Artigo publicado no site
Digestivo Cultural
Conheci Ariano Suassuna em
1997 quando estive no Recife lançando meu primeiro disco em homenagem a João
Pernambuco. Entusiasmado com a pesquisa que vinha desenvolvendo, convidou-me
para seguir adiante sob sua orientação. A vontade que tinha de mergulhar no
universo da cultura popular nordestina tornava este convite irrecusável e assim
passei o ano seguinte me preparando para uma prova de admissão no Departamento
de História da UFPE, onde Ariano era livre docente e onde poderíamos
"oficializar" este trabalho.
Começamos então um percurso
de exploração da música em Pernambuco no inicio do século XIX, guiados pela
curiosidade sobre o universo que teria gerado um "gênio da raça" como
João Pernambuco. Deliciamo-nos com os relatos dos viajantes estrangeiros que
visitaram PE nesta época, como os britânicos Maria Graham e Henry Koster, o
francês Tollenare, o pastor norte-americano Daniel P. Kidder, e o germânico
Rugendas. Relemos os "Anais Pernambucanos" de Pereira da Costa, as
pesquisas do Pe. Jaime Diniz, e nos divertimos com as indignações de O
Carapuceiro, editado e redigido pelo Pe. Miguel do Sacramento Lopes Gama entre
1832 e 1850, entre tantos outros.
Tudo isso serviu de alimento
para inesquecíveis tardes de sábado, em conversas na cadeira de balanço que se
prolongavam até um delicioso lanche no inicio da noite, com direito a queijo
coalho de produção própria, vindos de sua chácara em Taperoá. Destes três anos
de intenso convívio, nasceria a dissertação de mestrado "'... e o
estrepidoso zabumba põe tudo em alvoroço' ― Música e Sociedade em Pernambuco na
primeira metade do século XIX", apresentada no Programa de Pós-Graduação
em História do Centro de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal
de Pernambuco.
Mas, na verdade, tudo isso
era um pretexto para conversarmos sobre o Brasil, sobre literatura, sobre
estética e filosofia. Ariano ia descortinando um rico país "real",
bem diferente daquele "oficial", caricato e burlesco, como ele dizia
se referindo a Machado de Assis. Guiava-me para os núcleos de cultura popular,
viva e pulsante, que se espalhavam pela zona da mata pernambucana, e ao seu
lado vivi momentos inesquecíveis, como quando os maracatus se encontraram em sua
homenagem no "Espaço Ilumiara Zumbi", fundado por ele mesmo alguns
anos antes.
Aos vinte anos, quando minha
personalidade artística estava em plena formação, tive a oportunidade de
conviver com um grande artista, sábio e generoso. Hoje, sem ele, vejo o tamanho
deste privilégio e de como foi profunda sua marca em minha alma. Vejo com
clareza a importância que tem para nosso país e como será grande nossa
responsabilidade de levar adiante suas ideias. Seu exemplo de integridade
artística e a música de sua poesia para sempre seguirão em nossos corações.
"A mulher e o
reino"
Oh! Romã do pomar, relva
esmeralda
Olhos de ouro e azul, minha
alazã
Ária em forma de sol, fruto
de prata
Meu chão, meu anel, cor do
amanhã
Oh! Meu sangue, meu sono e
dor, coragem
Meu candeeiro aceso da
miragem
Meu mito e meu poder, minha
mulher
Dizem que tudo passa e o
tempo duro
tudo esfarela
O sangue há de morrer
Mas quando a luz me diz que
esse ouro puro se acaba pôr finar e corromper
Meu sangue ferve contra a vã
razão
E há de pulsar o amor na
escuridão
(Ariano Suassuna)
Assinar:
Postar comentários
(
Atom
)
Um comentário
relembrar é bom.
temos memória curta.
beijos.
Postar um comentário