NAÇÃO CRIOULA
“Apesar de gostar muito do Agualusa, achei seu pequeno
livro fraco, demasiadamente enfadonho, repletos de lugares comuns, além de não
consegui entender até hoje o porquê dessa obra ter sido inclusa na lista de
vestibulares de algumas faculdades no Brasil.”
Nas últimas semanas escrevi alguns textos sobre a
relação entre meios de comunicação, publicidade e humor, a violência, falta de
oportunidades e a prática de racismo, o primeiro provocado por uma peça
publicitária de divulgação do vestibular da PUC-PR e o segundo por conta de um
programa de humor que ridicularizava as religiões de matriz africana. Mas, no
último domingo, 03/11, graças à eterna imbecilidade da Rede Globo de Televisão,
retorno ao tema.
Em seu quadro humorístico “O Baú do Baú do Fantástico”,
apresentado por um dos filhos do Chico Anysio, exibiu um episódio cujo tema
ainda é muito caro para a história da população negra no Brasil. Passado mais
da metade do programa, eis que de repente surge a simpática Renata
Vasconcellos, cabelos esvoaçantes, sorriso banco estonteante ainda embriagado
pela repentina promoção: “Vamos voltar no tempo agora, mas voltar muito: 13 de
maio de 1888, no dia em que a Princesa Isabel aboliu a escravidão. Adivinha
quem tava lá? Ele, o repórter da história, Bruno Mazzeo!”
O quadro, assinado por Mazzeo, Elisa Palatnik e Rosana
Ferrão, faz uma sátira dantesca do momento histórico da abolição da escravidão
no Brasil – confira aqui. Na “brincadeira” o repórter entrevista Joaquim
Nabuco, importante abolicionista, apresentado como líder do movimento “NMS –
Negros, Mulatos e Simpatizantes”! Mas a Princesa da Disney, digo, Isabel,
bisneta de D. João VI, em 13 de maio de 1888, através da Lei Imperial nº 3.353
(Lei Áurea), também entrevistada, diz que os ex-escravos serão amparados pelo
governo com programas como o “Bolsa Família Afrodescendente”, o “Bolsa Escola –
o Senzalão da Educação” e com Palhoças Populares do programa “Minha Palhoça,
minha vida”! “Mas por enquanto a hora é de comemorar! Por isso eles (os
ex-escravos) fazem festa e prometem dançar e cantar a noite inteira…” registra
o repórter, quando o microfone é tomado por um homem negro que, festejando,
passa a gritar: “É carnaval! É carnaval!”
E, segundo historiadores, somente após a abolição da
escravatura é que os negros tiveram a “possibilidade” de começar a lutar
militantemente pela conquista de um lugar na sociedade capitalista. Mas no
livro “Nação Crioula”, de autoria do angolano José Eduardo Agualusa,
mostra algumas histórias ocorridas no
século XIX entre Fradique Mendes, um aventureiro português e Ana Olímpia Vaz de
Caminha, figura capaz de enriquecer qualquer narrativa pela vida cheia de
situações diferentes e antagônicas, pois embora nascida escrava foi uma das
mulheres mais ricas e poderosas daquela região africana de cultura portuguesa,
ou seja, Angola. Muito parecida com a nossa conhecida Chica da Silva.
José Eduardo Agualusa
Conheci Agualusa pessoalmente numa de suas visitas a
Salvador, em 2006, na ocasião ainda o presenteei com o meu livro “Diálogos
Inesperados Sobre Dificuldades Domadas”, e fiquei impressionado com o seu amplo
conhecimento da realidade de Angola e o seu profundo interesse pela realidade
brasileira. Em “Nação Crioula”, a história se desenrola entre 1868 a 1900 e é
contada através das cartas trocadas por Fradique Mendes e sua madrinha, Madame
Jouarre, entre ele e Ana Olímpia e com Eça de Queirós. Nas cartas, o personagem
relata seu trânsito entre personagens ricos, pobres, do clero, malfeitores,
passando por situações inusitadas desde sua chegada em Angola, sua, às vezes,
turbulenta permanência, o encontro casual com Ana Olímpia, por quem de imediato
nutre um sentimento especial e todo o suspense – poderia dizer drama – que
envolve sua amada até poder libertá-la para com ela viver.
Apesar de gostar muito do Agualusa, achei seu pequeno
livro fraco, demasiadamente enfadonho, repletos de lugares comuns, além de não
consegui entender até hoje o porquê dessa obra ter sido inclusa na lista de
vestibulares de algumas faculdades no Brasil. É importante ressaltar aqui que o
Fradique Mendes é um personagem criado por Eça de Queirós, mas que Agualusa
tomou por empréstimo no seu romance – incluindo na sua narrativa o próprio Eça
de Queirós. Misturam-se personagens e pessoas reais. Fradique não tem um
trabalho, vive da mesada que sua madrinha lhe envia, mesmo assim tem uma vida
de regalias em Angola.
As cartas narram episódios ocorridos em Angola de 1868
a 1876. Posteriormente, viaja para Pernambuco naquele que talvez fosse o último
navio negreiro da época, o Nação Crioula, para fugir de seus perseguidores,
pois sua vida corria perigo. O melhor texto no livro é a “Carta a Madame de
Jouarre, Lunada, Junho de 1868”, sobre a história de jovem Carolina que se
casou com um negro enfermeiro. Resultado: um homem, contratado pelo pai da
moça, empurrou brutalmente o enfermeiro e quando este se voltou para protestar
esfaqueou-o n garganta e fugiu. Poucas semanas mais tarde , Carolina era
conduzida à Igreja dos Remédios, em segundas núpcias para casar com o próprio
assassino do seu primeiro marido.
Num outro texto, “Carta a Eça de Queiroz, Paris,
Outubro de 1888”, encontramos: “Meu silêncio, portanto, é patriótico. Se
permanecermos quietos e calados pode ser que o mundo, ignorando que não estamos
no Congo, nos deixe continuar a não estar lá”. Todavia, no Brasil dos dias
atuais, esses mesmos preconceitos ainda permanecem encravados na pele e nos
rostos dos cidadãos, mesmo que de forma indireta, na condição de “escravos”,
pois são vítimas de todo tipo de discriminação, racismo e bullyng; seja na
escola, no trabalho, no meio artístico e religioso, no campo literário, no
contexto dos livros didáticos escolares ou mesmo na universidade, através da
adoção do sistema de política de cotas raciais por parte do governo federal.
Mas no livro “Nação Crioula”, a partir das missivas
escritas de Olinda para onde Fradique Mendes se transfere, a princípio, para
casa de amigos e, mais tarde, para uma propriedade que adquire e passa a viver
de forma abastada reproduzindo a vida de muitos senhores com quem tivera
contato em suas andanças, com escravos e bens, a vida de escravidão no Brasil é
descrita como antagônica. Posteriormente transfere-separa Bahia. Lá tem uma
filha, mas não permanece no Brasil. Vai para a França, onde morre. Ana Olímpia
e a filha Sophia fazem o caminho de volta para África. O romance termina com
uma carta de Ana Olímpia a Eça de Queirós onde ela relata a sua história.
O livro trata de uma situação ainda bastante complexa e
deveras preocupante, tendo em vista ser difícil acreditar que, em pleno século
XXI, a cor da pele e o status social de uma pessoa ainda sejam as principais
características para deixá-la ou não à margem da sociedade. Dizemos isso,
porque entendemos que a discriminação, o racismo e o preconceito se configuram
como fatores extremamente negativos numa sociedade que se julga democrática e,
na teoria, inclusiva; tendo em vista que Agualusa considera o racismo como algo
instituído por outrem, e o preconceito, por sua vez, um fator de ordem
universal e, portanto, difícil de erradicar; mas não impossível. Seja como for,
o fato é que o racismo, o preconceito e a discriminação ainda estão fortemente
presentes em nossa sociedade, principalmente na escola, e se constituem em
crime contra a honra e a dignidade da pessoa humana.
Uma frase sintetiza muito esse livro: “A intriga é
nesta cidade uma espécie de jogo, praticado em toda a parte, com paixão, por
ricos e pobres”. E embora a mídia televisiva, por exemplo, procure mostrar o
contrário, camuflando em certa medida essa realidade, a cultura negra (com suas
tradições, hábitos, costumes, credos religiosos, danças, músicas, manifestações
artísticas, comidas típicas etc.) ainda não tem sido valorizada pela sociedade
brasileira contemporânea da forma que realmente merece e lhe é de direito. Tudo
o que diz respeito ao legado cultural dos povos afrodescendentes (negros,
quilombolas, africanos etc.) tende a ser considerado imoral, antiético, feio,
subversivo e totalmente contrário aos valores sociais trazidos pelos europeus
ao Brasil. (“NAÇAO CRIOULA: A Correspondência Secreta de Fradique Mendes”,de
José Eduardo Agualusa,romance, Rio de Janeiro, Ed. Gryphus – 2001)
Elenilson Nascimento.
Seu instrumento de trabalho: a literatura. Suas vítimas: os leitores
incautos. Sua meta: criticar, escrever, publicar, deliciar. Sua cara:
ainda pouco veiculada. Seu endereço: desconhecido. Seu diálogo com o
público: um monólogo interior. Seu número de telefone: nem mesmo sua
família sabe. Ele é um ex-professor (*que não acredita mais em educação e
nem em instituições desse país), escritor desaforado, poeta indignado, e
como se não bastante, ficcionista de mão cheia. Já participou de várias
antologias pelo país, 1º Lugar no I Concurso de Literatura Virtual e
classificado no II Prêmio Literário Livraria Asabeça 2003. Autor de
alguns livros desaforados e, assim, vai seguindo e experimentando dessa
dor de fazer o novo diante de uma vanguarda feita de elite e de passado.
Mas o que mais me orgulha foi ter colocado no ar (desde 2003) o blog
LC, pois "...na esquina da cadeia desemboca o enterro. O caixão negro,
listado de amarelo, pende dos braços de quatro homens de preto. Vêm a
passo cadenciado os amigos, seguindo, o chapéu na mão, a cabeça baixa.
As botas rústicas, no completo silêncio, fazem na areia do chão o áspero
rumor de vidro moído." Pronto, esse sou eu. Quer saber mais, então
manda sinal de fumaça! Sobre o Blog: A Web é uma fronteira por onde eu
(ainda) posso expandir as minhas linhas tortas. Este blog é o início da
minha campanha rumo a minha expulsão da ABL. O primeiro passo poderia
ter sido o Twitter, mas lá é um território arrogante de irredutíveis
gauleses. * Me siga pelo Twiiter: Elenilson_N
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