IMPASSES LITERÁRIOS E NARRADORES MÚLTIPLOS [Raul J.M. Arruda Filho]
(...) nunca tive paciência para esses romances escritos como um quebra-cabeça.
A frase pinçada no meio de O Gato Diz Adeus, novela de Michel Laub, publicada em 2009, sinaliza para um dos mais significativos impasses da literatura brasileira: será possível contar uma história banal sem que se assemelhe com uma história banal?
A história da literatura comprova que – nas situações de crise – a imaginação entra em cena. Testando alternativas. Ou reciclando alguns truques. Infelizmente, nem sempre há vitória. Aliás, a lista de frustrações é muito mais ampla do que a de sucessos. Habitualmente, a inventividade acompanha o malogro – principalmente quando ambiciona ser mais inteligente do que deveria (ou poderia).
Nesse sentido, a aparente astúcia dos pseudo-discípulos de William Faulkner e James Joyce não consegue entender o grau de perigo que envolve o canto das sereias (como no célebre episódio da homérica Odisseia). Diante da possibilidade de obter glória através de efeitos feéricos, poucos escritores possuem a presença de espírito do trapaceiro Ulisses – que resistiu às tentações amarrando a si mesmo no mastro do navio – e aceitam a anestesia proposta pela maviosa música.
Ao mesmo tempo em que a linguagem organiza o real, o falsifica. E isso significa que o caráter humano da literatura poucas vezes se mostra capaz de entender a violência do discurso. A prática social (e, por extensão, literária) está embebida em rancor, ódio e sarcasmo – embora insista em declarar que caminha na direção oposta. Manejar esse paradoxo exige muita criatividade. Inclusive porque o problema maior da literatura não está nas contradições proposta pela linguagem – está na omissão ideológica. Todo texto é uma declaração política, uma forma de exercer o poder.
A voz pretérita, oblíqua, utilizada por cada um dos narradores não resgata a memória, tampouco reorganiza as imagens do passado. No máximo, estabelece os principais temas da novela: paternidade, luto afetivo e agressões intrafamiliares. Todas essas questões são distorcidas sem o mínimo pudor. As promessas que a vida não manteve ressurgem através de fragmentos. O espaço lacunar se expande. A perda promove o litigio – e o distanciamento afetivo. A demanda amorosa se confunde com a insanidade porque se manifesta através da linguagem unilateral. Falta continuidade e complementariedade. Cada um dos narradores se apropria do espaço textual para estabelecer o domínio territorial e, ao mesmo tempo, ignorar o Outro como interlocutor. Somados não representam o todo, separados se parecem com um disco riscado, que repete ad infinitum uma arenga sem substância.
As boas intenções, assim como o gato do título, só aparecem nas primeiras páginas. Em O Gato Diz Adeus, as pontas soltas nunca se encontram – pedaços de um vaso partido que não podem mais ser colados. Sobram palavras, faltam ações.
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