Fado Doido
Enquanto contava as horas
que se estendiam e arrastavam em descompasso com o escuro da noite que se
dissolvia em madruga, guardava beijos nas conchas das mãos, esperando quem os
recolhesse.
Construindo castelos de
poeira nas bordas das páginas dos livros lidos e daqueles que foram comprados e
esquecidos, parte da velha mania de colecionar retângulos coloridos na estante
pesada do canto da sala.
Mesmo nas madrugadas longas,
enchia as mãos de sol. Esfarelava o brilho em pequenas fagulhas que soprava
pela janela, estrelando os céus solitários que entravam por outras janelas
insones.
Desencontrava-se de si mesma
em pensamentos soltos e os escrevia em blocos de papel que se perderiam na
próxima estação, que nunca ganhariam espaço, nunca seriam conhecedores da
primavera.
Era um rio de sentimentos
aprisionado em montanhas tão latas quanto seus sonhos, mas não sabia o caminho
dos mares e morria um pouco mais dentro de si a cada dia. E calava as palavras.
E as engolia. E quase se afogava em seu vale de lágrimas e contas perdidas.
Tocava o céu com seu peito
aberto, arrepiado pelo vento, olhos atentos a todos os movimentos que só se
podiam sentir. Via tão além e se distraia que o perto não lhe era conhecido:
fado doido de quem se encanta por tudo o que vê e com pouco se contenta.
Se voasse seria uma gaivota,
que troca os céus por mergulhos, que desafia os limites e se diverte em
rasantes.
Se fosse peixe seria o de um
aquário, que passa os dias esperando o nada, sem saber de nada, só sonhando com
as correntezas que experimentou há muitas luas.
Inquieta, poderia ser faísca
solta de fogueira, que se lança atrevida, mas cansada, apaga e se recolhe em
cinzas.
Fosse palavra, seria tantas
que não caberia em uma única língua e léxico nenhum conteria toda a sua
essência e nenhuma gramática a arranjaria, nenhum tradutor a dominaria.
Sendo aquela que mata um
leão por dia, não se daria por satisfeita e amansaria também as onças e se
ajuntaria a elas, aprendendo a arte de
ser livre e feroz e sagaz e paciente quando necessário.
Se fosse silêncio seria
aquele que paira sobre os cetins e tapetes antigos, das terras tão misteriosas
quanto longínquas, seria véus espalhados pelo ventre á espera de mão que os
soltasse.
Se fosse tudo isso, ainda
assim se perderia e nenhum sentido bastaria, porque a busca e os desejos eram
tudo o que a movia e entregar-se não fazia parte dos planos. Mesmo quando quase
enlouquecia.
Dy Eiterer -
Juiz de Fora, Minas Gerais, Brasil. Edylane é Edylane desde 20 de
novembro de 1984. Não ia ter esse nome, mas sua mãe, na última hora,
escreveu desse jeito, com "y", e disse que assim seria. Foi feito. Essa
mocinha que ama História, música e poesia hoje tem um príncipe só seu,
seu filho Heitor. Ela canta o dia todo, gosta de dançar - dança do
ventre - e escreve pra aliviar a alma. Ama a vida e não gosta de nada
morno, porque a vida deve ser intensa. Site:Dy Vagando
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