Teoria
complexa do desenvolvimento intelectual do mundo pela feiúra
Ninguém é feio porque quer, acontece, nasce-se ou
torna-se feio por acaso, mas a feiúra é como nome próprio, sendo que nomes
escolhem-se e são escolhidos pra gente enquanto a que feiúra nos escolhe.
A feiúra assim como a beleza atrai, sendo que a primeira
pelo espanto, enquanto que esta última pela empatia, pois gostamos de pessoas
bonitas, tanto quanto de pessoas feias, só que das bonitas gostamos de estar
perto, das feias gostamos pra sorrir.
Sei o que é ser feio, agora quanto a ser bonito, nunca
soube, tenho vontade de perguntas às pessoas, como é ser bonito? Pois ser feio
já sei como é. E não me venham com esse discurso politicamente correto de que o
que vale mesmo a beleza interior, isso é retórica barata de comercial de
remédio sem procedência e genérico.
Quando tinha 14 anos, quase 16, nesse período, apenas
uma senhora de quase 40 anos dizia a mim, simpatizo tanto com esse menino, quem
me dera ter a idade dele. Claro, ela não me disse ser eu bonito, apenas disse
que simpatizava comigo, mas eu ainda não sabia dessa técnica de não dizer a
verdade sem mentir, dizendo outra coisa que na verdade queria era mesmo dizer
aquilo uma mentira, sim, você é feio, mas tem suas qualidades.
Quando você diz, me acho tão feio, e as pessoas dizem,
que nada, você é legal, pronto, é um atestado de feiúra, pode chorar. Ou quando
dizem, ninguém é feio, todo mundo tem sua beleza, e mais, você é inteligente,
simpático, estão apenas comprovando a realidade, sim, você é mesmo feio e
querem contornar isso colocando outras qualidades na ausência da sua beleza.
Até os 16 anos de idade eu já tinha ouvido isto um milhão de vezes das mais
variadas formas, ficou apenas a certeza, sim, eu era mesmo feio, e daí?
Daí que nada, feiúra não se acaba, é pra sempre,
diferente da beleza que tem sua validade, o feio fica mais feio ainda com o
tempo, claro, você adquire outras qualidade para compensar a sua falta de
beleza, ou como dizem a ausência dela, hoje preferimos eufemismos, é mais
interessante, não se diz mais fulano ou fulana é feia, se diz, é desarrumado,
sem jeito, mais feio mesmo não. No meu tempo diziam, você, antes de vir pra cá,
não passou no departamento de beleza do céu, agora sofra.
Então, você procura compensar sua feiúra com outros
dons, por exemplo, aos 16 anos já havia levado nãos e mais nãos de todas as
formas e larguras, de todas as mulheres possíveis, das mais complexas as mais
fáceis, das mais bonitas as mais feias, apelei de todas e para as formas e
situações possíveis, não dava mesmo certo, era feio, que mais eu poderia fazer?
Nada.
Até que um dia eu parei pra pensar, num desses
insights, inspirações divinas, como Moisés recebendo as leias de Deus, bem,
bonito não sou, nem rico, nem charmoso, nem nada, só me resta ler, me tornar um
intelectual, talvez até quem sabe alguma menina não goste de uma cara
inteligente, bem, pelo menos lido? E foi aí que comecei a ler.
Como dizem, num há um bem que num traga um mal, a
feiúra do mundo é responsável pelo desenvolvimento deste, está comprovado, quem
é feio não perde tempo, pois quem é bonito perde muito tempo conversando a
própria beleza, mas quem é feio vai fazer o que, qualificar a feiúra? Certamente
que não. A gente levando.
Comecei a ler, devorar livros, consumir histórias,
páginas e páginas, adentrei nos livros, no mundo da literatura, passei a
escrever poemas, crônicas, refletir sobre a vida, o mundo, as pessoas, sobre
mim mesmo.
O mundo é outro quando a gente passa a viver dos
livros, pelos livros, com os livros, claro, a gente não deixa de sonhar com o
amor e com uma relação afetiva, só porque nos tornamos ou somos feios não quer
dizer que não tenhamos sentimentos, mas a forma como o mundo nos trata hoje
mais do que nunca, dentro da ditadura que se chama beleza, dos corpos, dos
padrões, ser feio é quase um palavrão, um defeito, um erro, e não um
acontecimento biológico, natural, parte das idiossincrasias visuais, o que nos faz escolher um mundo mais recluso,
faz outras escolhas.
Se tivesse que confessar e agradecer, agradeceria a
todas as meninas e jovens da minha geração, pelo desprezo com que me trataram,
com a indiferença, pois elas me fizeram mesmo quem o saber, sem o querer ou
intenção, pois me permitiram o olhar para mim mesmo, outros caminhos, uma
reflexão em torno da minha própria vida, por que eu deveria viver mendigando o
amor dos outros quando eu teria tantas coisas fazer com a minha vida? Ler,
estudar, viver outras coisas, outros momentos, outras histórias, enfim, sair e
deixar as minhas prisões, prisões mentais e sentimentais.
Hoje posso concluir que, se o mundo não se desenvolve
pela complexa teoria da feiúra, pelo menos o meu desenvolvimento intelectual se
passou por lá, aliás se passa por cá, ainda sou feio, não mudei, melhorei por
dentro, amadureci, mas ainda sou feio, o que é muito, posso me dedicar aos
livros, a escrita, no lugar de me preocupar com a minha beleza, pois não tenho,
nunca a tive.
Ronaldo Magella é professor, poeta, escritor, blogueiro, radialista, jornalista,
cronista, tem 33 anos, é do signo de peixes, não gosta de futebol, prefere
livros, é formado em Letras e Jornalismo pela UEPB, tem especialização em
linguística, e agora é acadêmico de Pedagogia pela UFPB, adora MPB, Rock, café,
romance, paixão e café, não nessa ordem, trabalha hoje com internet, rádio,
assessoria de imprensa, leciona, sonha e vive, mas sonha do que vive, afinal,
enfim.
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