A Voz
O que é a voz humana? O ar passa pelas pregas vocais com certa pressão que faz com que elas vibrem, e essas vibrações são amplificadas pelas cavidades do corpo, chegando ao exterior na forma daquilo que chamamos de voz. Mas será que é só isso?
Diversos acontecimentos nos últimos meses fizeram-me rever esse conceito tão simplificado do que é voz. Caminhando pelas ruas de Porto Alegre nesse final de ano, mais especificamente no mês de dezembro, quando parece que as pessoas ficam mais estressadas que o normal, é sensível a diferença sonora do ruído público, se comparar com o que ouvimos nos demais meses do ano. Mães gritando com seus filhos, pais reclamando do calor, vendedores anunciando todo o estoque das lojas, crianças pedindo mais e mais presentes de Natal. O aumento dos decibéis reflete o nervosismo dessas pessoas, a aflição para que se tenham boas festas de final de ano e que tudo saia como planejaram.
O mesmo aumento de ruído vocal também foi percebido por mim ao iniciar minha carreira docente no Instituto Educacional Dom Diogo de Souza. Final de ano, provas finais, alunos em recuperação. No meio de tudo isso, entra um professor de teatro, jovem e cheio de entusiasmo, querendo que os alunos descarreguem todo o estresse do ano em suas aulas, extravasando a energia acumulada (e, talvez, até reprimida pelas monótonas aulas expositivas em salas de aula abafadas e superlotadas). Resultado: tive de fazer uso do apito para conseguir a atenção de todos e direcionar um pouco mais as atividades teatrais em meio a tanta euforia sonora.
Pudemos acompanhar no ano que passou o programa The Voice Brasil, que trouxe ao público diversas novas vozes da música brasileira em um concurso para ver quem seria a grande voz do Brasil. Venceu aquela que, aparentemente, tinha a melhor, a mais potente, a mais brilhante, a mais afinada e a mais carismática voz do programa: Ellen Oléria. Mas, o mais interessante foi ver os comentários sobre a atração dominical nas redes sociais. Diversos fã-clubes se formavam a favor de uns, alguns grupos se revoltavam contra outros, e as pessoas comentavam sobre as personalidades e índoles dos candidatos, como se os conhecessem de longa data, sendo que pouco se falava sobre a vida pessoal dos participantes. Basicamente, o único instrumento que se tinha para avalia-los era justamente a voz! Como se pode conhecer tanto de uma pessoa apenas ouvindo a sua voz? Aliás, o programa merece todos os elogios possíveis, pois apresentou uma superprodução de qualidade, sem ridicularizar nenhum participante, respeitando os artistas brasileiros que estão sempre em busca de um lugar ao sol.
Na minha última atividade artística do ano de 2012, o show CALE-SE – As Músicas Censuradas Pela Ditadura Militar, que estava fazendo dois anos de sucesso, tive de apresentar um espetáculo totalmente reformulado, com arranjos e canções novas, sem a companhia de minhas queridas colegas Lílian Roisenberg e Cláudia Barbot, que estiveram junto comigo desde o início do projeto, mas que, por motivos profissionais, foram para outras cidades do mundo seguir suas carreiras artísticas. A responsabilidade de assumir um show da grandiosidade que foi o CALE-SE no formato que está agora, fez com que minha voz saísse um pouco forçada na estreia. Todo o conhecimento que tenho sobre apoio diafragmático, ressonadores, vibração com a laringe estável, entre outros, devido ao estudo de técnica vocal por anos, foi por água abaixo! Nada que chegasse a prejudicar minha voz, mas esse esforço para cantar que senti, refletiu exatamente a tensão que sentia ao assumir a responsabilidade de liderar uma banda completa, cantando pérolas da música popular brasileira de célebres compositores. Passado o nervosismo em excesso, no segundo dia, minha voz era como se fosse um pássaro brincando pelos espaços da sala Carlos Carvalho da Casa de Cultura Mario Quintana.
Nesse mesmo show, contamos com a participação mais que especial de Valéria Houston, que cantou duas músicas no meio da função. E esse é outro exemplo maravilhoso do que a voz humana é capaz. Para quem não sabe, Valéria nasceu menino, mas quem a ouve cantar, sabe que ali a sua frente está uma esplêndida cantora, com uma das mais belas vozes femininas da música gaúcha, visto que ela foi, inclusive, vencedora do último Festival da Canção Francesa de Porto Alegre. Uma voz feminina para quem tem a alma feminina.
Portanto, chego à conclusão de que a voz, mais do que uma simples vibração sonora que nosso corpo produz para interagir com outros seres humanos, é o reflexo de quem somos. Mas não um reflexo físico, e sim, psicológico! Um reflexo da nossa alma. Nossa voz revela quem somos lá dentro, o que sentimos, o que pensamos, como agimos. Estou certo de que não TEMOS uma voz, mas SOMOS uma voz. Somos a nossa própria voz! Quem quiser conferir o show CALE-SE – As Músicas Censuradas Pela Ditadura Militar: estaremos em cartaz nos dias 01, 02 e 03 de fevereiro, às 21 horas, na Sala Álvaro Moreyra, integrando a programação do Porto Verão Alegre. Vocalize quem você é!
http://www.artistasgauchos.com.br/
Douglas Carvalho.é ator, produtor cultural e professor de interpretação para Teatro, TV e Cinema. Bacharel em Teatro pela UFRGS, atualmente cursa também a Licenciatura em Teatro pela mesma universidade. Participou do seriado VidAnormal, da TVCom e atuou em três curtas-metragem como protagonista: Inversus (2008), Não Olhe (2010) e Inferno Azul (2010). No teatro, atuou em 11 espetáculos, entre os quais destaca Salomé - o amor e sua sombra (2007/2008), O Balcão (2007/2008), Dois Perdidos Numa Noite Suja (2008/2009) e A Aurora da Minha Vida (2009/2010), estes dois últimos com a Cia. de Teatro Gato&Sapato da qual faz parte atualmente, desenvolvendo seu trabalho como ator e produtor.
douglasdad.blogspot.com
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