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"Sob o mulateiro e as estrelas, uma história de amor com a arte" [Jane Uchôa]



"Sob o mulateiro e as estrelas, uma história de amor com a arte" 
   Pois foi. Jovens se reuniram sob a fronde desta árvore; e aconteceu. Quando madrugada, o clube surgiu. Era novembro, 22, 1954. E fez-se.
           Em uma tentativa de quebrar o marasmo cultural da cidade, o Clube da Madrugada na cidade de Manaus assim nasceu. Sob a proteção de um Mulateiro frondoso em uma praça chamada Heliodoro Balbi (Praça da Polícia) um grupo de poetas reuniu-se e ao amanhecer do dia decidiram formar um clube onde pudessem expressar sua poesia pois não tinham acesso à  Academia Amazonense de Letras por serem jovens e desconhecidos. Estes jovens resgataram a cultura amazonense que amargava a falta de livrarias e revistas, as novidades demoravam a chegar ou eram trazidas por quem viajava, e tais viagens eram raras devido as dificuldades econômicas da época.
           Manaus vivia uma momento de decadência desde 1912 após o Ciclo da Borracha, desprivilegiada geograficamente do eixo Rio-São Paulo e também historicamente dissociada da Colonização pois Portugal mandava recursos diretamente para a cidade anteriormente, Manaus estava só e desamparada em todos os aspectos, não havia vínculos anteriores que a fizessem crescer.
             Ao completar 30 anos da Semana de Arte Moderna de 1922 tentou-se fazer uma comemoração no Colégio Estadual do Amazonas D.Pedro II  e ainda foi difícil encontrar três jovens que se dispusessem a defender o Modernismo, pois  a fidelidade ao Parnasianismo e o Simbolismo ainda eram muito fortes entre os jovens.
           Como a cidade não oferecia nada para a juventude interessada em estudar o exôdo era enorme, as únicas faculdades eram de Direito e Agronomia. Nesta época Luis Bacellar que cresceu neste cenário estudou entre os 11 e 17 anos no Colegio São Bento em Sao Paulo, juntou-se a dois grupos de jovens poetas que resolveram viajar pelo país por conta própria em busca de conhecimento para recuperar o tempo perdido, viajaram para Nordeste, Sul e Sudeste (1951 e 1953) na ânsia de adquiri as novidades da cultura tão  escassa na cidade.
‘”Não restava dúvida quanto ao alheamento cultural desse punhado de
jovens, sequiosos por descobrir o verdadeiro chamado de sua existência.
(...) Nem os frutos benéficos da Semana de Arte Moderna de 1922,
haviam chegado ao conhecimento da Juventude.”” (TUFIC, 1984).

            A volta desta viagem rendeu um fruto fabuloso para a cidade, o grupo de amigos que constituía-se por : Celso Melo, Farias de Carvalho, Fernando Colyer, Francisco Ferreria Batista, Humberto Paiva, João Bosco Araújo , José Pereira Trindade, Luiz Bacellar; Saul Benchimol e Teodoro Botinelly reuniram-se sob um Mulateiro na Praca Heliodoro Balbi (Praça da Polícia) na madrugada de 22 /11/1954 e fundaram um Clube: o Clube da Madrugada.
           Em frente a Praça existia o Café do Pina onde os jovens intelectuais e reuniam e trocavam idéias. Poeticamente sob a árvore mulateiro constituiu-se o  escritório e sala de reuniões do clube, jovens debatiam a arte e criavam suas obras para depois divulgá-las pela cidade, tudo feito ao ar livre e sob a luz das estrelas e da lua. Eram tidos como bêbados, boêmios, desocupados mas não desistiam de seu intuito.            
          Outros membros chegaram ao longo das décadas como Jorge Tufic, Alencar e Silva, Carlos Gomes, L. R uas, Erasmo Linhares, Élson Farias, Astrid Cabral. e eram batizados poeticamente de Cavaleiros iniciados em todas as Madrugadas do Universo.
         O estilo também teve uma trajetória, começou com o neoclássico e depois foram admitindo-se outros como a poesia política, que apontava males da sociedade brasileira. Seu princinpal defensor foi Farias de Carvalho, em poemas do livro Cartilha do Bem Sofrer com Lições de Bem Amar; de 1965. Como  terceiro estilo apareceu a poesia telúrica aquela que fala do homem e da natureza da Amazônia. Autores como Luiz Bacellar (no livro Sol de Feira) e Elson Farias (Estações da Várzea, Barro Verde e outro).
          Mas a  prosa de ficção também fazia parte e encontramos  a narrativa ou regionalista. Arthur Engrácio é seu mais conhecido representante, com o livros de contos como Estórias do Rio e Restinga, além do romance Áspero Chão de Santa Rita.  Antísthenes Pinto, foi um poeta inspirado que escreveu sobre a mesma temática o
Romance Várzea dos Afogados.
          Como contistas de tendências diversão estão: Carlos Gomes ( Mundo do Mundo Vasto Mundo), Erasmo Linhares (O Tocador de Charamela e O Navio e outras Estórias), Astrid Cabral ( Alameda) e Benjamin Sanches (O outro e outros contos).
         Falando de sua proposta literária o grupo trouxe através de Jorge Tufic a Poesia do Muro que foi lançada pela página artística do Caderno da Madrugada em O Jornal entre 1965/1966, o objetivo era levar a arte até o povo, sob forma de poesia elas eram escritas em cartazes e expostas em stands  na Praça da Polícia, como aconteceu na I Feira de Cultura, em 1970, participaram José Maciel, que também fez seus experimentos na poesia concreta ou nos altos da Biblioteca Pública, onde funcionava a Pinacoteca do Estado (1971), com presença  dos poetas (Jorge Tufic, Alencar e Silva) e artistas plásticos  como (José Maciel e Van Pereira) tanto para a execução gráfica do poema quanto para a documentação visual do evento com filmagem.
       Esta proposta tinha como característica a aproximação com o povo abrangendo todas as classes, a arte ficou perto das pessoas dismitificando a idéia de que seria algo  assustador.
       Para demonstrar mais seriedade os intelectuais editaram seu manifesto sob a forma da Revista Madrugada onde imprimiam que eram representantes dos movimentos artisticos infliuentes do século XX e condenavam o atraso na cidade por causa das produções artisticas escassas e desatualizadas quase meio século.
         A partir da década de 60 decidiram conseguir uma sede e se vincularam com a União Nacional de Estudantes (UNE) e Instituto Geográgico do Amazonas (IGHA). Entre 1956 e 1960 foram publicadas 30 obras entre as cidades de Manaus e Rio de Janeiro, duas páginas de literatura e artes foram incluídas nos suplementos literários de “”O Jornal”” e “O jornal do Comércio” e a Primeira Feira de Artes Plásticas ocorreu em 24 de dezembro de 1963 na Praça da Matriz, nesta feira foram revelados os talentos Gualter Batista, Simão Assayag, Jair Jacquemont, Paulo D Astuto e Getúlio Alho.
          Em 1964 ocorreu a segunda feira de Artes Plásticas sob o comando de Francisco Vasconcelos. A feira aconteceu no térreo do Palácio da Cultura e se estendeu até a Praça da Saudade. Esta feira surpreendeu pelo surgimento de novos artistas e a afirmação dos anteriores.
            Os artistas premiados eram :Hahnemann Bacelar  que recebeu o primeiro lugar em Pintura, expondo a obra Cafuné (tendência expressionista), segundo lugar José Maciel (Contrição) e terceiro lugar Carlos Fonseca (Carro de Boi).  Com o desenho, foi premiado Jair Jacquemont e Gualter Batista que recebeu uma menção honrosa. Os trabalhos premiados continuavam em exposição em janeiro de 1965 numa das vitrines da Casa Mattos Areosa & Cia. Ltda., em homenagem aos artistas.
               Em 21 de agosto de 1966 acontecia a  III Feira de Artes Plásticas na praia da Ponta Negra. Sob o calor do verão Manauense, a III Feira expôs cerca de cem trabalhos de artistas locais, dentre eles gravuras, pinturas, desenhos e esculturas. A feira fora foi documentada com uma filmagem em cores por uma equipe de jovens cineastas amazonenses assim como aconteceu na anterior, os jovens eram: Felipe Lindoso, Raimundo Feitosa e Roberto Kahané. Este documentário ganhou  o título de Plástica e Movimento, produzido por Aluísio Sampaio, que tinha como meta  a exibição do documentário nos cinemas da cidade. Além de realizar os Salões Madrugada, manteve também uma galeria com exposições permanentes de artistas nacionais e estrangeiros, entre outras coisas.
                No quesito cinema houve documentários de curta metragem, festivais e mostras cinematográficas em intercâmbio com o Grupo de Estudos Cinematogéficos (GEC) Também no  campo das ciências sociais, conferências, como A Economia no Estado Moderno e Conceituação de Modernismo no Amazonas .
                Na Música houve várias apresentações no Teatro Amazonas, com espetáculos de músicas folclóricas e eruditas de autores pertencentes ao Clube da Madrugada. Os integrantes procuraram sempre manter as suas aspirações pioneiras, buscavam a exposição da arte com amor e lutavam por ela como o seu ideal de vida.
                 A ditadura tentou calar o grupo, não havia tanta liberdade como outrora, ficar embaixo do mulateiro de madrugada já não era tão seguro assim, houve intrigas, baixas, passou por muita censura mas resistiu ao tempo. Profeticamente um dia Tufic escreve:
Numa das ´´Notas Literárias´´ de ´´A Gazeta´´, fazíamos já referência
ao caráter passageiro dessas crises que, por outro lado, alimentavam, nos
cérebros contrários ao movimento, o desejo de vê-lo morto. Escrevíamos
então em data de 7.2.60, num tom quase profético: Não, amigos, o
Clube da Madrugada não morreu. Houve um princípio de hibernação que
toldou as manhãs com sua poeira cinzenta, seu ar nostálgico. A turma
enganou-se, e desse engano resultara o intervalo malsão semeado pela
descrença na luta, e as armas foram dependuradas, a tinta secou nos
tinteiros, e as ruas escuras foram gravando estas sombras curvadas em
cisma, caminhando cedo para casa. (TUFIC, 1984).

           A década de 70 foi marcada por um certo declínio do clube, os artistas já não publicavam tanto e faltavam expoentes novos, Jorge Tufic em 1975 lançava Faturação do Ócio e tentava resgatar a poesia do Muro, em 1979 é lançada Astrid Cabral com o livro Ponto de Cruz e Torna-se viagem em 1981, ambos livros de poesia. A poeta vem dar seu toque feminino com um novo olhar sobre o tempo e numa tentativa de resgate do passado.
           As tendências mudaram, os autores envelheceram e muitos se mudaram para o outro plano, a  coluna permaneceu nos jornais até 1985 e depois se extinguiu por alguns conflitos ,mas a lição ficou, a experiência e ousadia marcante de um grupo que acreditou no seu sonho e na arte, que lutou e fez história em um lugar que alternou momentos de altos e baixos, Manaus é eternamente grata a esta revolução que rendeu muitos frutos e resgatou sua memória literária, nossa terra tão marcada pelas artes e pela contribuição marcante da Europa merecia que alguém erguesse esta bandeira de luta pelo reconhecimento de suas obras e em nome do bem maior: a arte.
              De tudo que restou além de alguns poucos autores vivos, as lembranças, a contribuição para a arte, os registros ao longo do tempo, subsiste ainda o mulateiro, lá na praça, do alto de sua imponência olha para baixo e não mais vê os seus velhos amigos que se reuniam sob a sua proteçao, não mais ouve as histórias que ficarão guardadas para sempre consigo e que jamais transformarão-se em letras num pedaço de papel. O mulateiro existirá e será o símbolo de que o homem transforma sonhos em realizações e busca sempre o seu ideal nem que este lhe custe o empreendimento de toda uma vida.
             O mulateiro hoje mata as saudades ao ver na placa afixada próxima às suas raízes a lembrança de seus amigos que tanto lhe fizeram companhia nas madrugadas da vida.

Jane Uchôa.

Todos os direitos autorais reservados a autora.

5 comentários

ROGÉRIO CAMURÇA disse...

Excelente texto Jane Uchôa. O Clube da Madrugada estimulou outros encontros menores, envolvendo músicos, escritores, poetas e pensadores anônimos. Nos anos 1970 não existia a mídia atual nem os incentivos culturais do Estado e da Prefeitura. O Saber girava em torno dos encontros noturnos e boêmios no Bar do Armando, no Caldeira, no Katkero entre outros pontos de encontro. Empresários, advogados, políticos, entre outros, se misturavam ouvindo os recitais, boa música popular e discursos regados a muita cerveja e uísque. Seu texto é um resgate de um tempo que se perde no passado da nossa cidade.

Rogério Camurça

Angela Togeiro disse...

Parabéns pelo resgate da memória literária, alicerce do hoje.
Angela Togeiro, Belo Horizonte/MG

Anônimo disse...

Recebi este texto e era uma madrugada estelar. As estrelas enchiam o céu de Brasília. Sinal de poesia no ar. O título me chamou atenção: referia-se ao mulateiro e as estrelas. Completava com outras palavras do meu trabalho criativo: "história/amor e arte". Li e reli. Escrevi um comentário espontâneo, tão espontâneo que sumiu e foi morar com as estrelas.kkk Acho que ele se encontrou com as estrelas Jane Uchôa. O que eu quero reforçar neste comentário é que seu texto é de grande importância histórica e literária. Continue seguindo seus lampejos inspirativos e assim outras histórias de amor e arte emergirão. Abç Onã Silva

Anônimo disse...

Mais uma vez a nossa escritora Jane Uchôa nos surpreende com um belíssimo texto. Desta vez ela nos brinda com a história do Clube da Madrugada, que na próxima quinta-feira, 22 de novembro estará completando 68 anos de vida longa debaixo do mulaterio, que fica ali na praça de muitos nomes...ou simplesmente Praça da Policia. Alguns dos seus fundadores já se foram deste mundo, mas com certeza todos eles estão pulando de alegrias por essa homenagem prestada pela jovem Jane Uchôa, que foi buscar no fundo do baú dados importantes para oferecer aos seus milhares de leitores. Eu tinha apenas 4 anos de idade, quando um grupo de intelectuais e artistas se reuniram debaixo do mulateiro e fundaram o Clube da Madrugada. Tomei a liberdade de escolher o poeta e amigo Tenório Telles para fazer uso da palavra. E eis o que ele diz: ”O Clube da Madrugada surgiu como uma reação à estagnação cultural, ao provincianismo, ao conservadorismo dos artistas e intelectuais comprometidos com a velha ordem política e econômica. Os jovens escritores, ligados ao Movimento Madrugada, esbarraram na resistência e incompreensão dos representantes do pensamento conservador local. Conforme depoimento do escritor Márcio Souza, "os artistas foram considerados loucos, inveterados alcoólatras, perigosos contestadores da inércia" MARIUS BELL.

Unknown disse...

Meus parabéns, o clube da madrugada foi um movimento de altíssima relevância para a cultura amazonas, onde houve a expressão da arte pela intelectualidade amazonense,que teve como consequência, o desenvolvimento e total reconhecimento dos integrantes do clube,de fato foi um movimento extraordinário!