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Era uma vez uma frase - Tatiana Carlotti

Era uma vez uma frase

Certa vez ouvi uma frase, dessas vadias de fim de noite, quase ressaca, já neblina. Frase feita para ser esquecida não fosse a cabeça da gente esse devorar de um buraco negro.

Lembro que havia vinho. Um homem bonito. Luz laranja de tão amarela. E um garçom querendo nos expulsar, sobreviventes da madrugada quente, aquele zumbir das horas asas.

Em outras palavras, era o momento de pegar ou largar. Ser ou não ser. Ficar ou sair. Bloquear ou sentir. Coisa de dois bichos, duas pernas e uma boca se olhando. Avaliando. Farejando. Enfim, ando...

Não, não deu em nada.
Mas isso não importa.

Como eu ia dizendo... Era ainda aquele exato momento, em algum ponto do tempo, quando ouvi uma frase que nunca mais saiu daqui de dentro.

Pensando bem, não havia vinho, nem luz tão amarela assim. Anos depois, começo a achar que foi dentro de um carro, na porta de uma casa ou vai ver foi na sala ou na cozinha. Mas, como nasce uma frase dessas na cozinha?

Reparem que ela não é só para amor. É frase coringa que gruda tudo. Devia substituir "muito prazer, meu nome é tal..." Porque anuncia o propósito secreto das coisas. Resolve a hipocrisia da modéstia. Desnuda a autosuficiência.


Na verdade, não é uma frase, mas uma pergunta. E vocês vão argumentar que toda frase é pergunta num ouvido mais atento... Ok, mas é uma pergunta afirmativa. Ou que pede pelo amor de deus para ser.

Mil vezes melhor do que "Hello Stranger" do Closer. Sem dúvida, a frase que o Marlon Brando diria. Mas, enfim, naquela noite (ou será que foi dia?) ele não era Brando, nem eu Schneider.

Éramos - e niguém sabia ainda - lembrança dessa frase, num lugar que nem sei direito qual foi, que ouvi de um cara que espero esteja vivo e passe bem. Dita assim, sem continuidade, nem história. Frase perdida nesse trechinho esburacado da memória.

Provavelmente vocês já ouviram coisas mais bacanas.

Eu também já, porque frase que é frase costuma ter boca própria, peso e aroma. Daí esse espanto meu tamanha lembrança. A boca era uma boca de estranho! Tão cheia de dentes. E assim seria não fosse... 

Enfim:

Era noite, um homem e uma mulher, pegar ou largar:


"O que de mim que ainda desconheço
 você vai me mostrar?"



Tatiana Carlotti - Balzaquiana convicta e amante das letras. Pulsa no Centro de São Paulo ao lado do Balzac, seu gato. Acredita na força da delicadeza e na densidade da leveza. Ama bastante. Ainda sonha... Sites: SobremargenS.


Todos os direitos autorais reservados a autora.

2 comentários

geraldo trombin disse...

interessante texto... interessantes essas frases que aparecem do meio do nada e se tornam tudo... abraços

Tatiana Carlotti disse...

Obrigada Geraldo!
Abraços!