por Santiago Santos
Toda noite sentava na soleira da porta e contava as
estrelas ou lia os desenhos das nuvens. Na lua cheia fantasiava sobre a
superfície sulcada até o sono chegar. Dormia e acordava mais cedo que o sol,
arrumava a vara e as iscas no canto do bote, pegava o chapéu de palha, enchia a
garrafa d'água, atacava o requentado e o café que a velha fazia e partia para a
lida. Quando o rio ia manso, os peixes paravam e o sol dava trégua, olhava o
céu. O pai era o motivo, com suas histórias sobre o disco de luzes brilhantes
que dizia ter visto uma infinidade de vezes. Ele só passa despercebido porque
ninguém olha pra cima, filho.
Mas ele olhava. E nada do disco.
A esposa reclamava, falava que perdia tempo demais
procurando o que não existia, mas pensava que ela também não gastava seu tempo
da forma mais produtiva, a cabeça sempre baixa, sem interesse no que havia além
da vida humilde que levavam. De tanto olhar para longe e distanciar a mente das
limitações mundanas, ele conseguia refletir melhor e mais pausadamente sobre os
problemas que a vida colocava no caminho, saindo dos constantes devaneios com
respostas inesperadas. Anos de dedicação fizeram-no sábio a ponto de ler o
humor do mundo no ritmo do céu, embora não visse sentido em se vangloriar
disso. O costume era tamanho que ao deitar fixava o olhar no teto torto de
madeira. A esposa às vezes virava sua cabeça, brava. Ele ria, como se o costume
de olhar para cima pudesse fazê-lo amá-la menos. E mantinha a posição, sabendo
que ela lia o amor em seus olhos como ele lia o mundo nas alturas.
Custou a acreditar quando enfim viu o disco de luzes
brilhantes pairando entre as estrelas, numa noite como qualquer outra.
Observou-o com a reverência que um profeta dedica ao seu deus, movendo-se em
linhas retas em grande velocidade, apagando e acendendo. Logo desapareceu.
Agradeceu a dádiva e dormiu como se nada tivesse acontecido.
Os vizinhos perguntaram se o tão famoso disco ainda não
dera as caras. A resposta continuava não. O hábito se tornara mais que hábito.
Ninguém podia esperar que, pelo simples fato de ter encontrado o disco, ele
parasse de olhar os céus na esperança de encontrá-lo.
*retirado do projeto Flash Fiction BR -
www.facebook.com/flashfictionbr
Santiago
Santos é escritor e jornalista. Já publicou contos em
revistas independentes e blogs. Atualmente mantém o projeto Flash Fiction BR,
onde publica um miniconto inédito todo dia útil
(www.facebook.com/flashfictionbr).
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