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Manoel é feito de barro mesmo. É nascido da lama da beira do rio Cuiabá. É mato-grossense de raiz, porque Manoel é quase árvore. Eu explico.
Logo cedo foi morar com a família em Corumbá, ainda parte do único estado do mato grosso. Seu pai cultivou uma fazenda naquelas bandas, e Manoel criança, cresceu naquela vastidão de terra. Não tinha vizinhos próximos, e fez amizades com pedras e lagartos.
Com tempo e espaço de sobra, aprendeu que era bicho como todos os seus amigos e que seus pés no chão, eram raízes suas.
Por falar em chão, Manoel contestou (sem essa pretensão) um filósofo alemão que dizia que o céu acima de nossas cabeças era o grande mistério para o homem. Manoel discorda, e afirma que o chão é que guarda as maiores surpresas. Diz que nasceu com a cabeça virada para baixo, e isso não significa submissão, mas sim reflexão. Uma vez contou que
“O chão tem gula pelo meu olho, pelo mesmo motivo que tem gula por pregos, por latas e por folhas”.
Manoel tem é gula pelas insignificâncias e pelas inutilidades. Quando perguntado sobre qual a serventia da poesia, responde com um sorriso (que nunca lhe sai do rosto) que a poesia não serve á nada, que a poesia é inútil. Mas concluí que a poesia é uma forma de aumentar o mundo!
Diria que ler Manoel de Barros é um aprendizado, mas ele certamente não concordaria, por que uma de suas lições é a seguinte:
“É preciso desaprender oito horas por dia, para chegar a poeta”.
E poeta não é quem escreve poesia, mas quem vê a vida com olhos de poesia.
Portanto desaprender é mais importante. E isto se faz desconstruindo as certezas, pensando do lado avesso das coisas. É de fato um difícil exercício, mas que traz grandes resultados, sugiro que tente.
Basta começar com coisas simples, como olhar o nascer do sol. Manoel disse uma vez que
“O esplendor da manhã não se abre com faca” e que “Os sapos engolem auroras”,e por falar em sapo, sabe o que são os sapos? Segundo o poeta “Sapo é um pedaço do chão que pula”.
Pode parecer uma visão infantil das coisas, e é mesmo, não tenha dúvida. Manoel de Barros conta que está agora em sua terceira infância, com seus noventa e seis anos. O homem é uma criança porque não aprendeu a mentir e desistiu de entender as coisas, mas desde sempre as incorporou. Aliás, essa é outra lição que o poeta nos deixa. Ele diz que
“Entender é parede, incorporar é árvore”, e prossegue “É preciso desver o mundo”.
Bom, voltemos á sua história. Manoel estudou em um colégio interno, e lá conheceu os livros de Padre Antônio Vieira que lhe ensinou muito sobre o mundo das palavras. Um outro padre, esse seu professor também o ajudou nisso. Ele conta:
“Descobri aos 13 anos que o que me dava prazer nas leituras não eram a beleza das frases, mas a doença delas. Comuniquei ao padre (...) Gostar de fazer defeitos na frase é muito saudável, disse o padre(...) Esse padre Ezequiel foi meu primeiro professor de agramática.”
Ainda em sua primeira infância Manoel fez uma grande descoberta, em seu livreto chamado “Menino do Mato” escreve assim:
“Nosso conhecimento não era de estudar em livros. Era de pegar, de apalpar, de ouvir e de outros sentidos. Nossas palavras se ajuntavam uma na outra por amor e não por sintaxe.”
Por essa vivacidade infantil é que Manoel de Barros é um dos maiores poetas de nossa língua (falo da língua dos homens). Ele não é gênio e nem pretende ser, apenas escreve as coisas que vê, e tenta fazer com veja também. Ser criança é uma fase da vida que passa, mas deixar de viver nossa infância é uma escolha triste que alguns fazem.
Poderia continuar escrevendo e formar um livro sobre o poeta, mas isso fica pra depois, agora sugiro que você procure os livros deste poeta. Ele já publicou mais de vinte e sei que ainda esta escrevendo e deve ter uns duzentos livretinhos guardados em seu “lugar de ser inútil” que é como chama um cômodo onde escreve todos os dias, em sua casa, que fica em Campo Grande, Mato Grosso do Sul (afinal, Manoel nunca saiu do mato e o mato nunca sairá dele).
Enquanto não pega um de seus livros na mão, deixo aqui um poema seu, que é seu autorretrato falado:
Fiz o texto com exclusividade para o estado, que enfim deu a chance para o poeta nosso, Manoel. Ainda tenho muito a contar sobre a poesia nascida aqui no Mato Grosso, mas por enquanto se deliciem com Manoel!
Poesia não é distração nem entretenimento. Poesia é cultura, reflexão e pensamento. Boa leitura.
Vinícius H. Masutti - é natural de Pato Branco, Paraná, Brasil. Mas é uma espécie de nômade, pois já viveu no Mato Grosso do Sul e hoje faz seus versos em Cuiabá, Mato Grosso. Lá faz um trabalho de garimpo poético, redescobrindo os poetas daquela terra. Escreve artigos para o jornal "Diário de Cuiabá", o mais antigo do estado. Estuda Filosofia na Universidade Federal do Mato Grosso, porque como gosta de afirmar, "Filosofia é poesia porque poesia é reflexão". Vinícius pratica poesia e filosofia.
Manoel, o poeta de barro [Vinícius H. Masutti]
Reviewed by Ivana
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março 13, 2013
Rating: 5
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