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Eu me chamo Antônio [Layse Moraes]

Eu me chamo Antônio

Criador da fanpage lança livro com compilação de guardanapos poéticos

Texto: Layse Morae
Artigo publicado na Revista TPM 

Criador da página do facebook Eu me chamo Antônio, Pedro Gabriel nasceu na África, chegou ao Brasil ainda criança, aos 12 anos, e, em meio a dificuldades com a língua portuguesa, começou a prestar atenção nas palavras, brincar com elas, tentar entendê-las.

É exatamente o olhar atento com a palavra que faz sucesso nas redes sociais. Antônio, uma espécie de alter ego de Pedro, é o personagem principal dessa história toda, “um romance que está sendo vivido”, como o escritor gosta de dizer.

O percurso afetivo e íntimo de Antônio ganha amplitude e atinge milhares de pessoas. A capacidade de desenhar - e eternizar - palavras, cheias de sacadas delicadamente engraçadas em algo tão prosaico e efêmero quanto o guardanapo de papel, é o que provavelmente conquistou os mais de 400 mil seguidores da página. A sensibilidade de Antônio viralizou.

Agora, os desenhos de palavras transcenderam o virtual e viraram livro, cuja seleção é quase toda formada por inéditos. A obra é considerada pela pesquisadora em novas estratégias para a mídia digital do Programa Avançado de Cultura Contemporânea da UFRJ, Cristiane Costa, uma nova tendência literária, a visual writing, em que desenhos, fotos e tipografias se integram ao texto: “Leitores e críticos mais conservadores podem ficar perplexos, mas para as novas gerações está claro que o caminho da inovação literária passa pelo rompimento dessa barreira entre texto e visual”, diz ela.

O Antônio, quer dizer, o Pedro Gabriel falou com a gente sobre o comecinho de tudo, a recepção dos leitores, sua proximidade e distanciamento com o personagem que criou e deixa claro: “A página na internet existia antes do livro e continuará existindo até eu sentir verdade no meu traço e na minha palavra. Agora estou vivendo um guardanapo de cada vez”.


Como surgiu a ideia de desenhar palavras, como você mesmo diz, em guardanapos de papel? E como foi a criação do Antônio? Tudo começou em outubro do ano passado. Eu estava voltando para casa depois de um dia cansativo de trabalho e decidi parar para tomar um chope no Café Lamas, um restaurante tradicional aqui no Rio de Janeiro. Enquanto esperava o meu pedido, fiquei desenhando na única plataforma que tinha naquele momento: os guardanapos que estavam no balcão. Acabei gostando do resultado e decidi fotografar o rabisco. Alguns dias (e chopes) depois, eu percebi que tinha bastante material guardado e tive a ideia de abrir uma página na internet para ter um registro de todas as minhas criações até então.

A página precisava de um nome e Antônio era o nome da minha identidade que eu nunca usava para me identificar (meu nome completo é Pedro Antônio Gabriel Anhorn). Acho que essa escolha foi uma forma de dar vida ao que até então andava esquecido.


Sua ligação com a escrita começou quando e como? O que você fazia antes de abrir a página Eu me chamo Antônio? Eu trabalhei um tempo como redator publicitário. Minha formação, sem dúvida, me ajudou a ter contato com um mundo incrível de referências visuais e textuais. Eu era fascinado pelos anúncios tipográficos (all-type) e, apesar de sempre ter sido redator, tinha uma queda pela direção de arte. Sempre gostei dos desenhos das palavras.

A minha primeira lembrança de ter escrito algo conscientemente – opa, estou fazendo um poema – foi na aula de português do Lycée Molière (Rio de Janeiro). A professora pediu para cada aluno escrever um poema ou qualquer outra manifestação artística para apresentar na Semana das Artes do Liceu. Eu escrevi alguns versos sobre as ilhas de Cabo Verde, onde passei boa parte da minha infância. Obviamente minha timidez não permitiu que eu apresentasse, mas uma amiga, Sofia, o fez no meu lugar. Hoje, quando desenho ou escrevo sobre saudade é essa infância que volta.


Em relação à página, quando foi que você percebeu: “poxa, acho que isso vai dar certo”? Eu tomei um susto já na primeira semana, quando vi que muitas pessoas estavam se identificando com os meus guardanapos. Até hoje recebo diariamente muitas mensagens cheias de gentileza. Pessoas que dizem que voltaram a escrever, ganharam confiança ou perderam o medo de expor os sentimentos depois que começaram a acompanhar a página. Isso é lindo demais. Isso me inspira a continuar. 

Você escreveu na sua coluna da Intrínseca que criar dói. Como é seu processo de criação? Doloroso (risos). Eu não consigo terminar, sempre entrego minhas artes aos 47 do segundo tempo, com a torcida pressionando e o juiz com o apito na boca. Tenho a constante sensação de que nunca acaba. Acho que o processo de criação tem um quê de inacabado. É o que torna qualquer manifestação artística eterna. Quando estou criando, eu gosto de caminhar, levar as ideias para passear. Ando sempre com um caderninho artesanal no bolso e anoto tudo o que pintar na mente. Às vezes, nada vem. Noutras, tudo chega. O importante é nunca censurar o inconsciente. O que me faz continuar é saber que todo guardanapo pode ser o último. Esse pequeno pânico é o melhor combustível para qualquer criação. 

Qual é seu livro de cabeceira? E qual você acha que seria o livro de cabeceira do Antônio? Agora estou lendo Eu hei-de amar uma pedra, do escritor português Lobo Antunes. O livro de cabeceira do Antônio provavelmente seria algo do Charles Bukowski, talvez o Amor é tudo que nós dissemos que não era. Ou um guia de cerveja (risos). 

A ligação autobiográfica entre o Antônio e o Pedro Gabriel é bastante automática para a maioria das pessoas, já que o personagem é uma espécie de alter ego seu. O que há de Pedro Gabriel no Antônio? E o que não há? Todo personagem é uma pequena autobiografia do seu autor. O artista constrói seu mundo por vivências que ele já teve ou imaginou. Sempre há um pouco de exagero. Sempre há um floreio. Mas sempre há uma verdade real. Tanto o Antônio quanto eu gostamos da delicadeza das coisas, da poesia simples, do humor leve e da ressaca do amor.

O que não há? Excelente pergunta. Talvez o Antônio tenha mais coragem de exteriorizar tudo o que ele sente com desenhos e versos curtos. Afinal, é através dele que eu dou vida aos meus sentimentos.
As pessoas conversam com o Antônio como se ele fosse realmente uma pessoa real. Como você lida com a recepção disso tudo? Antônio é o personagem de um romance que está sendo escrito, vivido. Ele foi construído com experiências reais. Acho natural esse processo de identificação. Talvez seja porque, por ter sido um personagem que ficou conhecido pela internet, os leitores podem se comunicar diretamente com ele e acabam criando uma relação bem bonita. 

Deixando o Antônio um pouco de lado, quais são seus planos para além dele? No momento, estou naquela fase de contemplação. Quero aprender tudo o que eu puder com esse primeiro livro. A página na internet existia antes do livro e continuará existindo até eu sentir verdade no meu traço e na minha palavra. Agora estou vivendo um guardanapo de cada vez.

Vai lá: Eu me chamo Antônio (Editora Intrínseca), R$29,90

(*) Layse Moraes é uma jornalista apaixonada por livros e mantém o blog Coração Nonsense

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