Da janela não se vê
Ter olhos para olhar a vida é o mistério maior: é como
passar os braços em volta de si e sentir o próprio toque; é o impulso da
liberdade correndo, voando, aos pulos!
A vontade, o desejo suspenso no ar e a ousadia que
chega e nos aborda com um quê de “preciso voar” seguido da tortura que completa
“e por que não persegui antes o voo?” são os ângulos que faltam quando o
enquadramento de si já não parece mais se adaptar ao cenário criado para se
ambientar numa ficção sem momentos demarcados.
É o nosso limite que chega, pede licença e invade a
casa com interrogações que não sabemos de onde tirar a extravagante quantidade
de respostas – na maioria das vezes sem sentido algum, que só se traduzem
melhor bem no fundo de um baú para ser vasculhado sempre num lugar chamado
futuro.
Tento olhar ao redor, encontrar algo que eu possa
contar. É mais que ter olhos para ver a vida passar e se fazer em pequenas
histórias ou grandes enredos; é sobretudo não se render quando se vê – posso
dizer que me rendo constantemente, é o que me faz sentir mais e ser transviada
diante da ordem que se instala - mesmo sabendo que a pose muitas vezes dá corpo
à situação e é encantadora.
Uma cena me vem à cabeça: algo distante, afastado da
rua, como se fosse do lado oposto da vida. Não posso contá-la em detalhes
esmiuçados, pois rodaria como no tempo de um filme, mas existia um prazer que
sustentava os minutos que pareciam intermináveis.
Vi somente o espaço da janela fechando ferozmente,
arranhando a fechadura – como se não
quisesse mostrar seus inquilinos. Ali, ocorreu-me a sensação de que tramitavam
os gestos com a visão do algo não resolvido, mas que estava ali com toda a sua
força e imensidão.
O vento que continuava a bater tão forte e inusitado,
quase que deixava as palavras em confusão por entre seus sussurros variados -
como todos os atos que podiam ser encenados naquela rua da frente, a esconder
seus moradores por entre as frestas das janelas escurecidas pelas cores que
impregnavam as paredes já desgastadas.
Eles estavam grudados, segurados entre as mãos, com um
choro incontido, mas gritavam com todas as suas forças e explicavam que tudo
estava resolvido; da garganta já não saia o ar que necessitavam, porque se
abraçavam como se fossem um só, e não havia mais nenhuma necessidade das
palavras.
*Imagem: The Kiss, de Henri de Toulouse - Lautrec
Patrícia Dantas - Amante da arte de escrever e descobrir nas histórias a construção das palavras.
Possuo, desde 2010, uma página atualizada no Recanto das Letras:
Participei da Focus - Antologia Poética VII, pela Cogito Editora:
http://www.cogitoeditora.com/patricia-dantas-focus-antologia-poetica-vii/
Meu Blog: Intimidades de uma Escritora
Portal BVEC (Biblioteca Virtual do Escritor Contemporâneo:
http://www.portalbvec.net/Patricia_Dantas/
Um brinde ao encanto das palavras!
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