“MUNDO GRANDE”, “TERRA PEQUENA” E CABEÇAS EM CONFUSÃO
Magistralmente, na música “Parabolicamará”, Gilberto Gil
resumiu aspectos da nossa era ao dizer: “Antes mundo era pequeno, porque terra
era grande... Hoje mundo é muito grande, porque terra é pequena (...)”. O jogo
metafórico se explica por ser “mundo” a construção imagética, cultural, a
relação entre os seres humanos no planeta, ou “terra”, a parte física, que
antes era gigante, mas, que devido à tecnologia e à velocidade de informação,
tornou-se pequena, sendo as distâncias percorridas em tempo inimaginável.
Nesse cenário de aparentes mudanças, velocidade e
inovação, entretanto, onde está a cabeça dos seres que habitam essa imensidão
de culturas e informações? Olhando a realidade que nos rodeia, parece que
continua naquela “terra grande”, sem entender a rapidez de tudo, ou ao menos,
sem ter sido dotada de condições de lidar com esse “mundo maior ainda”, em
franca e vertiginosa expansão. Explico melhor:
Se o presente é a era da informação, a pergunta é: quando
foi a era da formação? Se pensarmos que “in” é um prefixo que indica o
movimento que vai de fora pra dentro, pensamos que há necessidade de uma base,
dentro, para lidar com o que precisa ser interiorizado, o que precisa entrar e
alargar os horizontes do mundo individual, que compõe o mundo coletivo e
social. Isso não houve. A informação está posta, circula, passeia em ondas de
toda a ordem, mas não encontra as bases na cabeça dos indivíduos para se fixar
e significar. A solução apresentada para isso é sempre um remendo tecnológico,
como se fôssemos computadores obsoletos que precisam de HD’s externos cada vez
mais potentes para fazer aquilo que poderíamos fazer, se fôssemos dotados de
HD’s internos mais possantes, preparados. Sei que a analogia é simples, joga
com palavras, as repete, mas o que é tanta informação que dizem rodar o mundo
se não gotas de criação e universos de repetição, ecos que, contrariando as
leis da física, tem se propagado no vazio, no vácuo?
E nesse ponto, obviamente, chegamos à educação, formal e
informal. Li recentemente alguns comentário de alunos defendendo a privatização
das universidades e institutos federais como saída para a crise educacional. Se
tivéssemos um oásis de bom funcionamento das instituições de ensino superior
particular, eu entenderia a proposição. Mas não é o que há, obviamente, e nem
preciso comentar a mediocridade de boa parte das instituições privadas de
ensino superior (claro que não todas), que, dentre outras coisas, desconhecem e
negam aos alunos a pesquisa e a extensão (às vezes, até mesmo o mais elementar,
o ensino). Um indivíduo que vê nessa saída simples (e tentada pelos
neoliberais) a resolução para os problemas da educação brasileira está
enxergando a esquina, quando deveria estar olhando para os horizontes.
Ao longo do século XX foi dito à população que estar na
universidade muda a vida, muda a sociedade. Boa parte das pessoas quer estar
nelas e isso é bom. O problema é que foi omitido que estar significa não é
passividade, mas atividade. Estar na universidade e mudar a própria vida e, por
extensão, o espaço social é agir, atuar, lutar, aprender, transformar e mais
uma gama de verbos que sugerem ação, que sugerem participação. O resultado é
que faltou formação e a informação se perde, se distorce e faz mais mal que
bem. Não, não afirmo que se deva negar informação de jeito nenhum, em nenhuma
esfera, mas também não acredito que informação sozinha, como está sendo posta e
apregoada, seja o status da conquista do “mundo grande” que queremos e que nos
dá autonomia sobre a “terra pequena”, porque essa status é mentira, é falácia.
Indivíduos formados podem ser informados e, então, passar
a informar; indivíduos não formados são progressivamente deformados e se perdem
nas distâncias hoje incomensuráveis do “mundo grande”. O resultado é que,
aquele que deveria ser agente, se transforma em receptor e propagador.
Acreditando estar dotado do que precisa, com, por exemplo, uma calculadora na
mão, o humano não precisa aprender de cor a tabuada; com o google a frente dos
olhos, não tem mais necessidade de livros; abrangendo mais, com o título de
eleitor em dia, não tem mais necessidade de participar da sociedade em outras
instâncias, como por exemplo, em movimentos sociais.
Se antes, estar em casa era suficiente para conhecer o
mundo, não nos enganemos pensando que hoje essa realidade se mantem. A terra
pode até ter se tornado pequena, mas ela ainda precisa ser conquistada e isso
só se faz com ação, individual e social, com a ampliação do próprio mundo,
individual e social. Sem essa vontade e essa atitude, trocamos a “terra grande”
pelo “mundo grande” e, como os famosos seis e meia dúzia, nos tornamos só
expectadores enquanto a vida acontece. E ela vai acontecer, de um jeito ou de
outro. Resta a nós tomar essas rédeas na mão e darmos a direção, ou nos
perdermos, pecando por omissão, passividade e apenas aceitação.
Paulo Sesar Pimentel é graduado em Letras (Unemat/ Sinop-MT) e mestre em Estudos de Linguagem
(MeEL/UFMT). Publicou as coletâneas de contos Café com Formigas, Ângulo Bi (com
outros autores mato-grossenses) e o guia de leitura Dez Modernistas (com
Santiago Villela Marques).Atua como professor de literatura no Ensino Médio e
Superior em Cuiabá-MT.
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