Corpo no ar
Giseli Corrêa
Artigo publicado no Site HomoLiteratus
Vai me perguntar o que eu
fazia naquela noite. Me olhar com medo, pena ou nojo enquanto milhões de
possibilidades passam pela sua cabeça, enquanto tenta escolher a mais simples,
ou a menos terrível.
Havia um corpo… Sim. Um
corpo estendido e eu me lembro perfeitamente disso. O vermelho sobre o lençol
branco, a pouca luz, as marcas sobre a pele lisa… Tão macia ao toque, tão
suave… Me lembro de sentar na cadeira ao lado da cama, naquele hotel barato e
apenas observá-la. Seus cabelos loiros desgrenhados… Os lábios entreabertos…
Continua a me olhar como
se eu fosse louco, tolo, ou… Psicopata? Sorrio agitando a cabeça, o pensamento
que eu poderia ser todas estas coisas… Me pergunta mais uma vez, e eu te olho
com indiferença, ou sarcasmo, porque você nunca irá entender.
A última vez que faz a
pergunta tem chamas nos olhos e espera com uma paciência forçada, que nós dois
sabemos, não é da sua natureza. Você quer desvendar o caso, eu só quero voltar
para casa. Dou o endereço do hotel na divisa da cidade, o nome da garota, seu
telefone. Explico que passamos a noite juntos e por isso sim, eu acabei com a
vida do homem, mas nunca cheguei perto dele…
Você passa um tempo
processando as informações, sorriso nos lábios, provavelmente pensando como eu
cheguei a foder a vida do prefeito sem jamais tocar nele… Você pensa em dizer
algo sobre ela e eu te encaro esperando. Nada…
Adultério pode ser crime,
mas não é o que você está procurando.
Havia um corpo estendido e
eu me lembro perfeitamente disso. O vermelho da lingerie de renda provocante
sobre o lençol branco, as marcas das minhas unhas sobre a pele lisa, a
respiração suave e relaxada… Os cabelos loiros desgrenhados…
Você me deixa sair com um
suspiro resignado, eu caminho pela porta com um boa noite polido deixando a
estação para o ar frio da noite. Se passaram 24 horas e ninguém mais parece
chocado com os acontecimentos, ninguém se interessa por me ver caminhar para o
carro que me espera na rua.
Ela sorri suavemente
quando me vê entrar e eu espelho seu sorriso para que ela saiba que está tudo
bem. Ela liga o carro tirando-nos dali e dirigindo para meu apartamento no
centro. Tudo é diferente da noite anterior e eu gostaria de agradecer a Deus
por isso, mas ele não tem nenhuma responsabilidade sobre isso.
Me lembro de sentar na
cadeira ao lado da cama e apenas observá-la… Meus sapatos estavam por perto
então calcei, cantarolando para mim mesmo uma melodia feliz. Coloquei o terno
ainda admirando-a em sua beleza dormente e saí para a rua acendendo um cigarro assim
que pisei na calçada. Não havia ninguém. Até mesmo a recepção tinha estado
vazia.
O encontrei bêbado na
saída do clube e aquilo apenas me deu ainda mais coragem. Foram dois tiros sem
piscar antes de caminhar de volta para o hotel. No final da rua, um caminhão
apitava sinalizando a coleta do lixo, e eu baixei meu chapéu sobre o rosto
depois de despejar a pistola entre o lixo fedorento de um restaurante chinês.
Ninguém parece chocado,
ninguém se interessa pelo homem de terno preto que caminha distraidamente pela
calçada. Passo pela recepção que continua vazia e caminho para o quarto,
jogando o terno sobre a cadeira. Ela continua a dormir e eu me sento para
observá-la. De toda a noite ela é a única lembrança que vou levar comigo.
Havia um corpo… Sim, um
corpo estendido e eu me lembro perfeitamente disso…
***
Ilustração de Marcela
Renata Ramos
Giseli
Corrêa
É uma garota do interior,
que escreve histórias, lê histórias e se apaixona por histórias. Não que sua
vida seja apenas isso, mas vamos lá, todo o resto é apenas mais uma história...
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