Das obrigações do autor moderno
Rezam
as lendas contemporâneas que o escritor que pretenda ser lido hoje em dia está
obrigado a uma intensa atividade nas redes sociais, a dedicar largo tempo
construindo sua base de contatos, os pretensos leitores de sua obra, e divulgando
seu trabalho de todas as formas eletronicamente possíveis. Se esse autor
publicou um e-book, então, ou pretende publicar, as recomendações são ainda
mais enfáticas.
Não
pretendo aqui descontruir ou combater essa visão, mesmo porque ela tem lá seu fundamento
quando falamos de autores que não estão suportados pela estrutura de divulgação
de uma editora, mas convenhamos que vale a pena levantar alguns
questionamentos.
Baseio-me
na premissa de que um escritor precisa, antes de tudo, ler. E ler muito, todos
os grandes que lhe antecederam e os contemporâneos que se destaquem (no meio do
caminho algum tempo será gasto com textos que não trarão grande crescimento,
porque para avaliar é preciso ler – ao menos quando se prefere não caminhar
somente pelas trilhas indicadas pela crítica, que muitas vezes são
encomendadas).
Adicione-se a essa premissa a constatação de que são raros (sempre foram e
continuarão a ser) os escritores que (ao menos no começo da carreira e até
atingirem razoável nível de excelência e/ou popularidade, que não
necessariamente andam juntos) vivem exclusivamente da escrita. Muitos grandes
escritores tinham como meio de pagar suas contas outras profissões, a menos que
tivessem algum patrocinador (mas já não vivemos em tempos de mecenas
generosos). É verdade que houve aqueles que, por sua obstinação em se dedicar à
escrita arriscaram, quando a juventude lhes dava a gana e audácia necessárias,
alguns abdicaram de confortos ou segurança para tentar (sem nenhuma garantia de
êxito) uma carreira que sempre depende, em alguma medida, do acaso, ou da
sorte, além de muito (muito mesmo!) trabalho e, sim, alianças adequadas.
Desenhado
esse contexto, olho para o cenário das populares redes sociais e, mesmo sem
querer diminuí-las (talvez porque também esteja entremeada nelas e
reconheça seus potenciais) acabo assinando embaixo das reflexões de Cassio Pantaleoni em seu artigo sobre literatura em tempos
digitais, acrescentando outras percepções (ou mais provocações).
Facebook,
não é lugar de literatura!
Calma,
antes que alguns proponham meu linchamento, deixem-me explicar o que cabe nessa
frase. Participo de alguns grupos do face (talvez alguns poucos membros destes,
aliás, lerão essas reflexões, mas sei que serão poucos) que busquei pensando em
três focos: e-books / e-readers; literatura e escritores brasileiros.
Comento cada uma das experiências contrapondo-as à corajosa manifestação de Javier Marías sobre sua ojeriza ao universo “pop writers”.
O
primeiro dos focos citados – o universo de e-books e e-readers é o tema cujas
interações no facebook são mais eficientes, pois as notícias postadas e a troca
de informações entre membros do grupo contribui de fato para a atualização
sobre o tema; permite conhecer experiências de outros usuários, saber de
lançamentos de equipamentos de leitura, títulos e, eventualmente, promoções de
editoras. Não se alcança nesses grupos, porém, trocas sobre conteúdos
literários.
Quanto
ao segundo foco, a literatura em si, convido-os a um teste: pesquise no
facebook (creio que o twitter traz realidade distinta) o termo literatura. Um
número reduzido de páginas ou grupos surgirá. Dos resultados apresentados, a
maioria será de páginas de escritores interessados em divulgar sua própria
obra; há também perfis inativos, sem conteúdo atualizado e com baixo grau de
interação; e um pequeno número de páginas com resenhas, mas focadas em nichos
como literatura infanto-juvenil, fanfics e fantasia, em geral baseadas numa
troca de gentilezas entre autores solidários entre si, exaltando suas próprias
qualidades.
Por
fim, os grupos que congregam escritores – na sua esmagadora maioria iniciantes,
pouco conhecidos e quase sempre independentes – restringem-se a murais para
autopropaganda. As raras iniciativas onde se propõem leituras críticas de
voluntários dispostos a expor seu texto e ouvir as percepções de leitores
(outros escritores do grupo) também voluntários sempre contam com poucas
adesões. Não fiz uma estatística ordenada, mas posso assegurar que 90% (no
mínimo) dos comentários se limitam a “curtir” o texto sem qualquer comentário
sobre verossimilhança, linguagem, coerência, ritmo ou estilo. Uma honrosa
exceção que vivenciei foi provocada por Sergio Carmach,
que chamou os escritores de um desses grupos para um evento virtual chamado “É
lendo que se é lido”. A cada dia um autor colocava um trecho de narrativa ou um
conto completo no mural do evento e recebia retorno dos demais leitores. Houve
mais de uma edição e invariavelmente poucas adesões, especialmente para efetuar
comentários. Muitos “escritores” enxergaram apenas a oportunidade de se
mostrar, boa parte disponibiliza textos crivados de equívocos semânticos e
gramaticais, visivelmente desprovidos de preocupação com a qualidade do texto e
muito poucos se dispõem a uma análise baseada em argumentos. Na última
edição, com a ênfase dada às regras, o resultado foi mais rico, porque os participantes
se dispuseram a uma análise mais detida, indicando falhas e necessidades de
melhoria no texto, demonstrando uma leitura atenta. Como sempre digo que
elogios vazios acrescentam menos que uma crítica dura mas bem fundamentada,
fiquei, finalmente, satisfeita com a interação naquele espaço.
Mas o
caso é que toda essa busca e o tempo dispendido em trocas (geralmente
superficiais) toma do escritor um recurso precioso: o tempo. Tempo para
escrever, re-escrever e começar tudo de novo quando o enredo não alcança a
qualidade desejada, e tempo para ler, a principal matéria prima de quem
pretende ultrapassar-se. Dá perfeitamente para compreender o desabafo de
Javier Marías quando reclama da necessidade de participar
dos eventos de lançamento organizados pela Penguin e lamenta que apenas
um em cada 20 livros de novos autores ditos “geniais” realmente vale a pena.
Para quem contra-argumentar que isso envolve gosto pessoal, volto a comentar o
papel não isento das críticas que enaltece não apenas obras realmente boas, mas
aquelas vinculadas ao interesse de certos mercados ou de certas relações – sem
juízo de valor, apenas uma constatação.
Isso
pode ter correlação com o que comentamos antes, acerca da dificuldade de
concentrarmo-os de fato em textos mais densos no espaço de um navegador, ou,
pior, denotar uma tendência à deterioração da linguagem como 1985 do Anthony
Burgess antecipou. Será?
Maurem
Kayna é engenheira florestal, baila flamenco e se interessa por literatura
desde criança. Depois de publicações em coletâneas, revistas e portais de
literatura na web resolveu apostar na publicação em e-book e começou a se
interessar por tudo que orbita o tema, por acreditar que essa forma de
publicação pode ser uma das chances de aumentar o número de leitores no Brasil.
Autora da coletânea de contos Pedaços de Possibilidade, viabilizado pela
iniciativa da Simplíssimo. Sites: mauremkayna@uol.com.br
- mauremkayna.com/ - twitter.com/mauremk
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