Biografias não autorizadas – uma história sem fim
por Fred La Rocca
“É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”, é o que garante o inciso IX, do artigo quinto da Constituição Federal, lei suprema no Brasil. Ao mesmo tempo, o inciso seguinte afirma que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização, pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. E nesse impasse, a batalha para publicação de biografias não autorizadas continua sem solução nas terras tupiniquins.
Desde fevereiro de 2011 tramita no Congresso Federal o Projeto de Lei 393/11 que “visa garantir a divulgação de imagens e informações biográficas sobre pessoas de notoriedade pública, cuja trajetória pessoal tenha dimensão pública ou cuja vida esteja inserida em acontecimentos de interesse da coletividade”, como explica a página da Câmara dos Deputados.
O Projeto de Lei, de autoria do deputado Newton Lima (PT-SP), chegou a ser aprovado pela Câmara dos Deputados, em Brasília, no dia 2 de abril deste ano, e o próximo passo seria a aprovação dos Senadores. Porém, o deputado Marcos Rogério (PDT-RO) apresentou um recurso para que a proposta fosse analisada novamente e ainda não tem data para voltar ao Plenário.
Rogério afirmou, na época, que alguns aspectos do projeto devem ser discutidos, já que se trata de uma “proposta polêmica e sem consenso” e vai alterar o Código Civil, que permite divulgar imagens e informações biográficas de personalidades públicas com autorização do personagem ou da família.
O Brasil coleciona alguns casos em que biografias foram vedadas e recolhidas do mercado. Os mais famosos são sobre as publicações dos relatos das vidas de Garrincha e de Roberto Carlos. Em 2005, Ruy Castro teve a obra Estrela Solitária, que narra a história do jogador de pernas tortas, apanhada das livrarias e só pode retornar depois de um acordo que garante às filhas do esportista uma porcentagem das vendas do livro. Em 2007, o cantor Roberto Carlos pediu que fosse tirado de circulação Roberto Carlos em detalhes, de Paulo César Araújo, porque, segundo o rei do iê-iê-iê brasileiro, o livro invadia sua intimidade.
Mais recentemente, Roberto Carlos se irritou de novo com uma publicação que o envolve. Parece que o cara não gostou que a pesquisadora Maíra Zimmerman, autora do livro Jovem Guarda – Moda, música e juventude, citasse qualquer coisa sobre ele ou usasse uma caricatura na capa da obra, que é fruto de uma tese de mestrado. O rei exigiu que o livro fosse retirado do mercado, alegando que não quer que sua privacidade seja exposta. Quando a escritora afirmou que o trabalho se tratava somente de um relato sobre o grupo e sobre o período histórico do movimento cultural, os advogados de Roberto aceitaram a divulgação, contanto que Zimmerman e a Editora Estação das Letras e Cores assinassem um contrato afirmando terem pedido autorização para que o produto fosse editado. O advogado dos réus entendeu que o documento vai contra a liberdade de expressão e decidiram aguardar o desenrolar do caso pela justiça.
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O cangaceiro Virgulino Ferreira é tema de Lampião – o Mata Sete, de Pedro de Morais, porém a família do pistoleiro proibiu a distribuição da obra, por apresentar uma versão pouco contata sobre o mito. Não muito diferente aconteceu com a publicação A vida e a Literatura de João Guimarães Rosa, de Alaor Barbosa, que, por ordem da filha do grande escritor mineiro, foi catado das prateiras. Outro livro que ficou estocado é Apenas uma garotinha, de Eduardo Belo e Ana Cláudia Landi, porque uma amiga e um tio da cantora Cássia Eller se sentiram expostos na obra.
Nos Estados Unidos e Europa não há leis que façam com que as biografias não autorizadas deixem de ser difundidas. Histórias de personalidades como Marilyn Monroe, Michael Jackson, Frank Sinatra, Marlon Brando e até o presidente norte-americano Barack Obama foram impressas sem grandes problemas.
Apesar de compreender os dois lados, sou a favor da liberdade de expressão. Claro que com respeito e uma boa pesquisa! O biografado, mesmo que não tendo autorizado, pode também lançar sua autobiografia, contradizendo, se defendendo e até expondo sua opinião sobre qualquer assunto. Os livros estão sujeitos a criar um conceito sobre o personagem e sabemos que toda história pode ser imparcial, até mesmo as autobiografias. Estas vão tentar salvaguardar (ou talvez martirizar) o próprio autor.
Pensando de uma forma mais ampla, acredito que as biografias carregam mais do que a intimidade de uma pessoa pública, mas também um relato histórico sobre o cotidiano em que essa figura existiu. Acho que um livro que trata de uma história “real”, mesmo com partidarismo e parcialidades, é capaz de revelar acontecimentos que formaram uma nação e esclarecer o que somos hoje, como sociedade.
Em Billie Holiday, de Sylvia Fol, além de um clima boêmio e sujo de Nova Iorque e da Lei Seca nos Estados Unidos nas décadas de 1920 e 1930, o livro também trata sobre a segregação racial alarmante contra os negros nos EUA, na época. Chiquinha Gonzaga – Uma história de vida, escrito por Edinha Diniz, mostra um Brasil colonial com aspirações à liberdade. Ruy Castro nos apresenta um Rio de Janeiro crescente, que criou estereótipos mantidos até hoje, em Carmen. O almanaque Para seguir minha jornada sobre Chico Buarque, de Regina Zappa, é uma verdadeira aula de história sobre música e política nacional. Toda mulher é meio Leila Diniz, trabalho fantástico de Mirian Goldenberg, apresenta uma sociedade revolucionária.
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Sou apaixonado por biografias! Encontro nelas algo além do que são cantadas nas canções ou estampadas em capas de revistas. Já me encantei por personagens de quem sabia pouco e me decepcionei com celebridades de quem era fã. Os livros conseguem eternizar uma história ao longo do tempo; as biografias transformam a vida de alguém relevante para o mundo.
Acredito que todo mundo tem uma história para contar. Principalmente aqueles que querem se esconder…
Fonte:
Um comentário
Informativo, sensato e equilibrado este artigo. Foram poucos os que vi assim, tratando do tema "biografias-não-autorizadas". Meus cumprimentos!
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Vincular o assunto "proibição de biografias-não-autorizadas" apenas a "censura prévia" ou "liberdade de expressão", como temos visto em vários sites, é - no meu entender - tendencioso, até porque a questão vai além. Muitos textos em que autores consideram "censura prévia" (a proibição das biografias-não-autorizadas), eles moderam os simples comentários que fazemos ou mesmo dificultam comentarmos. Como pode isso? Restringir ou proibir biografias-não-autorizadas é censura prévia. Moderar simples comentários nos sites deles é algo normalíssimo. Caramba!
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Existe instrumento legal que favorece quem não deseja ter a vida "biografada" e é só por isso que a justiça tem dado ganho de causa aos "biografados". Enquanto a lei não for alterada, resta-nos apenas debater o assunto e, seja qual for o resultado da votação que está a caminho, aceitar democraticamente o resultado, mesmo isso sendo dificílimo para alguns!
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