Ler para fugir da vida – ou para mergulhar nela
O que as memórias de um editor e a doença de sua mãe
nos ensinam sobre a leitura e a solidão
Danilo Venticinque, na revista Época
A leitura é um dos métodos mais eficientes e aceitáveis
para evitar pessoas. Talvez por isso eu goste tanto dos livros e tenha decidido
me dedicar a eles. Não sou o único. Já vi muitos leitores dizerem que têm mais
livros que amigos, ou que gostam mais de livros do que de pessoas. Costumo
concordar com eles e me considero um homem de sorte. Enquanto meus colegas
jornalistas conversam constantemente com fontes, pessoalmente ou ao telefone,
escolhi uma área que é o paraíso dos introvertidos. A maior parte do meu
trabalho é feita em silêncio, diante de um livro ou da tela de um computador.
Mesmo fora do trabalho, basta dizer que quero ler ou escrever e todos ao meu
redor me deixam em paz (talvez para o meu azar). Seria a receita perfeita para
a reclusão. Mas, como todo leitor com ideias descabidas e alguma curiosidade,
vez ou outra deparo com livros que mostram o tamanho da minha ignorância –
sobre a vida e sobre a leitura. Este texto é sobre um desses livros.
Para quem enxerga a leitura como uma forma de
isolamento ou fuga da realidade, O clube do livro do fim da vida (Objetiva, R$
37,90, 296 páginas, tradução de Rafael Mantovani) é um convite a repensar essa
visão de mundo. Para quem acredita na leitura como uma experiência coletiva, é
um livro que merece ser discutido em grupos e passado de mão em mão. Uma
declaração de amor à vida, à leitura e à família.
No livro, o americano Will Schwalbe, ex-executivo de
uma editora, narra a vida ao lado de sua mãe, Mary Anne, uma pioneira no
trabalho voluntário no Afeganistão. Há muitas páginas dedicadas ao belo
trabalho humanitário de Mary Anne, e aos bastidores do mercado literário
revelados por Will. Mas o tema central de O clube do livro do fim da vida são
os últimos dois anos da vida de Mary Anne, e a maneira como os livros
transformaram o convívio entre mãe e filho.
Ao descobrir que sua mãe recebera um diagnóstico de
câncer no pâncreas em estágio avançado, Will decide acompanhá-la nas sessões
semanais de quimioterapia. Na primeira, sua mãe lhe pergunta o que ele estava
lendo. Ele acha graça – foi-se o tempo em que podíamos pressupor que alguém
estava lendo algo, mas ela insistia em fazer aquela pergunta a todos. Os dois
passam a trocar opiniões e indicações de leitura, e os livros viram o principal
assunto entre os dois na sala de espera do hospital. As conversas se repetem,
com livros e opiniões diferentes a cada semana. “Tínhamos criado, sem saber, um
clube do livro muito insólito, com apenas dois participantes. Como acontece em
muitos clubes de leitura, nossas conversas transitavam entre as vidas dos
personagens e as nossas próprias”, diz Will. “Não líamos apenas ‘grandes
livros’, líamos de forma casual, promíscua e impulsiva.” Na lista de leituras,
há desde autores clássicos como Shakespeare e Dante a best-sellers recentes e
livros de autoajuda.
O clube do fim da vida (Foto: Divulgação)O clube do fim
da vida (Foto: Divulgação)
Aos poucos, os livros passam a servir como apoio para
que mãe e filho conversem sobre assuntos difíceis de abordar. Falar da doença
ou da morte de um personagem é uma maneira de falar do câncer sem tocar no
assunto diretamente. “Eles nos ajudam a falar. Mas também nos dão algo sobre o
qual todos podemos falar quando não queremos falar sobre nós mesmos “, diz
Will. “Ainda podíamos compartilhar livros, e enquanto estivéssemos lendo esses
livros não seríamos a pessoa doente e a pessoa saudável; seríamos apenas uma
mãe e um filho adentrando um novo mundo juntos.” Os livros também serviam como
uma maneira sutil de demonstrar esperança no futuro. Num verão, os dois
começaram a escolher livros longos, como A montanha mágica, de Thomas Mann. Acreditavam,
mesmo sem chance de cura da doença, que ambos conseguiriam ler até a última
página. Terminaram muitos grandes livros assim.
Mais do que uma forma de unir-se à mãe, Will vê a
leitura como uma maneira de vencer a morte. “Nunca serei capaz de ler os livros
preferidos da minha mãe sem pensar nela – e quando os passo adiante e os
recomendo, saberei que parte daquilo que a formava vai junto com eles”, diz
ele. O clube do livro do fim da vida divide esse legado com todos os leitores.
Estamos todos no mesmo clube do livro, assim como Will
e Mary Anne. Por mais que tentemos nos esconder atrás dos livros, eles nos
impulsionam de volta para a realidade. A leitura não é uma forma de fugir da
vida, mas de mergulhar nela e redescobri-la.
Danilo
Venticinque -Editor de livros de ÉPOCA
Conta com a
revolução dos e-books para economizar espaço na estante e colocar as leituras
em dia. Escreve às terças-feiras sobre os poucos lançamentos que consegue ler,
entre os muitos que compra por impulso
Twitter:
@daniloxxv
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