Trem
Com o embalo do trem ela
havia pegado no sono. Sua figura apresentava uma beleza quase marmórea não
fossem tantas cores, não fossem os leves solavancos que dava, acompanhando o
movimento férreo.
O pescoço esguio,
longilíneo, ficava todo à mostra quando o lenço de seda que ela usava
esvoaçava, bailando com o vento quase úmido. As linhas retas de seu pescoço e
ombro faziam um leve ângulo, sustentando a cabeça, cachoeira da qual escorriam
madeixas castanhas, levemente onduladas nas pontas. Era um ângulo convidativo
aos beijos de minha boca de espectador.
Imersa em seu sono
apoiava-se na janela. Eu, do outro lado do corredor, a observava atento, quase
encantado. Ameacei atravessar o vagão e sentar-me ao seu lado, só para saciar a
minha curiosidade de ares pueris: ela passava-me a impressão de exalar perfume
de fruta fresca ou de rosas. Eu quase podia sentir aquele frescor que saia de
minha imaginação.
No meio da tarde o trem
estava sendo tocado pelo sol que a iluminava e a deixava especialmente atraente
aos meus olhos. O contraste entre o amarelo-pálido-brilhante dos raios macios
que atravessavam a janela com os seus cabelos era fascinante.
Os lábios tinham a cor de
um Carménère, vermelho-rubi, cuidadosamente pintados, aflorando desejos de se
experimentar o sabor intenso e equilibrado de frutas vermelhas e café. Desejei
aquela boca como a uma taça de vinho, com vontades loucas de sorver cada gota
que ela derramaria.
Entreabertos como um
relicário, os lábios deixavam à mostra dentes tão brancos quanto pérolas recém recolhidas
de um mar de segredos. Eram marfins muito firmes, enfileirados como teclas de
um piano que mesmo em silêncio soavam uma toada leve aos meus ouvidos e eu me
entontecia.
Abandonei meu lugar. Na
iminência de ter alguém ao lado dela, voei baixo e pousei no assento vago à sua
esquerda. Hipnotizado, não ousei desviar os olhos daquela
quase-Vênus-de-carne-e-osso-e-charme.
Ela dormia profundamente e
suspirava. Não podia imaginar que eu a admirava, observando-a a tanto tempo.
Minha estação se
aproximava. Ela não acordava. Mas e se acordasse, o que eu faria? Desviaria o
olhar e só. Busquei encher-me daquela presença e mergulhar em minhas fantasias
contemplativas antes que a perdesse de vista para um nunca mais qualquer.
Subitamente ela acordou e
olhou-me, atravessando com seus olhos de seta. Soltou um cumprimento meio
tímido, mas polido, embrulhado ricamente em um tom de voz que aveludava aquele
boa tarde. Tremi mesmo sabendo que aquela cordialidade era plástica, uma praxe
social.
Com ares tocados pela
distração e um leve não-saber-onde-se-estava ela olhou pela vidraça. Aquele par
de olhos da mesma cor que seus cabelos eram úmidos como uva fresca. E atentos.
Logo capturaram a localização e minha musa levantou em um passo ligeiro, mas
quase flutuante. Deu-me um sorriso liso e desceu na estação que havíamos
acabado de chegar.
Deslizando entre os tantos
passantes ela sumiu na multidão, levando consigo parte dos meus sonhos
ensolarados daquela tarde. Depois dela vieram as nuvens e o céu nunca mais foi
o mesmo.
Dy Eiterer. Juiz de Fora, Minas Gerais, Brasil. Edylane é Edylane desde 20 de novembro de 1984. Não ia ter esse nome, mas sua mãe, na última hora, escreveu desse jeito, com "y", e disse que assim seria. Foi feito. Essa mocinha que ama História, música e poesia hoje tem um príncipe só seu, seu filho Heitor. Ela canta o dia todo, gosta de dançar - dança do ventre - e escreve pra aliviar a alma. Ama a vida e não gosta de nada morno, porque a vida deve ser intensa. Site:Dy Vagando
Assinar:
Postar comentários
(
Atom
)
Nenhum comentário
Postar um comentário