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Rua Cordão Azul [Donna Boris]



Rua Cordão Azul
A verdade está viva em minha memória, como tudo que habita uma infância em lembrança de felicidade. Assim era aquela rua... com seus personagens tão marcantes.
As bonecas tinham vida e falavam. A bola não era teimosa e podia pular, fazendo a alegria da garotada que sempre nos finais da tarde, com ela brincava. Os carinhos obedeciam à sinalização, por isso, adultos cresceram sem multas.
Eu, criança, caminhava alegremente. Conversava com meninas da minha idade e falava sobre o presente e futuro. Brincadeira de criança é como ensaio de vida. Bonecas filhas, profissão sonhada. A paz da rua era algo que hoje sei, nunca mais existirá nada igual.
Lembro o vovô Pedro, que reunia as crianças menores para contar estórias e histórias, responder perguntas das mentes questionadoras, infantis, e enfeitar os sonhos com lindas fábulas de príncipes e princesas; fadas madrinhas e encantamentos. A vida ali tinha gosto de vida. Vovó Alva, que sempre chegava com o bolo de chocolate, fazendo os rostos ganharem risos de alegria com o gostoso presente. Vovô Pedro e vovó Alva eram avós de todos na rua. Assim não existia uma só criança que ficasse triste, por faltar esse amor tão especial que só os avós sabem dar. Dona Tereza reunia as meninas entre dez e treze anos, para ensinar a fazer doces. Aula que tinha gosto de festa. Os meninos na mesma idade eram chamados para compor a banda, aprendiam um instrumento. Quanta felicidade existia, no brilho daquelas crianças ao ouvirem o Sr Tenório dizer: Vamos, hora da aula. Agora cada um de vocês é um “instrumento musical”. Antoninho, que havia crescido mais que os meninos da mesma idade, tocava violoncelo. Julio, Pedrinho (neto do vovô Pedro), José e Luiz... tocavam violino. No piano, o som saía dançante... das mãos do inquieto Paulinho... nem tocando ficava parado. Nos metais... a responsabilidade era com o Guto, Dezinho, Pequeno e Firmino filho... que tocava trombone. A percussão ficava por conta dos que mais gostavam de zoada... assim acalmavam... como dizia Sr Tenório. A verdade é que cada instrumento parecia com o seu “tocador”. Sr Tenório... musico que aprendera a tocar de ouvido... mas sabia a ler uma partitura, como um bom maestro. A dedicação faz o mestre, e ele era... mestre com pós graduação musical e psicologia existencial. Conhecia a alma de cada um dos seus “instrumentos vivos”... como ele chamava suas crianças. Os ensaios eram especiais... pois eles estavam sendo preparados para uma ocasião ímpar.
Não diferente... Dona Tereza ensinava as suas meninas docinhos com decoração significativa... e o entusiasmo crescia a cada aula. O novo desperta... as crianças ficavam entusiasmadas com as novidades. A paciência de dona Tereza... era algo que também cresceria com as crianças. Nada ensina mais que ser exemplo. Isso era um fato. As receitas ficavam cada dia mais elaboradas, e o dia de mostrar o que foi aprendido... estava perto.
Vovó Alva... além de toda dedicação carinhosa... juntava as meninas entre seis e nove anos... e as ensinava a bordar. Mas deixava o trabalho em segredo. Os dias foram passando... a rua preparava a sua festa de final de ano. Pais, mães, familiares e amigos convidados iam chegando ao local marcado. Ah!... a surpresa preparada fez os olhares ficarem em êxtase. Palco armado... banda paramentada. Mesas com toalhas bordadas com tamanha delicadeza, que surpreendia os detalhistas. E os docinhos? Eram tão belos com formato variados e referencia de final de ano. A ceia ficou por conta dos adultos e nenhum faltou na execução da tarefa. Um cuidado para que tudo ficasse com jeito de festa. Sr Tenório chegou com a batuta, subindo no palco dando inicio ao evento... chamou então o vovô Pedro, que em companhia de vovó Alva, iniciou o discurso:
“Vovô Pedro começou pedindo que a ultima pagina do ano... fosse escrita com as melhores lembranças, do que marcou de bom. Que só estas deveriam seguir existindo no próximo ano. As demais... deveriam ser esquecidas e se possível... apagadas. Carregar o que serve... é carga leve. O que não serve... é fardo muito pesado. Dizia o vovô em tom de sabedoria. E com um gesto carinhoso apontou as toalhas das mesas, voltou o olhar cheio de amor para vovó Alva e foi falando: A minha Alva adora semear. Vejam quantos jardins ela plantou, pelas mãos pequeninas das nossas netinhas, em sulcos de agulha no pano e sementes de linhas. Deixem os corações enxergarem e poderão até sentir o perfume de cada flor. Dona Tereza também ensinou suas meninas a decorarem os com alma e coração... a beleza fluiu radiante em nossas mesas. Aqui... em nossa rua não moram só pessoas grandes e pequenas, os sentimentos acharam o lugar tão bonito, que ao nos visitar... ficaram. Devemos cuidar para que no próximo ano tudo fique ainda melhor, que mais pessoas resolvam vir morar aqui e possam somar usufruindo da harmonia existente em cada um... pois quando dividimos o que temos de melhor em nós... multiplicamos em bem a muitos. E chamando o Sr Tenório, falou: A batuta é sua maestro... pode melodiar com seus “instrumentos vivos””. As notas obedientes bailavam no ar... povoado de aromas mil... com sorrisos e conversas que formavam um sereno coral.
Eu... agradeci ao Deus Criador por estar presente no momento, por tudo quanto vi, vivi e aprendi... mas a rua mudou de nome... pois com certeza a “Sra. Felicidade” devia morar ali... para mim ela vai ser sempre: Rua Cordão Azul.

Donna Boris, nascida aos  trinta dias do mês quatro, taurina, mas não teimosa, no estado da Bahia, sob o céu de sua capital, Salvador. Soteropolitana. Administradora de empresas de formação, Poetisa de nascimento... “Aos nove anos comecei a versar e não mais parei... quarenta e dois anos (incompletos) já somam. Diversificando para contos, crônicas, literatura infantil e letras musicais. Por amor a literatura.., deixei de exercer minha profissão e me dedico integralmente a escrever. Dois filhos maravilhosos e um casal de netos... presentes divinos. Eis um pouco do que sou... o mais... a minha poesia explica. Link do blog:
 http://poetisadonnaboris.blogspot.com.br/

Um comentário

Anônimo disse...

Donna Boris, tem a Magia da Palavra!
Parabéns por descrever em ricos detalhes estas memórias!
Obrigada por partilhar!