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Bastidores Literários - Machado de Assis [Claudio Parreira]

Bastidores Literários - Machado de Assis


Memórias Póstumas de Brás Cubas ainda é, sem dúvida, uma das obras fundamentais da literatura brasileira. Mas nem tudo foram elogios à época do seu lançamento, em 1881: depois de certa relutância por parte da Typographia Nacional (que temia que um folhetim viesse a fazer algum sucesso — além de problemas por causa do tom cáustico utilizado pelo autor), vários escritores maiores e menores desceram a bota no romance, que achavam ousadinho demais para os padrões caretas da época, e não foram poucos aqueles que, trocadilhescamente, sepultaram o romance que mal havia nascido. 

A tudo isso Machado ouviu e silenciou, sereno, confiante no seu próprio taco. Chegará o dia, pensou, em que todos esses aí se calarão e desaparecerão na mesma insignificância que hoje creditam a mim.

Não é à-toa que o chamavam de O Bruxo do Cosme Velho. Ele sabia muito bem do que falava. Mais ainda do que escrevia. Tal qual um João Antônio[1] d’antanho, era também um mestre na afinação da arte de chutar tampinhas[2]. E tampinhas que se consideravam gigantescas havia muitas a chutar — mas no devido tempo. Antes mesmo de escrever a Missa do Galo o autor já era habilíssimo em cozinhar o penoso.

Como sói acontecer, passaram-se os anos e livro ocupou o seu devido lugar no rol das obras imortais (anos mais tarde o próprio Machado de Assis fundaria a ABL, casa que ainda hoje abriga zumbis, digo, imortais, que às vezes nem escritores são, bem nos moldes da Academia Francesa). Nesse momento se instalou na Corte, mais especificamente nas mesas da Confeitaria Colombo[3], uma discussão acirrada em torno das Memórias Póstumas: teriam sido elas, o livro, autoria de Machado de Assis ou seria o próprio Brás Cubras o verdadeiro gênio por trás de tudo aquilo?
 
O tititi, como sempre acontece, acabou por cair bem dentro dos ouvidos perspicazes do próprio Machado, que viu aí a grande oportunidade de se vingar de seus antigos detratores — agora nada mais que um bando de lambe-botas de terceira categoria. 

Deixou então o nosso protagonista o Cosme Velho e se dirigiu à dita Confeitaria. Lá chegando, foi saudado com vivas e tapinhas nas costas, rapapés e puxassaquismos os mais elevados. 

— Ó, grande mestre! É uma honra tê-lo aqui entre nós — saudou-o um poeta que ainda praticava solitariamente alguns vícios parnasianos. 

A Machado foi providenciada uma cadeira na mesa mais animada da Confeitaria. Em bem pouco tempo seus ovos começaram a ferver dentro do saco, que lhe era puxado de segundo em segundo. 

— Revele-nos, ó nobilíssimo autor, qual o segredo da sua obra-prima — insistiu, de maneira inconveniente e convenientemente aquecida pelos muitos e tantos vinhos, um velho autor de opúsculos e almanaques de pouca expressão.

Machado riu. Levantou-se da sua cadeira e ergueu sua taça mais alto ainda, convidando a todos para um brinde, no que foi seguido até mesmo pelo proprietário da Confeitaria, que se considerava também ele um poeta, ainda que bissexto. 

— Cavalheiros — falou, a mão sustentando a taça bem acima da sua cabeça —, por acaso algum dos senhores já perguntou a uma galinha o segredo da feitura dos seus pintos?

Um silêncio sombrio ocupou todos os espaços. Até mesmo o dono da Confeitaria entornou o conteúdo da sua taça de uma só vez. 

— Por acaso — continuou o nosso autor — sabem como a máquina perfeita que Deus nos proporcionou produz a merda nossa de cada dia?

Tosses foram ouvidas, espirros, resmungos em voz baixa sobre os maus modos de falar de um autor daquela estatura. Muitos se aproveitaram do burburinho e saíram à française para degustar seus charutos bem longe da tempestade que os leves trovões machadianos já prenunciavam. 

— Pois então — emendou o escritor, logo que o silêncio ansioso tornou a imperar —, se os senhores são incapazes de entender de pintos e muito menos de merda, que vantagem terão se eu lhes explicar o segredo de uma obra-prima?


No lugar de protestos, só faces estupefatas. 


Sem tomar sequer um gole do vinho que lhe fora oferecido, Machado de Assis devolveu a taça à mesa, deu as costas aos presentes e se dirigiu à porta de saída. Lá encontrou o dono da Confeitaria, que, idiota, resolveu aplicar nele, o Bruxo, um dos seus golpes de aprendiz:

— Eis o devido, senhor — falou, estendendo-lhe uma conta de valor elevadíssimo. — Seus colegas bebem e comem bem, do bom e do melhor. Nada mais justo que o senhor, que já é lido até na Europa, arque com as despesas. 

Sem se alterar, Machado arrematou:

— Comem e bebem muito bem mesmo, percebi. Mas o que ninguém percebeu até agora é que Brás Cubas é o autor de Memórias Póstumas, e Machado de Assis não passa de um personagem. Esta conta, portanto, não me pertence. Mande cobrá-la ao Brás, em seu túmulo. Tenho certeza de que ele o esperará o tempo que for necessário. 

Caía a noite no Rio de Janeiro no momento em que Machado de Assis tomava um coche em direção ao Cosme Velho.

[1] Autor de Malagueta, Perus e Bacanaço, entre outros
[2] Livro do referido João Antônio, entre outros
[3] Aviso aos navegantes: datas, lugares e et cetera, aqui, não precisam respeitar necessariamente a Verdade. 

NA - O texto acima é pura ficção

Fonte:
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