O FADO DE
SER PORTUGUÊS
Por
Humberto Pinho da Silva
Estou
sentado numa cafetaria, aberta para o mar azul. A praia está movimentada. Um
avião rasga o céu e deixa longo risco branco, que contrasta com o azul luminoso
da abobada celeste. Tudo está coberto de sol.
Diante da
minha mesa, encontra-se um velho. Rosto enegrecido no mar, sulcado de pregas
profundas. Cabelo raro e grisalho. Sobranceiras negras e densas. Olhos de azul
porcelana, vivos e encovados.
Atraído
pelo meu olhar, encara-me, e num rouco murmúrio, diz-me:
- Está um
bonito dia!
- De Verão!
Dos verões da minha juventude! - respondi.
Em breve
vizinha-se da minha cadeira, tentando dialogar:
Toda a vida
foi no mar. Viu morrer muitos, sem puder socorrer.
Foi vida de
trabalho. - “ Quarenta anos a labutar!” – confessa.
A conversa
estava interessante:
Fora
pescador. Andou nas barcas poveiras. Conhecera a fome, quando o mar recusava o
peixe. Criou filhos. Deu-lhes muito amor, já que pouco mais havia para dar.
Andou em
África, na guerra. Viu terroristas. Não sabe se matou.
Agora vive
da reforma. Pensão modestíssima.
Arrepende-se
de não ter ido para França - “ Lá sim, na Europa, o trabalho é recompensado!”.
Confessa
que chorou, quando os filhos partiram. Foram todos. Mas que havia de fazer?!
Portugal é
ingrato. - “ Quando é, que trabalhador, aqui na Póvoa, pescador, como eu, pode
ter: casa, automóvel, dinheiro no banco e ir passar férias no Algarve? “ -
pergunta.
Não soube
responder.
Este velho,
de pele enrugada, lábios sumidos, é a imagem de milhares, milhões de
portugueses, que envelheceram a trabalhar, para receberem minguas reformas.
Também eu,
pouco mais novo, mas velho para emigrar, lamento não ter partido.
A minha
geração nasceu num país pobre, onde se considerava que ter: herdade, fábrica ou
loja comercial, era ser rico. Que digo eu? Milionário.
Fomos
levados, à força, para a guerra. Guerra, que diziam estar ganha; mas que a
política deu-nos a derrota.
Com o fim
do conflito, conquistamos liberdade, e a ilusão de sermos país a nível europeu.
Puro
engano! Se outrora os jovens saíam para ganhar o pão, que a Pátria negava;
agora saem às catadupas, desesperados, deixando pais no desemprego, e avós com
pensões, que ano a ano, se reduzem, graças à inflação e aos descontos
sucessivos. O último corte será de 10%. Será o último?
Dizem-me
que foi para pagar o progresso: as autoestradas, os estádios de futebol, as
infraestruturas, que tornaram o velho Portugal, num país do primeiro mundo.
Preferia,
que não houvesse tantas autoestradas; que os clubes desportivos tivessem
estádios modestos; que não houvesse tantos projetos megalómanos; tanto luxo.
Preferia
viver tranquilamente, sem o sobressalto de não conhecer: se os novos têm
velhice garantida, e os velhos fim de vida sossegada.
Este velho,
que encontrei na esplanada poveira, virada para o mar, recordou-me a sina dos
portugueses: sempre eternos judeus errantes, em busca do sustento da família.
Fado que
atravessa a História. Fado que nos acompanha, séculos e séculos.
Tivemos impérios. Tivemos reinos em África.
Tivemos terras sem fim, no Brasil. Chegamos à Ásia, à Oceânia. Tivemos elites
riquíssimas, mas sempre, sempre, o povo trabalhador, foi pobre. Sempre teve que
abandonar a Pátria querida.
Ambição?
Necessidade? Ambas; mas sempre a precisão de abalar, fugir da aldeia onde
nasceram, da vila onde estudaram, da cidade que lhes negou trabalho, e justa
recompensa.
Estamos em
Agosto. Póvoa do Varzim transformou-se em centro cosmopolita. Na Avenida dos
Banhos, escutam-se todas as línguas. Os hotéis encontram-se repletos. São
estrangeiros que nos visitam ou emigrantes?
São
poveiros que regressam, acicatados pela saudade: pelo torrão natal, pela
família que deixaram, pelo amor que nutrem por essa bonita e encantadora
cidade. O maior e melhor centro turístico do Norte de Portugal
Humberto
Pinho da Silva nasceu em Vila Nova de Gaia, Portugal, a 13 de Novembro
de 1944. Frequentou o liceu Alexandre Herculano e o ICP (actual,
Instituto Superior de Contabilidade e Administração). Em 1964 publicou,
no semanário diocesano de Bragança, o primeiro conto, apadrinhado pelo
Prof. Doutor Videira Pires. Tem colaboração espalhada pela imprensa
portuguesa, brasileira, alemã, argentina, canadiana e USA. Foi redactor
do jornal: “NG”. e é o coordenador do Blogue luso-brasileiro "PAZ
Página na Internet:http://solpaz.blogs.sapo.pt/
E-mail: humbertopinhosilva@sapo.pt
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