Silas
Correa Leite. Educador,
Jornalista Comunitário e Conselheiro em Direitos Humanos, começou a escrever
aos 16 anos no jornal “O Guarani” de
Itararé-SP. Fez Direito e Geografia, é Especialista em Educação
(Mackenzie), com extensão universitária em Literatura na Comunicação (ECA).
Autor entre outros de “Porta-Lapsos”, Poemas, Editora All-Print (SP) e “Campo
de Trigo Com Corvos”, Contos, Editora Design (SC), obra finalista do prêmio
Telecom, Portugal 2007, e “O Homem Que Virou Cerveja”, Crônicas Hilárias de um
Poeta Boêmio, livro ganhador do Prêmio Valdeck
Almeida de Jesus, Salvador Bahia, 2009, Giz Editorial, SP. Seu
e-book de sucesso “O Rinoceronte de Clarice”, onze ficções, cada uma com três
finais, um feliz, um de tragédia e um terceiro final politicamente incorreto,
por ser pioneiro, foi destaque na mídia como O Estadão, Jornal da Tarde, Folha
de SP, Diário Popular, Revista Época, Revista Ao Mestre Com Carinho, Revista
Kalunga, Revista da Web, Minha Revista (RJ). e também na rede televisiva,
Programa “Metrópolis”/TV Cultura; Rede Band/Programa “Momento Cultural”; Rede
21-Programa “Na Berlinda”, Programa “Provocações”, TV Cultura/Antonio Abujamra.
Por ser única no gênero e o primeiro livro interativo da Rede Mundial de
Computadores, foi recomendada como leitura obrigatória na matéria “Linguagem
Virtual” no Mestrado de “Ciência da Linguagem” da Universidade do Sul de SC. Foi
tese de Doutorado na Universidade Federal de Alagoas (“Hipertextualidade, O
Livro Depois do Livro”). Texto acadêmico no link: http://bdtd.ufal.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=197. Premiado
nos Concursos Paulo Leminski de Contos, Ignácio Loyola Brandão de Contos; Lygia
Fagundes Telles Para Professor Escritor, Prêmio Biblioteca Mário de Andrade
(Poesia Sobre SP), Prêmio Literal (Fundação Petrobrás), Prêmio Instituto Piaget
(Lisboa, Portugal/Cancioneiro Infanto-Juvenil; Prêmio Elos Clube/Comunidade
Lusíada Internacional; Vencedor do Primeiro Salão Nacional de Causos de
Pescadores (USP), Prêmio Simetria Ficções e Fantástico, Portugal (Microconto).
Consta em quase 600 sites como Estadão, Noblat, Correio do Brasil, Usina de
Letras, Daniel Pizza, Wikipedia, Observatório de Imprensa, Releituras, Cronópios,
Aprendiz, Pedagogo Brasil, Jornal de
Poesia, Convívio, Itália, Storm Magazine (Portugal), Politica Y Actualidad
(Argentina), Poetas del Mundo (Chile), e outros, inclusive na África. Publicado
em mais de 100 antologias, até no exterior, como Antologia Multilingüe de
Letteratura Contemporânea, Trento, Itália; Cristhmas Anthology, Ohio, EUA e na
Revista Poesia Sempre/Fundação Bib. Nacional (Ano 2000).
Contato:
(escolhido um dos melhores do UOL em 2011.)
Poesias de Silas
Correa Leite
OUTONAIS
(Poemas de Outono)
ALGUÉM
Tem alguém vivendo a minha vida em meu lugar
MARMITA
A poesia
É a marmita do poeta
Arroz ovo repolho
E as barbas de molho
Na marmita
A dor a luz a desdita
Feijão arroz torresmo
A fome na busca de si mesmo
O poeta marmiteiro
Não se cabe inteiro
E então no poetar regurgita
A sua alma pobre de marmita
PESSEGUEIRO
Tinha um
pessegueiro e havia uma tosca cabana humilde num belo e forte galho dele. Eu às
vezes era mandorová, outras vezes camaleão, no alto da árvore frondosa e
mágica. Até que um bendito dia descobri que o pessegueiro florido era a morte.
E o pessegueiro florido veio buscar meu pai.
POEMA
PARA CASTRO ALVES
Para
Antonio de Castro Alves (1847/1871)
In
Memoriam
“Depois dos Navios Negreiros /Outras correntezas”
(Um Trem Pras Estrelas) -
Cazuza, Gilberto Gil
Castro Alves, Castro Alves
Os navios negreiros agora são outros
Os periféricos escravos terceirizados também
E todos sobrevivemos a um “salve geral”
Em mares bravios de urbanas irrazões; de dezelo
público
Imbecilizadas humanas alojadas em estrumes palaciais
Entre espumas flutuantes de cervejas e esgotos, em
chorumes...
Castro Alves, Castro Alves
Os românticos hoje estão com AIDS
E se dopam e se prostituem entre carentes
(Do infame capitalhordismo americanalhado)
Ou são emos que se poluem em tantos antros
neomalditos
Afrobrasilis descendentes no sórdido neoliberalismo
De aspones entre usuários de craks, em cachimbos
marginais...
Castro Alves, Castro Alves
O índio, o negro – quem não somos –
Na mestiçagem de pobres amalgamados também
Seres irados que danças como se hienas
Todos filhos desse solo, dessas seqüelas históricas,
desenredos
Entre palácios de corvos do arbítrio e riquezas amorais
Samparaguai não conduz; é conduzido pelo crime
organizado...
Castro Alves, Castro Alves
Tudo é nojo, luto, falso - um horror
A injusta Pátria-Nada é só remorso oficial
“O auriverde pendão de minha terra” balança, balança
Mas nos perdemos de nós, perdemos a fé, perdemos a
esperança
De sermos parecidos com um país, um povo, uma nação
Terra de ninguém, explorados nessa pindorama de
maracangalhas...
Castro Alves, Castro Alves
Áfricas tropicais com suas gomorras
De palafitas, favelas, guetos, becos, cortiços
E vamo-nos poetas malditos sem fúria; sem
compromisso
Que não o de te lembrar com tristeza em cantagonia e
temor
Há corrupção e impunidade sistêmicas, um horror
Pobres boiando em senzalas dos Sem Terra, Sem Pão,
Sem Cor...
(2011 – 164 Anos do Nascimento do
Poeta Castro Alves, que morreu aos 24 Anos em Salvador, Bahia)
RECOLHE
Depois que a mãe
morreu
Minhas ruínas
foram abandonadas
TARDINHA
EM ITARARÉ
Apito
Apito
Apito
O bagual do guardinha de trânsito
Engoliu um periquito?
REACORDES
DE “MINS”
01)-Vaga-lume boêmio morreu preso
Queimado na bituca de um cigarro aceso
02)-Borboleta no arame farpado que encilha
Ainda sonha liberdade para escolher a trilha
03)-O grilo no silêncio da noite que teceu
Agora bate cartão vigiando o breu
04)-Pardal prata na parabólica em fascínio
É mais importante do que a estrutura de alumínio
POEMINHO ITARAREENSE
Você Sabe o Que é?...
Você sabe o que é
Pegar um tomate maduro no pé
Mordê-lo, comê-lo, até
Aquele gostinho de frutalegume
Nas dobradiças da boca?
Você sabe o que é
Catar uma goiaba madura no pé
Arvorezinha carregada, um tropé
E você com aquelas sementezinhas
Crespas no céu da boca?
Você sabe o que é
Tirar uma pitanga vermelhinha do pé
Triscá-la nos dentes fazendo um forfé
Na contenteza da fruta silvestre
Pintando o céu da boca?
.........................................
Você não sabe o que é
Tirar estrelinhas do céu de Itararé
E logo ver verrugas no dedo em pé
Apontando para a amplidão que ri
Feito ter estrelas no céu da boca?
R
E B A N H O - De Quando Era Menino
De quando era muito piá, muito
guri ainda, e achava
Que tatu de nariz era maionese de
ranho verde-fedô
E que o sol sonrisal ia dormir a
noitinha
E mandava a lua de prata vigiar o
seu sonho
De sonhador pimpão...
De quando sonhava botar
suspensórios em cascavel
E achava que a bulha no porão era
o Batman roncando
Ou quando ouvia vozes e se
sonhava poeta
Para dar cria ao seu pequeno
rebanho de versos
De moleque pidão...
De quando achava que a sua
querida mãe era eterna
E que as estrelas eram sucrilhos
no céu de Itararé
Sabia que as flores bonitas eram
colhidas primeiro
E que figo maduro tinha zíper com
carnegão
De se pegar com a mão...
De quando era muito curumim e
queria porque queria
Estudar, aprumar oficio, virar
gente grande, escritor
Ouvindo os causos e hinos do pai
músico, Antenor
No acordeão vermelho solando
Saudades de Itararé
Saudades do Matão...
Agora a saudade é sua... de um
tempo que se foi e agora é
Um retrato na parede da memória
que ainda dói, Itararé
O menino cresceu, virou gente
grande; tudo em vão
Porque ainda esconde uma criança
no coração
Vestida de ilusão...
COISAS DE POETA
Quando acabar a tinta Vermelha/Da canetinha Bic/O que escreverei da
vida?/Escreverei com lápis/Até gastá-lo/E também desenharei/Estrelas,
caramujos, pêssegos./Acabando o lápis/Como escrever/Os mistérios do
amor/Pássaros, flores – e ilhas?/Escreverei com carvão/E então porei/Preto e
branco nos poemas/Tristes, como eu me sou/Acabando o carvão/O que farei/Sem ter
como me registrar/Na aquarela do mundo?/Gritarei por socorro/Chorarei/-Minha
vida por uma caneta!/Um lápis, um computador!/(Escreverei na
mente/Decorarei./Arquivos no cérebro/Registrarão os pertences)/Cortarei o meu
dedo indicador direito/E com sangue escreverei no meu peito:/Nasci para
Escrever/POR FAVOR, DEIXEM-ME VIVER!
POEMA
- DOWNLOAD (GUENIZÁ)
-Você tem um aparelho de TV
Para chamar de LAR?
(Em Pasárgada não há aparador de grama)
-Você tem um computador de bordo
Para chamar de LAR?
(Em Shangrilá não há ópio ou cocaína)
-Ah o nosso amor e ódio eterno!
(Civilização humana? – Boa idéia!)
Você tem um rotavirus smartphone
Para chamar de LAR?
(Para a morte não há pen-drive ou cabo USB)
Você tem uma amante como avatar na web
Para chamar de LAR?
-O que é que você realmente tem?
-O que é que você realmente é?
Que não-lugar é um LAR?
Quem é você? (O que você vai fazer disso?)
O que é um LAR? (No final feliz todos morrem)
Lar-lágrima-lugar...
(Estamos seguros em algum lugar?)
-Sangre os seus passos...
Nasci – Mas com um botão de EXISTIR quebrado
(“Exit” é mais embaixo
Quase sete palmos comendo capim pela raiz)
Minha pele-cela e meu lar epidérmico
(Vim para devolver!)
TV-LAR, doce lar – Sweet-Home Made in CIA
Minha vida-corpo meu lar – lugar de angústias e neuras
E, acessórios pré-qualificados de coiso
(Bill Gates o nosso pai adâmico de lares que se acoplam?)
-Ninguém está segurando a minha mão agora...
Você não está seguro nem com você
Sem conexão, nem para existencialiar o kit-vitae mix
(Os exércitos agora são tecnologias
Você tem que seguir o chip da placa-mãe: range e agoniza)
O download é mais embaixo...
Baixo arquivos para sobreviver.
Meio que sigo rap-zumbi feito um guenizá do limbo...
V
A C I L A G E N S
Catequeses
Misturebas
(Para Marilena Chauí)
“Nunca fomos catequizados.
Fizemos foi Carnaval...
”.
(Oswald de Andrade)
“Não fomos
catequizados...
-Fizemos foi
Carnaval”; um fuzuê
Um forfé – e,
amalgamados
O europeu o índio
e o negro
Que tudo acabou
mistureba bundalelê
.................................................................
Que
“catequizados” que nada
(Nem éramos ainda
pátria amada)
E somamos então o
crucifixado
Ao tupi-guarani
ninhal pelo nosso lado
Depois da
mestiçagem, do tropé
Nem cruz, nem
conversão ou fé
Dos mitos
trazidos da África mãe
Juntaram a
Aparecida do Candomblé
Não fomos
catequizados: qual o quê
(Quem essa
historicidade não vê?)
Macumba, capoeira
– a escravatura
E mais o
silvícola de alma muito pura
Foi um mosaico,
uma soma; aquarela
De terra em que
se plantando tudo dá
Da galinha luso
nauta ao mandorová
Foi uma patacoada
de encher o pacová
Mas que bendito
cristianismo que nada
(A exploração era
a triste cruzada)
Foi um Carnaval
só, a tal religião
Cana, ouro em pó,
vacilagens (na inquisição...)
O jeitinho brasileirinho
era um só
Do samba matreiro
ao qüiproquó
De José de
Anchieta à Marilena Chauí
Tudo um
antropológico e antropofágico rififi
Casagrande,
Senzala, cabocla babel
Mais a igreja
exploradora; um bordel
A conversão foi
cênica, só no papel
Do nativo ao
bandeirante-bandido, vil infiel
.............................................................................
Não irmãos meus,
não fomos catequizados
Entre arados – e
rudes assim, amalgamados
Fizeram um baita
carnaval tropical só
Ai pátria amada assim
usurpada de dar dó!
Do pindorama às
gerais, lusamérica, cafundó
E sambalelê:
derramas entre ouro em pó
(“Comunga
escravo, comunga que é “mió”)
Jeitinho
brasileiríssimo; do nativo matuto coió
De sangrenta
colonização, dessa quanta misturança vil
Sangrias e
chorumes pariram esse nosso “Puta Brasil!”
Desimportâncias –
Twitter-Poemas
O Ícaro pousou num fio de alta tensão e encontrou o nirvana
As paredes têm ofídios
Poeta é procurar ovos em pelos e ser salvo pelas metáforas
Em cada porto há um pedaço de eternidade
A agulha do poeta longe de Itararé, toca um vinil de pirilâmpadas
Quem não chora não se arma
Existir é colocar pingos em dáblios
Enterros são plantações de arquivos
Encontrou o amor no farol fechado. Nunca teve filhos. Deveria obedecer
aos sinais.
A morte não manda e-mail
Brincanças
Os endereços são estercos
Técnica de aproximação comigo mesmo: lesmo
A morte é uma desaceleração de partículas
A civilização humana às vezes é um pé no sacro
Fui atropelado pela existência
Quem nasce morto não nasce
A terra é o aterro sanitário do espaço, onde estão depositados todos os
vermes
Sou estrangeiro em meu próprio corpo
Silêncios cúmplices têm gerador próprio
Quando o mundo acabar eu volto para Itararé
Agulhas
A morte me deu um saxofone e disse, vá tocar tambor em Nova York
Minha vida é um livro aberto de mim sem mim
O sorvete sorriu para a groselheira seca, se derretendo todo
Escrever é voar com remos
Durante a TPM, converso com a minha esposa de mulher para mulher
O livro era bom, mas tão bom, que o leitor morria no final
Uma vez achei uma bolinha de gude no miolo de
uma jabuticaba vesga
Colabore com as autoridades: cometa um crime perfeito
Uma vez fui a um baile de fantasmas: eles ficaram com medo porque eu era
o único
Cheguei cedo para não ser surpreendido. No entanto, o meu rabo, de alguma
espécie de dinossauro, ainda balançava no cipó de Darwin
Condomínio Via-Láctea
A lua
nova sobre o arranha-céu
Com
rímel de nuvens e sorriso de miss
Não
sabe de janelas abertas
No
enorme Edifício Vulgata
De
arquitetura espacial.
O
edifício e o condomínio têm luas
Como
tem ruínas e alguns fantasmas
Da rua
olho todos os sinais
Janelas
abertas são ruas no breu
Muito
além do noturnal.
A lua
e o breu noturno no alto céu
O
condomínio e seus desenredos
As
luzes e as janelas abertas
Talvez
a Lua seja uma
Válvula
de escape sideral.
......
..................................................
No céu
noturno da cidade grande
O
prédio é só cimento armado
Mas a
lua é uma janela
No
Condomínio Via Láctea
Como
um jogo de pinball.
Declamar Poemas
(Para Regina Benitez)
Não
fui feito para declamar poemas
Ter
timbre, empostar a voz, tempo cênico
E
ainda dar tom gutural em tristices letrais.
Não
fui feito para decorar poemas
Malemal
os crio e os pincho fora
Para o
poema saber mesmo quem é que manda.
Não
fui feito para teatralizar poemas
Mal os
entalho e deixo que singrem
H
orizontes nunca dantes naves/gados.
Não
fui feito para perolizar poemas
Borboletas
são pastos de pássaros
Assim
os poemas que se caibam crusoés.
Não
fui feito para ser dono de poemas
Eles
que se toquem e se materializem
Peles
de pedras permitem leituras lacrimais.
Não
fui feito nem para fazer poemas
Por
isso nem cheira e nem freud a olaria
Apenas
uso estoque de presenças jugulares.
Não
fui feito eu mesmo. Sou poema
Bípele,
cervejólo, bebemoro noiteadeiros
Quando
ovulo sou fio-terra em alma nau.
Poema do Cego Pulando Amarelinha
(Para
Alberto Frederico Correa Santos)
O cego
pulando amarelinha
Toma o
anjo pela mão
Você
só vê o gesto táctil do cego, não
Vê
jamais o anjo na sua condução
Em
cada estágio de saltar sem pisar na linha.
O cego
pulando amarelinha
Parece
flutuar num balé
E
sonda-o a rua de Itararé inteirinha
Perguntando
o que nele enseja tanta fé
Céu e
inferno; o cego parece que advinha
O cego
e a sua amarelinha
Parece
um milagre até
Toma-o
pela mão o anjo; o cego se aninha
E pula
e salta e vence e acerta o pé
Talvez
porque céu ou inferno só dentro da gente é.
Forfé de Pião Rueiro
A
madeira na mão um toco de imbuia cheirosa
Pedindo
pro Jora da Marcenaria Estrela tornear
O pião
pra jogar com a gurizada na rua descalça
Que a
fieira tinha tirado de uma cortina de casa
O Seu
Jora só perdeu um instantinho-prosa daí
Surgiu
o pião rombudo qual coxinha de frango
Marrom
lixado e um prego sem cabeça na ponta
Pro
bicho correr doido como a bailar fox-trot
O pião
na mão e o movimento no colo da idéia
Rua
cheia de piás guris moleques curumins até
O sol
de Itararé rachando revólver de mamona
Gibis
do Flecha Ligeira na mão e tarde ardendo
Então
a fila pra assistir a inauguração do pião
O
coração tamborilando rabo de olho na mira
Enrolei
a fieira na bundinha do pião maroteiro
E fiz
panca de Burt Lancaster depois da maleita
Soltei
o pião lazarento (que apelidei de Garrincha)
E ele
foi de bubuia e fez reviravolteio na Rua Capilé
Foi um
deus-nos-acuda dos guris serelepes torcendo
Pro
meu pião querido ir de vareio no rio da bosta
Mas o
caipora lazarento fez fricote zumbiu e parou
Na
minha mão direita como uma roseira de brincar
Eu era
criança e Itararé tinha uma barulhança pueril
Cresci
virei peão de pegar no batente e fazer poemas
Poeta Escolhendo Feijão
"Um
poeta escolhendo feijão/
N o
parece nada poético/
Antes,
piegas; na ótica vão/
Onirismos
- metáforas do imagético/
Que
pedaços ali se haverão/
Como
palavras, no profético?/
(Que
caldo na imaginação/
A
situação até como arquétipo?)/
Um
poeta escolhendo feijão/
Está
em lavração errada/
As
palavras ali não se serão/
Num
peneirar de pedra limada/
Por
isso os carunchos ficarão/
Além
da situação impensada/
E
nesse oficio ele é aleijão/
Como
um porco, na feijoada"
A Identidade da Dor
(Poema Para o Centenário da
Imigração Japonesa)
Hiroshima
ainda está lá
Como
um espelho
Uma
bomba não mata uma cidade
Uma
identidade-povo
Uma
idéia-espaço
Nagazaki
ainda está lá
E
reflete Hiroshima
Não
pela radiação mas
Pelo
que ambas foram e serão
Restos
de Hiroshima
Ainda
são Hiroshima
Como
escombros de Nagazaki
Têm
uma identidade silencial
Ninguém
mata Hiroshima ou Nagazaki
Ninguém
mata a vida
Ou uma
identidade histórica e espacial de vida
A
bomba não mata a dor
Do que
restou da guerra
E essa
dor que doerá infinitalmente
Será
Hiroshima
Será
Nagazaki
Porque
a paz confere a dor
Perpetrada
na lágrima
Como
um desenho arquitetural na saudade
Que a
luz lê em sangue
Nas
flores de cerejeiras
Como
haicais, no átomo
La Vie En Rose
Leminski
morreu de poesia
Ou de
cirrose; se vivo fosse
Naturalmente
um outro seria
Talvez vencedor de posse
Caetano
que fugiu pra Londres
Não
morreu e se socorre
A
escrever bugigangas hoje
Como se nunca existisse
Hendrix,
Joplin; até Cazuza
Se não
morresse o que ser ia?
Lupíscinio
não se fez num dia
Só no infinital da boemia
Renato
Russo, Torquato, Capinan
Um
parafuso a mais tantas vezes
(Ou o
anonimato de uma neura vã
Em celeiros de burgueses?)
A vida
é cor-de-rosa na juventude
Depois
o decrépito vive amiúde
E na
velhice a arte louca vegeta
Artista, vanguardista, poeta
........................................................
Morrer
criando toda glosa
Em
verso e samba e prosa
Foi o
clímax de Noel Rosa
Idolatrado
Morrer
de velhice por aí
É
muito triste ao condena do
Feito
Caimy ou Cauby
Cada
um de si mesmo em si
Beirando
ser esclerosado.
Melhor
morrer no auge a criar, de overdose
Jovem
portentoso - no suicídio ou na cirrose
Ou
restar-se à decadência vil, pobre coitado
E à
existência reles e comum ser condenado
Tomar Chuva
Algumas
vezes existi.
Algumas
vezes tomei chuva.
Mas
quando tomei chuva eu me senti um átomo da água e ali
Fui
rio, nuvem, relâmpago, açude, cisterna, foz e quase voei.
Porque
tomar chuva é integrar-se à natureza, ser parte dela
Conjugar
o verbo haver no sentido mais pleno de seu assento
Eu a chuva e até algumas
lágrimas de alegria, êxtase e contentamento
Como
se a minha alma-árvore se lavasse por dentro...
E fui
chuva e guri e mar e senti minha alma flutuar numa nuvem-nau
Porque
eu era a maravilhosa Chuva naquele bendito magno momento
Então
a chuva me reconhecendo como parte dela (que o meu espírito o é)
Parou
de ser peneiradinha naquele tardiscar cor de rosa-pitanga de Itararé
E o
lírio-laranja do sol se abriu e eu me vi ali
No
fio-terra, o guri
Angelicalmente
de alma lavada
Pronto
para enfrentar a cara amarrada
Da
vida distante que em busca de mim mesmo a peregrinar escolhi.
Resenha
A
Prosa Cáustica de Antonio Cabrita no Romance “A Maldição de Ondina”
“... A minha principal certeza é o chão em que se
machucam os meus joelhos doloridos/Mas todos os que vierem me encontrarão agitando
a minha lanterna de todas as cores/Na linha de todas as batalhas...”
(Deslumbramento
– Manoel Lopes)
-Como quem não
quer nada, de forma cáustica, irônica ou circunstancialmente poética, aqui e
ali navalha no palavrear-carne humana (relações e escombros), o autor
lusoafricano ANTONIO CABRITA no romance “A Maldição de Ondina” vai levantando
lebres/corvos/rinocerontes (acontecências...), apontados trilhas escamosas,
como se num desdizer todo próprio e único que abrisse em lascas, repentes
nem tão repentes assim, achacadouros – tiradas como se falas-tirinhas de
histórias em quadrinhos permeadas no contexto – e vai levantando os panos, os
bichos (as lebres...), de seu narrar atrevido, ousado, parecendo como se
descompromissado, aqui e ali, variando, mas a pegar o leitor pelo sem-pulo de
parágrafos imbuídos no texto que são jóias preciosas, e, às vezes, por que
não, atiçadas pérolas aos porcos dos contextos, mesmo ainda assim, ele
mesmo, como se com a tal da própria “maldição de Ondina”: subindo à tona
do charco humano. Para respirar a luz do que cria;cria no oxigênio do dizer e
desdizer atrevido, quase claustrofóbico, a contar e assim se fazer também
periscópio de seu tempo-lugar, ele mesmo um “Ondina” submarinado de ser um
golfinho-escritor no mar de sargaços da vida muito além da imaginação... E a
realidade ainda dói, moendas e engenhos de seus prismas...
-Roteiro de
entrelinhas, desapegos de fogo, aforismos homeopáticos a sangue frio, e,
afinal, janelas-paredes, colônias-nós-mesmos, lusoafricanos, marfins e
estrumes, párias e sombras, ombros e desordens íntimas, travessias e fronteiras
malditas como legados campos minados de domínios amorais. A áfrica somos todos
nós, a espécie humana/desumana? Maldição adâmica numa áfrica ancestral perdida
nos tempos da história incabida de sofrências?
-Maldição de
Ondina destrincha (esparrama) o amor-açougue de almas. “Perfídias?” - “É um conto largo espalhando as suas metástases”, teria
dito o autor sobre o romance. Quixotescamente os sobreviventes que nunca acabam
sãos, contam as contendas de proprio coldre. Vários pontos de fuga inrompem no
romancear, novelar, vinagres de almas brutas, perdidinhas, como ovelhas
desgarradas no redil das aparências. De novo a tal da maldição de ondina
impregnada no escrever/criar/sentir do autor? Moçambique sangra por seus
horizontes e seres atiçados. Que bicho-de-prata morde as missangas de quem
escreve nesses cantões, carunchando ideias, reativando outras, pondo olhares
desesperados em situações irreconhecivelmente humanas? Ah o caos se acostumando
ao delirio de fazer parte dele, nem ócio de oficio, nem inutensilio
desvairado... O império, o colonialismo, soslaios de ressentimentos,
polos-rancores, poros-expressões de sequelas...
-Alta sensibilidade (fio de navalha) turbina o tresloucamento literário
que vanguardeia de ser vivíssimo de dar dó, de dar susto, de ler e ficar
com medo da próxima página de enfabulação e retórica estridente. É o artista
que migrou de Portual pra África, e dessa áfrica que agoniza a derrama do pós-império...
A miséria e a violência estetizadas... Ainda range a áfrica... Miseris Nobilis
rogai por nós!
-Nada é perfeito e acabado, e tudo está podre, penso, ao ler “A Maldição
de Ondina” de Antonio Cabrita, paradoxalmente parafraseando o poeta-dramaturgo
Bertold Brecht. Vidas desterradas que se cruzam. Palavras cruzadas em
disparidades de coexistências sofridas, incompletas; fugas íntimas e
externas. E as estórias em linhas paralelas, um crime, os estranhos jos
ninhos. Um professor (Cesar) escritor de romances policiais. Moçambicano. Raul,
um amigo, policial com faro fino. Beatriz, mulher-vitima de Cesar, nas
incompletudes das lidas acadêmicas. Argentina, amante de Cesar, pavio curto.
Aurora – a metáfora da obra a clarificar relações? - antiga ama-seca com sua
dor (aleijamento), e outros desperdícios de vidas entre seres entrevados vão
semeando vacâncias existenciais no romance.
-A oralidade mapada da obra, datada na narrativa, intercalada de
pensagens (pensamentos-mensagens) que mais são ironias e sacadas – as tirinhas
de histórias em quadrinhos de jornais – mais as ratazanas de dentro e de fora
do poder. Que meia mentira é meia vardede? Os miseráveis de sempre à míngua. Os
flashs se intercalando a desditas, sonhos, ilações, memorias desterradas,
chagas e cegueiras, emendas e reconstruções de. Tudo é exilio de. A áfrica toda
não é um exilio continental? E há a diáspora intima de cada um. A consciência
africana pesada na balança da historia é achada em falta. Mágoas ressentidas
dão o que criar. A mão que balança o berço da ciivilização é salmoura pura?
Fica a imagem-ideia. Ah mares de um período colonial... quanto de teu sal...
são lágrimas de remorso de um antigo Portugal?... Toda colonizador ficou rico
impunemente. E as colônias ainda (bem que) sangram artes pelo ladrão...
-Mas as cicatrizes ainda purgam... São tantos os fantasmas. E os fósforos
das criações iluminando cada recanto-divisa/fronteira do mundão africano para o
mundão sem porteira todo, amoral globalizado. Salvos pela arte historial, desde
as escritas das cavernas aos escritores que destravam caverna de olhares
estrambólicos, lúcidos, portentosos? Que honra há, em partilhar o inferno – com
seus traficantes de sombras – o que afinal soçobra? – A ressaca e a paranóias
aos quatro ventos, condimentando infernos infinitos e particulares. O jogo de
bisonhos biombos da vida? Mundo cão.
-“Dá medo fechar
os olhos num mundo em que as gotas de chuva não são inocentes” – Pg. 237.
-Rita Hayworth
dança um fado no limbo. A lua universal da mama áfrica sangra. Feridas acesas.
A escrita de Antonio Cabrita desengarrafou a alma da África na literatura que
vingou muito além de flagelos.
-Por isso o
romance A MALDIÇÃO DE ONDINA é, por assim dizer, de domínio público desde
sempre. E a obra fez-se carne. E a carne ainda ramifica os veios de contações
da terra-mãe. E dos filhos deste solo. A fava-rica é para quem surta?.
“Estamos juntos!”
Silas Correa Leite
Todos os direitos
autorais reservados ao autor.
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