Hoje eu tomo a liberdade de publicar um conto meu. Um conto cujo título tem tudo a ver com o dia de hoje. Sem mais, deixo que o leitor se deleite com o texto.
Um dia de aniversário
Ele acordou. Não era um dia comum, como qualquer outro. Era o seu aniversário. - Grande coisa! - Como de rotina, despertou, abriu o blackout de seu quarto, abriu a janela. Respirou um pouco daquele dia. - Que dia! -. Foi ao banheiro. Escovou os dentes, vestiu roupas, tomou banho, fez a barba, penteou o cabelo. Nada foi nessa ordem. Mas fez tudo o que devia fazer. Ligou o computador. Não nessa ordem. Abriu seu email, suas redes sociais - facebook e twitter - e fechou. 15 minutos.
Estava feliz. Nenhuma razão aparente. - Ah, era meu aniversário! -. Mas essa não era a razão de sua felicidade. Tinha outra, mas não queria revelar logo pela manhã. Comeria o pão de ontem, se não estivesse cheio de formigas. Preferiu o achocolatado - Toddynho -. Saiu aquela manhã de casa, como qualquer outra manhã. 10 minutos.
08 minutos. Chegou na escola. Sempre adiantado. Não eram 7 ainda. Mas já haviam muito mais que 7 na sala dos professores. Vieram dar os parabéns. Não que todos lembrassem da data. O mural da escola acusava os aniversariantes do mês, com aqueles balões coloridos, impressos diretamente do clipart. Afinal, era onde a secretária da escola sabia trabalhar bem. Word. - Mentira! - Ela era melhor em adicionar os amigos que nunca conheceu em suas redes sociais - Orkut, ainda não sabia mexer no Facebook. Entrou no próprio Orkut apenas quando não era mais por convites e nem em inglês -. Não ganhou nenhum presente especial, até então, não ganhara nenhum. 12 minutos.
Chegou para dar sua aula. - Surpresa! - Era um amontoado de adolescentes, ou jovens, que fizeram uma festinha. Bolo de chocolate, Coca-cola, salgadinhos... Seria uma recepção calorosa, se a maioria desses alunos não quisessem apenas não ter aula nesse dia. Deu certo. As vezes é bom sair da rotina, usar o que a vida lhe oferece a seu favor. 54 minutos.
Os alunos, porém, não escaparam do segundo horário. Ele não tinha o terceiro. Depois haveria reunião. Chatíssima. Foi cancelada. 3 horas.
Almoçou em um restaurante muito caro. Resolveu gastar aquele dia. Gastou mesmo. Almoço e compras no shopping. Trocou de celular, comprou um relógio, uma carteira, alguns adesivos- pra quê? - roupas... só não usou todo o limite de seu cartão, pois era ilimitado. 4 horas.
No caminho de casa, os familiares ligaram. Iriam fazer uma festinha para ele - uma reunião. Cada um iria levar algo para comer e beber. Casa cheia, cerca de 12 pessoas. Agora sim ganhou presentes. Seus pais te deram um novo liquidificador, ele precisada - e como eu precisava. Ganhou de seu irmão um tablet (único item que não comprou, pois já era presente anunciado). O presente mais surpreendente foi de um primo. Ele deu um livro de auto-ajuda. Afinal, para professor de literatura se dá livros de presente. - Livros?! - Livros! - Livros... O título não lembro, era alguma coisa referente a mito, mitologia, ensinamento chinês, tailandês e o monge... algo do tipo. Festa ao fim. Convidados - que não chamei - indo embora. 3 horas.
Ainda restavam algumas horas do dia para limpar toda a bagunça. Começou. Jogou o liquidificador velho fora, e também a caixa do novo. Odiava guardar caixas e outros badulaques. Odiava quando diziam "Guarde, vai que um dia precisa?" - Se precisar eu compro! O que não vou é encher minha casa de coisas que não preciso! -. Jogou lixo fora, limpou, guardou, lavou... não nessa ordem. Mas fez tudo o que deveria fazer. O que não sabia o que fazer era com o livro que ganhou...
Iria guardar junto a outros, Guimarães, Balzac, Dante, Flaubert, Machado... mas um auto-ajuda não merecia estar ao lado dos grandes, ele sempre retrógrada dizia. Não sabia mesmo o que fazer com o livro. Sem opção, resolveu ler. Virou a noite lendo. leu o livro inteiro em uma noite. Após o fil da leitura jogou o livro longe e foi dormir. Caía de sono. Acordou horas depois. Estava pronto no outro dia para dar aula. Seguiria a filosofia chinesa, japonesa, holandesa e do monge... Parecia boa.
Não abriu o blackout, sequer a janela. Estava escuro. Sem perceber, tropeça no livro que havia jogado no chão. Cai. Bate a cabeça no criado mudo. Ambos nada falam. Naquele dia não foi dar aula, não seguiria a filosofia nova que resolveu adorar e nunca saberíamos o motivo da felicidade do dia anterior. O telefone tocava sem parar aquela manhã. A escola teve que substituí-lo naquele dia, e no dia seguinte e no outro. Os mais bem humorados diziam que ele saiu da vida pra entrar na literatura, em um clichê, talvez uma verdade. Ninguém saberia dizer.
Renato Dering é escritor, mestrando em Letras (Estudos Literários) pela Universidade Federal de Viçosa (UFV), sendo graduado também em Letras pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Realizou estágio como roteirista na TV UFG e em seu Trabalho de Conclusão de Curso, desenvolveu pesquisa acerca da contística brasileira e roteirização fílmica. Atualmente também pesquisa a Literatura e Cultura de massa.
Contato: renatodering@gmail.com
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2 comentários
Uau, que fim surpreendente, tantas coisas poderiam ter mudado naquela manhã, ou não poderia ter mudado nada, quem vai saber?!!
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