Em tempos de informação
ligeira e rasteira, a opinião como reveladora de mundos interiores parece um
termômetro universal – tão veloz quanto a notícia que transita sem apuração –
de conservadorismo e liberalidade que acometem a Terra. O jargão, “Essa é a minha
opinião, respeite”, e sua variável “Eu penso assim, e pronto!”, brilham como
asseverações incontestes. Ou seja, mesmo que o assunto apresente camadas,
gradações, níveis de complexidade que comprovem sua abrangência e relevância
coletiva, o clichê individualista, misto de narcisismo e insegurança, ganha
corpo e, a base de truculência intelectual, anula sem cerimônia o debate que
análises sociais, comentários ou postagens em redes sociais poderiam suscitar.
Essa opinião não é
meramente a ação do senso comum que (muitas vezes) com o auxílio do bom senso
contribui para conter/quebrar uma hierarquização que promove a primazia
absoluta de um saber técnico-científico como único meio legítimo de acessar as
chamadas verdades do mundo – que servem já há séculos para erigir e sustentar
(por intermédio de imposições político-econômicas, guerras e da violência
cultural e simbólica) a hegemonia da racionalidade científica ocidental. Porém,
na era virtual, o estratagema adotado é o da antecipação à réplica, fechando-se
em uma unidade que se encerra em si mesma, e qualquer discordância deve ser
tratada como ofensa, uma afronta à liberdade de expressão. Quando uma fala é
compartilhada em espaço público, ela participa automaticamente de um fórum no
qual tudo está exposto e é passível de contestação. Se todos os móbiles da
discussão se mantiverem dentro do que rege o ideal de respeito e do direito de
se manifestar livremente, o apelo a uma opinião isenta de causar admoestações,
indignação e/ou repúdio soa autoritário e parece demonstrar que, por trás do
epíteto, “Essa é a minha opinião, respeite”, esconde-se não a insegurança em
relação às crenças e visão de mundo do locutor da sentença, mas a sua
incapacidade de, diante consciências que não aqueles que comungam de seu ethos,
apresentar argumentos que comprovem as normas que sustentam esse seu modo de
“viver a vida” (com seus pressupostos morais, políticos e religiosos ou
ausência deles) como a uma única maneira autêntica de “ver o mundo”.
Enquanto as opiniões
ficavam restritas a bares, reuniões aqui e acolá ou ao seio familiar se podia
esperar a condescendência dos presentes, até a anuência passiva. No entanto, em
uma rede social, não há a obrigação em se aceitar a opinião de ninguém. A
partir disso, não é o mundo das maravilhas que a Internet nos apresenta e sim
um campo fértil para a proliferação de argumentos, contra-argumentos,
concordâncias e discordâncias. Porém, parece que nesse mundo “seguro” do “meu
blog”, “meu perfil pessoal” etc., não se espera a réplica ou que a nossa
opinião possa a vir incomodar alguém. E se incomodar, bem ou mal, é importante
saber enfrentar uma polêmica, nunca aceitando provocações gratuitas e crimes de
ódio, e saber que nos caminhos virtuais sempre têm os trolls, que frequentam
páginas que não foram feitas para eles, mas que a liberdade de expressão, que
eles defendem quando os interessa, permite que naveguem à vontade.
Platão, um dos fundadores
do pensamento racional, percebia na doxa (opinião)
– algo entre ignorância e
ciência – um perigo à pretensão de qualquer conhecimento advindo do exercício
da razão, já que explorava a retórica e a aparência. A opinião, desse modo, é
inimiga da episteme e precisa ser superada, já que imputa a “superfície” ou
imagens das coisas status de verdade.
Para Friedrich W. Hegel,
cânone da filosofia Ocidental, o pensamento ao ser concebido já não nos
pertence mais, isto é, faz-se movimento dentro da esfera social, pois a ideia
não é tão somente abstração pura, informal, criada do nada (é proveniente do
Espírito ou da Ideia infinita). A ideia possui um lastro, pensamentos e
efetivações ulteriores. Uma vez que algo é pensado (ideia) se torna real
(matéria) e faz parte do mundo concreto. Afirma a coincidência entre a ideia e
a realidade. Assim sendo, se nossas ideias não nos pertencem, o que dirá
opiniões formuladas sem grandes preocupações argumentativas.
Se considerarmos a
explanação de Terry Eagleton sobre a inversão de Marx em relação à dialética
hegeliana, teremos não as ideias como formadoras da existência social, mas a
materialidade de um ser social que constitui o pensamento, sendo ao mesmo tempo
constituído por esse pensamento, “Para Marx, o que dizemos ou pensamos é em
última análise determinado por aquilo que fazemos. São práticas históricas que
se encontram no fundo de nossos jogos de linguagem. Mas um pouco de cautela é
necessário aqui. Pois o que fazemos enquanto seres históricos é sem dúvida
profundamente ligado com o pensamento e a linguagem; não há prática humana fora
do domínio do significado, da intenção e da imaginação” (Terry Eagleton, Marx e
a Liberdade. São Paulo: Editora Unesp, 1999). Logo, se temos um ser social que
constitui um pensamento e é constituído por ele, e nesse processo ele
significa, intenciona e imagina, não pode pretender a isenção completa a
respeito do que profere e defende. Quem apresenta uma “opinião” assume um
compromisso social, por assim dizer.
Abandonando as
especulações filosóficas, chegamos à sabedoria popular, que nos apresenta
ditados formidáveis: “Quem fala o que quer, escuta o que não quer”. Ou ainda,
“Quem fala demais, dá bom dia a cavalo”.
Algumas opiniões como
meia-verdades logram espaço tornando-se vozes uníssonas a reivindicar o caráter
de solução de problemas. Uma delas é a de que “bandido bom é bandido morto”.
Aliás, se assim o fosse, o “Velho Oeste”, a Lei de Talião (máxima do “olho por
olho, dente por dente”) ou os vários grupos de extermínios brasileiros teriam
resolvido o problema da violência e não os intensificado e gerado mais caos em
relação à segurança coletiva.
Quando certo grupo de
pessoas vociferam que a homossexualidade é uma questão de opção, contrariam à
ciência e, por tabela, o seu próprio poder de entendimento do mundo, pois
acreditam que alguém deliberadamente escolheria ser vítima de agressão, preconceito,
hostilidades constantes e, na pior das hipóteses, assassinato, por mero desejo
de experimentar e assumir o que uma sociedade autoritária, discriminatória e
violenta condena.
Então, opiniões jogadas ao
léu e que se escondem atrás do escudo da liberdade de expressão são perigosas.
Além de revelarem o grau de desconhecimento sobre determinados assuntos por
parte do “comentarista”, podem acabar resvalando em apologia e incitação ao
crime e/ou discriminação, seja ela social, racial ou de gênero.
Na era virtual, a opinião
é senhora absoluta de estratégia de mecanismos de defesa. Para evitar ceder
espaço em um debate (ou em um entrevero facebookiano), a opinião se transforma
em um manto protetor que contribui para deixar do lado de fora a possibilidade
de reflexão e da percepção de que o tradicional, o binário ou o consagrado pela
religião constrangem outros a fingirem ser o que não são para que grupos se
sintam confortáveis em defender suas crenças como ideias para a “perfeição” da
ordem social. Assim, quando se nega a existência do machismo, da homofobia, do
racismo etc. e se acusa o oprimido de vitimização, a opinião não é o livre
expressar de um pensamento – constitucional e necessário – mas a corroboração
com um sistema de ideias hegemônicas que anula subjetividades e construtos não
identitários que escapam às regras impostas pela religião predominante e suas
ramificações, pelas convenções morais e/ou modelo político vigente, que
arbitrariamente julgam e condenam quem contesta sua lógica de controle social.
Desse modo, a opinião que
não contribui para compreender as mudanças comportamentais, políticas e/ou
espirituais servem apenas para reiterar condutas de estereotipagem e
perseguição ao Outro. Opinar, e ter esse direito, é legítimo e mantém a
democracia viva, porém não há nada de divertido em tentar silenciar, subjugar e
querer acossar a subjetividade alheia, ainda mais quando para isso se demonstra
uma ineficiência como debatedor e se “confessa” uma brutalidade intelectual que
apela para a prerrogativa da liberdade a fim de sustentar o status quo,
privilégios sociais e/ou uma concepção religiosa do mundo.
Opine, mas consciente de
que uma vez essa opinião exposta, já não é mais propriedade privada. E esteja
preparado para as “delícias” de uma excelente contenda argumentativa. De
preferência, àquela que evite a famigerada, “Eu penso assim, e pronto!”.
Wuldson Marcelo é mestre
em Estudos de Cultura Contemporânea e graduado em Filosofia (ambos pela UFMT).
É revisor de textos, autor do livro de contos “Subterfúgios Urbanos” (Editora
Multifoco, 2013) e um dos organizadores da coletânea “Beatniks, malditos e
marginais em Cuiabá: literatura na Cidade Verde” (Editora Multifoco, 2013).
Assinar:
Postar comentários
(
Atom
)
Nenhum comentário
Postar um comentário