Seu sorriso não me deixa
de coração descalço
por Ricardo Coiro
Não sei se já confessei a
vocês, mas sou completamente apaixonado por calçados. Tenho mais de trinta
pares espalhados pela casa. E já pensei, seriamente, em comprar um armário só
para estacioná-los.
Se eu tivesse guardado as
caixas dos tênis que comprei nos últimos cinco anos, certamente, possuiria
matéria-prima suficiente para a construção de um imenso resort para gatos.
Gosto tanto de comprar tênis, que por precaução e para fugir de possíveis
rombos em minha conta bancária, até evito passar em frente a algumas lojas. É
mais seguro, eu sei.
Às vezes eu saio de casa
para comprar aveia e volto portando um novo par de botas. E sem a aveia, óbvio.
O que foi? Você nunca fez isso?
Mas saiba que eu estou
longe de ser o maior consumista do meu bairro, e mais distante ainda de me
parecer com uma versão masculina da Paris Hilton. Eu fico assim – impulsivo e
irracional – apenas quando penso em calçados – e em temakis, claro. Com o restante
das coisas, acredite, eu lido muito bem, obrigado, e consigo me controlar
perfeitamente. Pra você ter uma noção, irmão, a última vez em que comprei uma
bermuda foi em 2003, antes da viagem para Porto Seguro que fiz com o colégio. E
não pretendo substituí-la tão cedo, pois apesar de possuir alguns furinhos e de
apertar a minha barriga não mais adolescente, ela continua ótima, e quase,
quase mesmo, na moda.
Agora que sabem da minha
paixão por objetos que vestem os pés, eu gostaria de dividir um acontecimento
curioso com vocês:
Há três meses, em um dia
na qual nenhum texto parecia interessante, eu resolvi tomar um café no
shopping. E lá, à primeira vista, apaixonei-me por um par de Vans. Meu coração
chegou a disparar. Suei frio. E, gaguejando, perguntei o preço do tênis à
simpática vendedora. “Duzentos e vinte e nove, senhor!”, ela me respondeu. Só
não comprei na hora porque estava mais duro do que pinto de ator pornô. Mas
decidi que juntaria grana, e que, assim que tivesse o montante necessário,
voltaria àquela loja para realizar a compra. O tempo passou, e o meu cofrinho,
graças às coxinhas que deixei de comer e aos sábados que fiquei só no DVD,
engordou. Para ser bem preciso, consegui duzentos e quarenta e dois reais.
Amanhã comprarei o tênis,
pensei. E minutos depois o meu telefone tocou: minha namorada. Voz carregada de
preocupação. Problemas no trabalho. Tensão que não precedia menstruação alguma.
Timbre rouco de quem havia dormido mal. Tentei imaginar uma maneira de
ajuda-la, mas me senti impotente, algemado por variáveis nas quais eu – mesmo
querendo muito – era incapaz de interferir. Ela precisava de soluções que,
definitivamente, não estavam ao meu alcance. Porém, por amá-la e por querer, a
todo custo, vê-la bem, senti-me impelido a ir além do mero “Vai dar certo,
amor!”. Eu precisava ajuda-la. Mas como? Pensei. Pensei. Pensei. E resolvi que,
em vez do tênis, eu compraria um vale-massagem (já que eu não poderia dar a
solução, decidi que, ao menos, amenizaria as tensões decorrentes do problema).
Vinte cinco minutos depois o vale já estava no e-mail dela. Meu telefone não
demorou a tocar: um “alô” emocionado seguido por um “obrigada” sorridente.
Timbre de gente que, em meio à guerra, do nada, encontra uma proteção, um
abrigo florido e inesperado. Senti um bem-estar inexplicável. Fui invadido por
algo bom que, agora, parece beirar o indefinível, o imensurável. Sabe do que eu
estou falando? Não? Falo de sorrisos que nunca deixam o nosso coração ficar
descalço.
É óbvio que sou apaixonado
por calçados, mas, se eu precisasse, para garantir a felicidade de quem amo, eu
andaria por aí apenas de Rider. Não de Crocs, aí já é exagero… Brincadeira!
Pela alegria dos que eu amo, eu andaria até de pé pelado em dia de
asfalto-frigideira.
Fonte:
Ricardo Coiro
Vive entre o soco e o
sopro. Morre de medo do morno e odeia caminhar em cima do muro. Acha que
sensibilidade é coisa de macho e que estupidez é atitude de frouxo. Nunca
recusou um temaki ou um café. Peca todo dia. Autor do livro Confissões de um
Cafamântico.
Assinar:
Postar comentários
(
Atom
)
Nenhum comentário
Postar um comentário