ALÉM DA VERDADE E DOS MEDOS
Ela ainda sentia o gosto da pêra na boca. Há quase uma hora deitada na rede, macerava sua saudade e suas lembranças. Vez por outra, a língua transitava sobre os dentes procurando resquícios da fruta saboreada sem pressa. Exatamente como ela fazia há mais de oito anos com sua saudade. O olhar perdia-se entre as minúsculas folhas de hortênsia, replantadas no jardim formando uma letra do alfabeto. Somente ela sabia qual e para quem tinha plantado.
Brigava consigo mesma cada vez que tentava puxar pela memória se ele alguma vez tinha lhe trazido flores. Não conseguia ter certeza e isso a corroia mais, pois o medo do esquecimento, de perder suas memórias, seus sinais, sua legião de momentos especiais que a acompanhavam sem pedir licença ou terem vergonha de quem ela era, esse sim era assustador e a perseguia rindo pelas costas.
Já era noite quando se lembrou de que não era mais horário de verão e não tinha atrasado o relógio. O verão estava quase no fim e veio a lembrança da última vez que fora à praia, que tinha visto o mar. Seu peito torceu uma dor incontrolável e o choro guardado há tantos anos veio todo de uma vez, impiedoso. Pensava no mar e chorava mais desesperadamente ainda. Acabou adormecendo ali, na rede, às lágrimas.
O sol revelou-se forte na manhã seguinte. Os pássaros faziam a feira livre no café da manhã da pereira. As mudas de hortênsia confirmavam que tinham se firmado na terra e, com certeza, na primavera iam florescer magnificamente.
Maria de Fátima Venutti ou simplesmente Fátima Venutti. Paulistana de Osasco. Reside em Blumenau desde dezembro de 2002. Formada em Letras, escreve desde os 11 anos. Pág. na internet: Fátima Venutti.
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