dores...
Hás de se lembrar de mim
pelos caminhos que fores,
pois na vida não tem fim
As tristezas e esplendores...
Canto aqui deste confim,
vivendo seus bastidores.
Minhas lágrimas são folhas
Derrubadas pelos ventos...
Flutuantes como bolhas
Nas matas dos sentimentos
Rolam sem fazer escolhas
Caindo ao léu, sem alentos
Minhas lágrimas são folhas
Derrubadas pelos ventos.
Oh! Vento que me desfolhas
Nestes dias tão cinzentos
Deus queira que te recolhas
Pondo fim nos meus tormentos!
Minhas lágrimas são folhas.
Senhora mia, vos peço
Quem vos fala é um trovador!
Eu sou pobre e não mereço
Nem falar-vos desse amor...
Se ouvirdes os meus versos,
Minhas trovas, minha lira,
Meus sonhos neles imersos
Falar-vos-á quem suspira
De paixão no reino vosso,
E que sofre, que delira.
Aqui estou a cantar
Vossa imensa fermosura
Vosso mui sereno olhar,
Tão repleno de candura...
Oh! Senhora, com respeito,
Eu versejo vossa alteza,
Vosso altivo e nobre jeito,
O vosso encanto e beleza!
Sou vassalo trovador
Que muito vos tem amor!
2 comentários
Parabéns querida amiga epoetisa Edir, que suas palavras possa aquecer corações humanos, que de certa forma num mundo tão frio estão a vagar.Bjs Luciana Saldanha Lima
Oi, Edir, que bom lhe encontrar aqui, querida! Seus versos são lindos e eu sou suspeita, pois sou sua fã! Rss! Vou ficar hoje com o Soneto da Saudade, toca demais a minha alma, emociona-me! Parabéns! Um beijo!
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