BARTLEBY
Em Por Que Ler os
Clássicos, Ítalo Calvino defende diversas propostas em relação à leitura. Duas
dessas teses, as de números 4 e 6, chamam a atenção. A primeira, Toda releitura
de um clássico é uma leitura de descobertas como a primeira, encontra o seu
corolário na segunda, Um clássico é um livro que nunca terminou de dizer aquilo
que tinha para dizer. Poucos leitores esclarecidos pela história e pela teoria
crítica são capazes de discordar desses enunciados.
Recentemente, reli
Bartleby, o escrivão, de Herman Melville. O tempo que separou as duas
experiências – vários anos – ajudou muito. Diante de um texto que sobreviveu
aos desgastes naturais sem apresentar problemas de envelhecimento, sem subtrair
as questões fundamentais, foi possível perceber diversos elementos que estavam
invisíveis na primeira leitura. E que
passaram a fornecer um novo sabor. Ou melhor, um novo saber.
Considerada como uma
narrativa que consagra a incomunicabilidade como tema principal, Bartleby, o
Escrivão conta a triste história de um copista jurídico que, em determinado
momento, adota uma postura que surpreende a todos. Ao se negar a exercer as
atividades mais triviais do escritório de advocacia em que está empregado,
Bartleby causa um curto-circuito nas relações de trabalho. Nesse momento,
quando questiona a autoridade do patrão, elege a insubordinação como método de
resistência contra posturas que produzem insanidade mental e política.
Ao repetir inúmeras vezes
o mantra Prefiro não fazer, Bartleby se posiciona, de forma vigorosa, embora
pacífica, contra a ética capitalista. Na
visão do narrador, que define Bartleby como um desses seres sobre os quais nada
se pode dizer com certeza, exceto quando colhido nas fontes originais, que em
seu caso eram por demais exíguas, o escrivão parece estar defendendo a tese que
viver em função do trabalho não consagra a existência humana. Infelizmente, por
diversos motivos, inclusive o óbvio posicionamento ideológico, ele (o narrador)
não diz isso – confirmando a nítida dissintonia entre aquele que faz o relato e
aquele que desestrutura o sistema de valores em que está edificado o
capitalismo predatório (momento em que há uma ressignificação à subordinação
feudalista e às novas formas de escravagismo que acompanham o período histórico
posterior à Revolução Industrial).
Contrário à simplicidade
política daqueles que condicionam a sobrevivência física com a alienação
intelectual, Bartleby encena a figura do herói romântico, que sacrifica a
própria vida em defesa de um ideal. No momento em que decide não mais
compactuar com o pacto social, fecha todas as possibilidades ao entendimento. É
isso que intriga o narrador – e, consequentemente, o leitor.
O imobilismo de Bartleby,
que se aproxima politicamente da desobediência civil e dos ideais libertários,
encontra correspondência naqueles que, em determinado momento, se recusam a ser
just a brick in the wall.
Raul
J.M. Arruda Filho, Doutor em Teoria da Literatura (UFSC, 2008),
publicou três livros de poesia (“Um Abraço pra quem Fica”, “Cigarro Apagado no
Fundo da Taça” e “Referências”). Leitor de tempo integral, escritor ocasional,
segue a proposta por um dos personagens do John Steinbeck: “Devoro histórias
como se fossem uvas”.
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