BRAGANÇA.
AI QUE SAUDADE TENHO! ...
Por
Humberto Pinho da Silva
A
cidade que conservo na memória, não é a de hoje. A minha há muito morreu,
mergulhada no passado. Perdida num tempo que já não é.
O
Sol que agora bronzeia, patina, doira vetustas ruas, a cidadela, as velhas
pedras seculares, é o mesmo; mas as figuras que animaram o antigo e senhorial
burgo, há muito desapareceram num passado que passou.
Todavia
vivem, ainda dentro de mim…Renascem em devaneios, em nostálgicos sonos, e
persistem aconchegarem-se na alma saudosa.
Lembro-me
– melhor se fecho os olhos, – a velha ronceira e embaladora automotora
encarnada. Passeava preguiçosa pelos estreitos trilhos, rompendo por cerros
fragosos e quase nus. O Tua, lá em baixo, de águas cristalinas, debatia-se
exasperado, bracejando, entalado por alcantiladas e escarpadas ravinas de terra
ocre, que pareciam despenhar-se à mais leve viração.
Vejo
nitidamente a simpática estação ferroviária, toda branca, que acolhia os
passageiros, ainda tontos e enjoados pelo baloiçar a que eram forçados.
Vejo,
também, a antiquíssima Praça da Sé e o pelourinho, toda lajeada a granito,
envelhecido pelos anos e pelo musgo. O casarão branco do Montepio; a pequena e
animada livraria do Sr. Silva – sempre cumprimentador, sempre respeitoso: o
Café Central, onde em calmas tardes, bebia o Martini, e nas frigidíssimas
noites de Inverno, quando o vento soprava da Sanabria, e a fofa e alva neve
tudo cobria, saboreava o cafezinho e o inseparável bagaço. Bagaço que só os
transmontanos sabiam fabricar.
Chego,
agora, ao aristocrático Chave D’Ouro, onde “importantes” cavaqueavam
freneticamente, e eu, na flor da idade, estudava inglês e lia e relia Camilo.
Livros que obtinha na carrinha da Biblioteca Itinerante, que estacionava, em
determinado dia, sobre as sólidas e largas lajes, junto à Sé.
Domus
Municipalis
Recordo
com emoção o pequeno e familiar Café Lisboa. Sentado, junto ao balcão,
escutando os entusiásticos comentários do Sr. Manuel, assisti, em directo, à
façanha extraordinária da chegada do homem à Lua.
Lembro-me,
ainda – como me lembro!, – ter presenciado a inauguração do Flórida. - Café que
passou a ser frequentado pela rapaziada elegante da cidade.
Viajando
ao sabor da memória pelas ruas empedradas da cidade, que já não existe, chego à
“moderna” Avenida do Sabor.
Nela
ficava a casa do Dr. Flores – sempre sisudo, de cara cerrada e de coração
generoso, – e a do Dr. Pires, mais a numerosa prole…
Nessa
avenida conheci graciosa moreninha, de pele macia e doirada. Cabelo castanho
que coruscava ao sol, apanhado em farto rabo-de-cavalo. O olhar irradiava
ingenuidade e extrema candura.
Há
crianças que não devem crescer. São bênçãos. Anjos que amenizam vicissitudes.
Essa era uma delas. Conservo na retina o encantador sorriso e o rostinho
angelical.
Dos
passeios que dava – e não foram poucos, – não posso esquecer a trilha pitoresca
que ladeava o manso Fervença – rio que desce pachorrentamente, no forte do
Verão, entre agrestes e escabrosos cerros.
Pelourinho e Castelo de Bragança
Entranhava
por vielas e becos da cidadela, e meditando e rezando, alheado de tudo e de
todos, sempre trilhando estreitos carreiros, chegava ao Café Floresta; com o
rio, de águas translúcidas, aos pés, e o céu azul profundo, como teto. E sempre
o murmúrio das águas… e o murmúrio surdo do silêncio…
Ai
que saudade tenho das quentes noites de Estio! Logo que empalidecia o céu, em
tons de fogo, e o Sol incendiava-se no horizonte, caminhávamos em grupo para o
Jardim António Nicolau d’Almeida, que ficava junto ao rio. Ouvia-se música
quase toda romântica. Roberto Carlos era o rei. Pares de namorados, enlevados,
passeavam de mãos enlaçadas, cochichando doces palavras de amor…
Perdição
para moças casadoiras eram os milicianos do BC3. Chegavam a visitá-los – os de
maior patente, – no quartel.
O
Batalhão resumia-se a duas ou três casernas mal-amanhadas, cercadas de
improvisada vedação. Não havia portas. Não fossem sentinelas, circulava-se
livremente.
À
hora de almoço, a carrinha vinha receber oficiais e sargentos à Praça da Sé,
para os levar até ao morro do quartel.
Agora,
no crepúsculo da vida, em horas de nostalgia, escutando o murmúrio longínquo da
velha Parca, uma onda de saudade invade-me a alma…e magoa, e fere, e dói…
E
a voz que brota dentro do peito, pergunta-me: - Onde estão os que se
acotovelavam e pontapeavam-se na raivosa ânsia de alcançar o topo do sucesso?
E
a mesma voz sussurra-me: - Repousam o eterno sono… Viveram… mas foi como não
vivessem... Lutaram… mas é como não tivessem lutado… A morte igualou – vencidos
aos vencedores. Reduziu-os a cinza…a nada.
Tudo
morre. Tudo desaparece. Tudo é esquecido…. Tudo se transforma em pó…em poalha
de nada.
Humberto Pinho da Silva nasceu em Vila Nova de Gaia, Portugal, a 13 de Novembro de 1944. Frequentou o liceu Alexandre Herculano e o ICP (actual, Instituto Superior de Contabilidade e Administração). Em 1964 publicou, no semanário diocesano de Bragança, o primeiro conto, apadrinhado pelo Prof. Doutor Videira Pires. Tem colaboração espalhada pela imprensa portuguesa, brasileira, alemã, argentina, canadiana e USA. Foi redactor do jornal: “NG”. e é o coordenador do Blogue luso-brasileiro "PAZ
Página na Internet:http://solpaz.blogs.sapo.pt/
E-mail: humbertopinhosilva@sapo.pt
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