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“Eu não conheço o Miguel Falabella!" [Stella Florence]

“Eu não conheço o Miguel Falabella!" 

por Stella Florence


Como foi o seu réveillon? Ótimo? Radiante? Perfeito? O meu foi... bem, é melhor eu contar.

31 de dezembro. Eu havia finalizado uma série de livros trabalhosos (eu escrevo livros não só para mim: para os outros também). Depois de enviar o material pronto para as editoras que me contrataram, tudo o que eu queria era tomar um banho, deitar na minha cama, ouvir o CD do filme "O Piano" e só levantar quinze horas depois. Mas, oh, era 31 de dezembro: um dia em que todo mundo tem a obrigação de se divertir!

O meu conceito de diversão é elástico, há muitas coisas que me dão prazer, mas, no ano-novo, só um tipo de diversão vale: o histérico. Ai de quem não gritar, ai de quem não beber, ai de quem não estiver muito, muito feliz!

Consegui chegar até as dez da noite fingindo que não havia uma festa a minha espera, quando então minha prima apareceu em casa: "Você não chegava nunca, eu vim te buscar!". Primo: essa estranha categoria que, por ser da família, não se constrange em te enfiar nas piores roubadas. O.k., pensei, em duas horas estará tudo acabado e eu poderei dormir. Mas não foi isso que aconteceu.

Uma escritora, ainda mais tatuada (mesmo que apenas nas costas, como eu), é um circo completo em qualquer festa. Espera-se que você, criatura exótica, de profissão exótica, entretenha as pessoas. Não, eu não escrevo de lingerie como a Carrie de "Sex and the City". Não, eu não bebo. Não, eu não fumo. Não, eu não cheiro também: incrível, né? Não, eu não conheço o Miguel Falabella. Escrever? Concordo com William Faulkner: escrever é fácil ou impossível. Você é contra tatuagens? O.k. Você acha um absurdo, um mau-gosto: eu entendi. Mas eu as fiz em mim, não em você. Está tudo bem, eu não bebo mesmo. Não, eu não estou seguindo os 12 passos do AA: eu nunca gostei de beber. Sua vida daria um livro? A de todo mundo daria. Não, eu realmente não conheço o Miguel Falabella. Quem se preocupa em ser avaliado não entende porcaria nenhuma de sexo, porque sexo é entrega, não avaliação: é verdade. Mas o que eu tenho a ver com isso? Por Deus, eu não conheço o Miguel Falabella! Ah, eu espero que muita coisa boa aconteça no ano que vem - mas beijar você não é uma delas.
Pouco antes da meia-noite eu me escondi num dos banheiros. Me sentei no chão, abaixei a cabeça e comecei a chorar. "Por que esse povo é tão sensível?" ouvi uma menina dizer mais tarde ao notar meu rímel borrado. Porque eu vejo o que está ao meu redor, menina, por isso. Seu namorado passou a noite inteira dando em cima de uma loirinha decotada. Quando ele mexeu no cabelo dela, você deu risada e pegou outra taça de champanhe. Mas seu riso era amargo, débil, puro desamparo.
Às vezes eu tenho a impressão de que, se as pessoas parassem um minuto antes da meia-noite, em silêncio, elas também cairiam no choro. Mas essa é apenas uma impressão, afinal, era ano-novo. E todo mundo estava muito, muito feliz.

Stella Florence nasceu em 1967, é escritora formada em Letras e vive em São Paulo. Tem uma filha, 30 tatuagens e oito livros. É exatamente desse modo, objetivo e charmoso, que a autora de "Hoje Acordei Gorda" e "Ser Menina é Tudo de Bom", entre outros títulos, costuma se apresentar.

Um comentário

Anônimo disse...

Gostei do texto e da apresentação mas, Stella, você não conhece mesmo Miguel Falabella? Beijos.