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A viagem do menino de cabelos prateados.[Carlos Fereira]

A viagem do menino de cabelos prateados.

Cuiabá, em tempo de montar presépios e lapinhas, Natal de 2012.

Certa vez, um menino que morava no Vale do Coxipó, entre a mata dos sarãs e o rio, havia recebido durante muitos e muitos anos, o poder de guardar porções mágicas de experiências e sabedorias. Estas porções foram dando também ao menino, o poder de ter, exclusivamente, os cabelos prateados. Quanto mais porção de experiências recebia, mais os seus cabelos ficavam prateados. Quanto mais os seus cabelos se tornavam da cor de prata, mais sabedorias ele acumulava. E assim, o menino de cabelos prateados, foi crescendo, crescendo, sem se dar conta da dimensão do seu poder mágico de acumular experiências e sabedorias.

Um dia, o menino tomando banho de lua, à margem do rio, ouviu uma sonoridade que vinha das águas rasas do Coxipó, como que o convidando a brincar de pega-pega, dentro do rio. Era noite de lua cheia! E a lua estava enorme, reluzente, toda vestida de prata; redonda como um vintém! Como já era noite, o menino preferiu assistir àquele espetáculo sonoro e visual, dali mesmo, da margem do rio. Ao aproximar do rio e fisgar os seus olhos para àquele fenômeno, percebeu que eram peraputangas de escamas prateadas, que também estavam a tomar banho de lua, para polir, ainda mais de prata, as suas escamas e, com ele, dividir aquele espetáculo! Como essa façanha se repetia a cada ciclo da lua cheia, o menino foi guardando no seu espaço do sensível, o misterioso fenômeno das peraputangas, que poliam de prata as suas escamas nas noites de lua cheia, nas águas rasas do Coxipó.

Durante muitos e muitos anos, esse menino foi guardando consigo o misterioso segredo das noites de lua cheia e a experiência de conviver entre o brilho das escamas das peraputangas e o prateado da lua cheia. Um dia, ao ser despertado pela brisa leve que fazia dançar os sarãs na margem do rio, o menino foi até as águas rasas do Coxipó e lá, olhando em direção ao espelho d’água, percebeu que seus cabelos, refletidos na água do rio, teriam se tornado totalmente prateados, da cor da lua, como as escamas prateadas das peraputangas das águas rasas do Coxipó. Surpreso com tamanha beleza, o menino se encantou de alegria e começou a refletir sobre o fenômeno que acontecia, somente com ele. Nenhum outro menino do Vale do Coxipó tinha cabelos prateados.

Então, com o seu espaço do sensível todo recheado de mistérios, experiências e sabedorias, o menino percebeu que podia também, banhar de prata, os seus pensamentos, sonhos, imaginações e as suas fantasias. Foi quando pensou numa grande e fascinante viagem! O seu maior sonho era conhecer a lua e toda a sua dimensão prateada que o encantavam nas noites de lua cheia, às margens das águas rasas do Coxipó. E assim, ele fez! 

Numa noite de lua cheia, quando o céu estava todo mesclado de azul prateado, e lá em cima, lá no alto, estava ela, a casa de São Jorge e do seu cavalo branco, a mamãe lua, toda prateada, reluzente, redonda como um vintém! Então, enquanto o menino se encantava com a lua, aconteceu outro momento mágico; a chegada das peraputangas das escamas prateadas das águas rasas do Coxipó, que apareciam nas noites de lua cheia, para polir de prata, as suas escamas. Ao concretizar mais este fenômeno, o menino aproximou-se do rio e novamente fisgou seus olhos no brilho das peraputangas das escamas prateadas e bem pertinho delas, de dentro do rio, com elas conversou: Amigas peraputangas das escamas prateadas da águas rasas do Coxipó, quero avisar a vocês, que vou fazer uma longa e fascinante viagem! É, vou conhecer a mamãe lua, lá onde mora São Jorge com o seu cavalo branco! Vou conhecer toda a sua dimensão prateada que me enche de magia e mistérios nas noites de lua cheia! Quero dizer também a vocês, que eu não volto mais, porque fiquei sabendo, que é muito difícil chegar lá, demora muito tempo; mas, quem lá chegar, não volta nunca mais! Viverá eternamente! Exclamou o menino. 

Ao se afastar das águas rasas do Coxipó, o menino percebeu que as peraputangas de escamas prateadas, foram também, desaparecendo lentamente e, aos poucos, ficou sozinho; foi quando a lua cheia, abriu ainda mais a sua fonte de luz e colocou sobre ele, um enorme facho reluzente, de tonalidade prateada como que o abraçando e desabraçando de luz e disse: Meu menino dos cabelos prateados que mora entre os sarãs e as águas rasas do Coxipó. 

Todos os seres, em qualquer planeta, têm o dia certo de se apresentar para o seu universo! Não tenha pressa! O seu dia, já está determinado! Aos poucos, o facho de luz prateada que abraçava e desabraçava o menino às margens das águas rasas do Coxipó, foi lentamente desaparecendo, quando ele ainda perguntou: Então mamãe lua, terei que esperar ainda amais? E a lua respondeu: Sim meu menino dos cabelos prateados das águas rasas do Coxipó; quando o seu dia chegar, as peraputangas das escamas prateadas irão te avisar! Em instantes, o pouco da luz prateada que restava, desapareceu completamente! Escureceu! Um silencio enorme tomou conta daquele universo mágico e ribeirinho. Nas margens das águas rasas do Coxipó, era um breu só! Só se podiam ver os cabelos prateados do menino, que era o único ponto de luz naquela escuridão. 

Nessa atmosfera de grande interrogação, o menino adormeceu! Nas margens das águas rasas do Coxipó, durante muitos e muitos ciclos da lua cheia, tudo era silencio! Até a presença das peraputangas das escamas prateadas se fez em silêncio constante, diante de tanto mistério! Por várias noites de lua cheia, elas deixaram de aparecer nas águas rasas do Coxipó. Passaram-se muitos e muitos dias. 

Quando o menino dos cabelos prateados das águas rasas do Coxipó despertou, percebeu que outro universo lhe servia de morada. Foi quando um enorme facho de luz veio em sua direção; mas não era mais a luz prateada da lua cheia. Ao ouvir uma sonoridade que sensibilizava os seus sentidos, percebeu também, não se tratar das peraputangas das escamas prateadas das águas rasas do Coxipó, tomando banho de lua. 

Diante dos seus olhos, um grande portal azul-prateado se abriu e, de lá, entre um enorme facho de luz, agora de um prateado intenso, uma voz lhe dirigiu: Meu menino dos cabelos prateados das águas rasas do Coxipó; esta é agora, a sua nova morada! 
O menino com ar de quem teria acabado de ganhar o seu maior presente de Natal, perguntou com imensa alegria. 
Então, quem é o Senhor? 
E o mágico facho de luz de um prateado intenso, respondeu: Eu sou o universo Divino! 
E você, não precisa se apresentar! Você é o Menino Júlio, o menino dos cabelos prateados das águas rasas do Coxipó. 
Seja bem vindo, Menino Júlio! Então, o menino de cabelos prateados das águas rasas do Coxipó, se alegrou ainda mais por ter conseguido realizar o seu grande sonho, a sua tão sonhada e fascinante viagem. 
E lá, no universo celeste e Divino, o Menino de cabelos prateados das águas rasas do Coxipó, agora, todo vestido de prata, viverá feliz, ETERNAMENTE!

Este conto é uma homenagem, in memorian, a Júlio De Lamônica Freire – o Menino dos cabelos prateados – poeta da arquitetura social.


CARLOS FEREIRA é professor de arte da rede pública de ensino, mestrando em Estudos de Cultura Contemporânea pela UFMT e se orgulha de ter sido amigo do Menino de cabelos prateados das  águas rasas
do Coxipó.

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