Literatura e identidade –
Chimamanda Adichie e o perigo de uma única história
Sofia Alves
Artigo publicado no site Homoliteratus
A escritora nigeriana de
37 anos concedeu uma palestra no TED, evento norte-americano que procura
inspirar pessoas através de suas conferências, buscando desmistificar o olhar
de uma platéia que passou a vida inteira acreditando em histórias sobre o seu
continente contadas pelos colonizadores europeus e, posteriormente, escritores
norte-americanos e também europeus.
A literatura possui um
caráter de identidade forte por se tratar da expressão artística que utiliza
palavras para contar histórias. Geralmente, essas palavras traduzem crenças,
modos de vida e aflições de um determinado povo, sejam elas pronunciadas pelo
próprio ou por um observador externo. O problema encontra-se quando escutamos
somente um lado de uma história ou a ouvimos repetidas vezes com uma nova
abordagem. Essa unilateralidade conduz ao pouco conhecimento real daquele
determinado fator, o que gera uma repetição de pensamentos embasados na
interpretação daquela determinada história. O que acontece quando o outro lado,
aquele que é inferiorizado e folclorizado, decide se pronunciar?
Chimamanda Ngozi Adichie
fala justamente pelo povo que, desde o princípio da história da humanidade, foi
calado. A escritora nigeriana de 37 anos concedeu uma palestra no TED, evento
norte-americano que procura inspirar pessoas através de suas conferências,
buscando desmistificar o olhar de uma platéia que passou a vida inteira
acreditando em histórias sobre o seu continente contadas pelos colonizadores
europeus e, posteriormente, escritores norte-americanos e também europeus.
Filha de um professor
universitário e de uma secretária, Chimamanda vivenciou uma Nigéria diferente
daquele que sempre é exposta. Quando criança lia muita literatura inglesa e
americana, uma vez que a língua oficial nigeriana é o inglês. Com o passar dos
anos, começou a desenvolver paixão pela escrita, discorrendo textos que
inconscientemente traziam traços culturais europeus e americanos, uma vez que
passou a vida inteira tendo contato apenas com aquela realidade. Aos 19 anos,
Adichie foi para os EUA fazer faculdade. Foi nessa viagem que sentiu a
necessidade de desenvolver uma identidade puramente nigeriana (e africana) que
transparecesse na literatura e se distanciasse cada vez mais daquelas imagens
esteriotipadas pelo restante do mundo.
Um momento curioso do
discurso de Chimamanda é quando a escritora fala sobre seu primeiro contato com
a colega de quarto norte-americana. A menina, pouquíssimo familiarizada com
qualquer traço cultural nigeriano, pergunta como Adichie fala tão bem inglês. A
nigeriana, por sua vez, responde calmamente que a língua oficial da Nigéria é o
inglês e sua colega é atingida por uma onda de espanto. Na continuidade da
conversa entre as duas, a americana abusa mais um pouco e pede para a colega
nigeriana tocar uma música tribal típica de seu país. Para sua surpresa,
Chimamanda coloca uma música de Mariah Carey no play e choca mais uma vez a
norte-americana.
Todos esses fatos nos
levam à importância das histórias para a compreensão do mundo. A sociedade
americana, representada pela colega de quarto de Chimamanda, esteve muito tempo
submetida a uma visão de mundo limitadora em relação ao continente africano
como um todo, o que possibilitou a construção de inúmeros estereótipos
sustentados pela falta de uma voz que pronunciasse os erros naquelas versões.
Em geral, a proposta da literatura africana é justamente essa: fazer oposição
ao eixo Estados Unidos-Europa no que diz respeito ao modo de contar histórias
de seus países.
Em muitos momentos de sua
fala, Chimamanda destaca a importância da criação de uma literatura africana a
fim de construir uma identidade que falta aos países do continentes e que faça
com que países centrais mudem seu olhar de pena para um de igualdade e
normalidade. A escritora africana acredita que dessa forma poderia ser
estabelecida uma “igualdade de histórias”, o que permitiria uma melhor
compreensão do mundo tanto para seus conterrâneos tanto para o restante do
planeta que ainda tende a atribuir à África características folclóricas e
retrógradas.
O problema, porém, está
alicerçado em um fator determinante da sociedade capitalista: o poderio
econômico. O predomínio de escritores advindos de países centrais no cenário
cultural do mundo é gritante, uma vez que estes possuem condições financeiras
de dominar o mercado e liderar os rankings de venda e as indicações a prêmios
literários.
Chimamanda, mesmo em meio
a tanta adversidade, vem se consolidando no cenário mundial. No Brasil, seus
dois romances Hibisco Roxo e Meio Sol Amarelo já foram publicados com o selo da
Companhia das Letras. Além disso, em 2007 a escritora foi agraciada com um
prêmio Orange Prize, cedido a personalidades femininas de destaque no ano.
Sua fala contamina de
forma extremamente positiva qualquer aspirante ou até mesmo escritores
consolidados. Suas palavras firmes e engajadas podem ser trazidas para a
realidade literária do Brasil, uma vez que somos muitas vezes folclorizados e
desconsiderados pela condição de subdesenvolvimento em que nos encontramos.
Vale a pena assistir o vídeo e se inspirar para continuar escrevendo aquela
crônica que anda empoeirada, aquele livro que anda engasgado ou simplesmente
para se apaixonar novamente por literatura.
Sofia Alves
Uma carioca que brinca de
escrever sempre que pode. Futura aluna de Letras e professora. Acredita que a
Arte é o refúgio para nossa ordinaridade, como bem disse Schopenhauer.
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