Sponsor

AD BANNER

Últimas Postagens

Ah! Que Vexame...[LÊDA SELMA]

Ah! Que Vexame...

A notícia chegou arrasadora

A mulher, em transe, descabelou-se, aos gritos. A vida acabava de lhe enredar num tremendo espinhel... Havia saído de casa no início da semana, para um compromisso familiar, com previsão de volta para o domingo e, antes mesmo de abraçar todos os parentes, a notícia a alcançou, puxando-a para casa com a maior urgência.

O marido, Zé Pio, sem dar um pio, pifou. De vez. Culpado, o coração, por causa da voltagem, há muito, oscilante.

Retorno dramático, o da recém-viuvada. Ih! lembrou-se de repente: a palavra viúva sempre lhe pareceu ter cheiro de mofo e gosto de ferrugem!

A chegada a casa, traumática e encharcada de lágrimas. A vista do quarto do casal, dolorosa. Mas o jeito, preparar-se para as novas funções impostas pela viuvez. E rumar para o cemitério. E foi o que fez, com amargura.

Acompanhada de lamúrias – “Ai, meu Deus!”, “O que fiz para merecer isso?”, “O que será de mim?”, “Como viverei sem meu marido?” –entrou na sala do velório e se precipitou, aos prantos, transtornada, com a dor também vestida de preto, sobre aquela inércia em forma de corpo. E, dele, a saudade já sentia falta.

– Oh! Zé Pio, sou pura consumição, meu velho!

– Comadre... – intercede sua acompanhante, em vão.

– Você não cria modos, hem, seu incorrigível!? Sempre aproveitando de minha ausência para aprontar alguma, né?! Não podia, ao menos, esperar minha volta? Mal virei as costas, punhalada! Por que fez isso?!

– Comadre, levante-se...

– Espere aí... O que aconteceu com você, marido? Está tão diferente, esquisito...! – e apalpava o rosto branco do defunto, com mãos desentendidas, atarantadas e trôpegas.

– Escute, comadre...

– Tem algo estranho em você, algo que não é seu... O bigode! Onde arranjou isso, homem de Deus?! Você nunca teve bigode! Algum disfarce?

– Sossegue e venha, comadre...

– Sossegar, sossegar, como?! O Pio resolveu partir disfarçado. Minha

Nossa Senhora! Sinto que tem sirigaita na jogada. Cadê a infernenta, cadê, cadê?! Ah! se eu pego essa bisca...!?

– Vai dar confusão, comadre, levante-se...

– Esse disfarce é, sim, pra enganar alguém! Mas quem? Confesse, homem, vamos, confesse! Sou eu a enganada? Se for, mato você sem piedade!

– Saia daí, comadre, chega!

– Só depois que ele me disser onde arranjou esse bigode e por quê?!

– Comadre, comadre – sacoleja-a, com força, a acompanhante –, acalme-se, e olhe o vexame! Todos estão espantados... Venha, você errou de velório, criatura! Compadre Pio está é na sala ao lado. E sem bigode!

Baiana de Urandi e goianiense por adoção, LÊDA SELMA (de Alencar) é graduada em Letras Vernáculas e pós-graduada em Linguística. Poetisa, contista, cronista (escreveu para o Diário da Manhã por 21 anos, aos domingos), integra várias antologias nacionais e internacionais. É verbete em obras como o Dicionário Crítico de Escritoras Brasileiras, de Nelly Novaes Coelho, São Paulo/SP, e Enciclopédia de Literatura Brasileira, Afrânio Coutinho/J. Galante de Sousa, São Paulo/SP. Atual vice-presidente da Academia Goiana de Letras/AGL (ocupa a Cadeira 14), da Associação Nacional de Escritores/ANE, União Brasileira de Compositores/UBC, União Brasileira de Escritores/UBE-GO e Associação Goiana de Imprensa/AGI. Publicou 15 livros (poemas, contos, crônicas). Entre várias premiações, o Troféu Tiokô de poesia, da UBE/GO, Troféu Goyazes Marieta Telles Machado, de crônicas, da Academia Goiana de Letras, e o Mérito Cultural, pelo conjunto da obra, da UBE/RJ. Recebeu os títulos: Cidadã Goianiense e Cidadã Goiana.

Nenhum comentário